Achei muito interessante a crónica de Gonçalo
M. Tavares, na revista Visão nº 1137
(18 a 24 de dezembro de 2014). Interessante e ternurenta, aliás. «Crescer é,
pois, entre muitas outras coisas, aprender a cuidar de si», escreve ele, «mais
tarde, já somos capazes de decidir (quando já caminhamos ou gatinhamos) se
avançamos para um ponto ou para o lado oposto (…) Começamos aí, a ser dois, a
deixar de ser um».
Gosto desta ideia de sermos dois, «uma parte
que cuida e outra que é cuidada», ou seja, «uma das nossas partes mantém-se
exatamente como nasceu». Isto confirma a teoria da criança
interior, de que já aqui falei, ligando-a inclusivamente a Saramago. Somos
um núcleo (a parte que se mantém como nasceu, a verdadeira essência do nosso
ser) e o que aprendemos (a nossa «parte cultural», nas palavras de Gonçalo M.
Tavares). E, digo eu, o nosso equilíbrio – a nossa saúde mental e o nosso
carácter – depende da sintonia entre estas duas partes. Se formos culturais demais, esmagando ou ignorando
a nossa parte bebé/criança, vivemos oprimidos, insatisfeitos, stressados, tendemos
a depressões e outras neuroses. Ao contrário, isto é, se a nossa «parte cultural»
deixa a criança sem controlo, somos inconstantes, irresponsáveis, desrespeitadores,
o que aliás, além de prejudicar os outros, também pode gerar psicoses.
Só gostaria de acrescentar algo! Gonçalo M.
Tavares diz que «o cuidar do outro é a base da humanidade». E, embora ele
acrescente, entre parênteses, «no nosso caso», ao lermos a sua crónica, ficamos
com a impressão de que os humanos são os únicos capazes de transmitir experiência
e sabedoria aos descendentes e de construir solidariedade entre si. «Há animais
que mal nascem (…) são logo autónomos nas situações mais extremas (…) já caçam
e matam». É verdade. Mas também há inúmeros animais que, tal como nós, só
sobrevivem porque «está outro ao lado, mais velho, que não cuida apenas de si
próprio». Nalguns casos, esse acompanhamento é igualmente longo, dura vários
anos, como acontece com os elefantes. Animais desse tipo (mamíferos, mas talvez não todos) também são capazes de
interagir, de construir relações sociais complexas e de desenvolver ternura por
alguns membros da sua sociedade.
A humanidade é qualidade exclusiva dos
humanos, sim, porque é o nome que damos à solidariedade que construímos entre
nós. Mas não nos devíamos esquecer de que há muitas outras criaturas de Deus capazes
de criarem solidariedade e cumplicidade. Perguntem ao Criador, que Ele
confirma!
Sem comentários:
Enviar um comentário