Ilustração de Jorge Miguel |
D. Afonso Henriques negociou a rendição com o alcaide mouro de Lisboa. Não haveria saque, os habitantes muçulmanos e judeus deveriam sair da cidade, aquartelando-se fora de muros, e não se verteria mais sangue. O alcaide e o seu genro eram autorizados a manter as suas posses. O rei português adivinhava problemas, pois sabia que os cruzados não prescindiriam do saque.
Apesar do sucesso desta conversa, Afonso regressou ao acampamento preocupado. Receava a reacção dos cruzados, assim que soubessem que ele não satisfaria algumas das suas exigências. Os ânimos tinham estado exaltados nas últimas horas e começava-se novamente a falar no tesouro, que estaria enterrado na cidade.
A reacção não se fez esperar. Alemães e flamengos insistiam em que os portugueses pouco tinham contribuído para a vitória, o que, no seu entender, não dava ao rei o direito de negociar sozinho com os mouros, roubando-lhes aquilo que lhes prometera. Muitos deles entraram nessa noite em Lisboa e espalharam o horror, saqueando, matando e violando.
Afonso fervia na sua fúria. Ainda mais, quando soube que, aqueles que não davam largas aos seus instintos mais ferozes intra-muros, tinham o desplante de pretender atacar o acampamento português! Mandou chamar Arnulf de Aarschot e Christian de Gistell, que surgiram acompanhados de um prelado flamengo. Vendo-se numa situação crítica, D. Afonso Henriques optou por uma solução radical, lançando um ultimato aos cruzados, dando o tudo por tudo.
Estabeleceu-se um silêncio perplexo. Afonso respirou fundo, controlando a sua fúria. Urgia pôr fim àquela situação, que ameaçava a vitória. Um ataque dos cruzados ao acampamento português seria o início de uma catástrofe. As hostes cristãs envolver-se-iam em lutas sangrentas, das quais só sairia um vencedor: a mourama!
O rei só viu um caminho para sair desta crise, um caminho deveras arriscado:
- Se não fordes capazes de acabar com os motins, partirei, ainda antes do nascer do sol, com todo o meu exército, abandonando-vos à vossa sorte. Que eu prefiro prescindir de Lisboa, a quebrar os acordos firmados com o alcaide!
Depois da tradução, Christian e Arnulf fixaram-no assombrados. O semblante de Afonso mantinha-se impassível, fazendo-os acreditar que ele realmente renunciaria a Lisboa, caso não pudesse manter a palavra dada. Na verdade, Afonso perguntava-se se teria ido longe demais.
Os cruzados aceitam, por fim, subjugar-se ao monarca português.
Aos estrangeiros assomava-se arriscado ficarem entregues a si próprios perante os mouros, que lhes poderiam tornar a fechar as portas da cidade, forçando-os a partir para a Terra Santa de mãos a abanar. E os que haviam decidido ficar em Portugal sonhavam com os senhorios que o monarca lhes prometera.
Todos os cruzados juraram, no dia seguinte, 23 de Outubro, fidelidade a D. Afonso Henriques e aceitaram o acordo que ele havia estabelecido com o alcaide. Porém, a devastação, que muitos deles haviam provocado na noite anterior, já ninguém podia emendar. Inúmeros moçárabes, até o seu bispo, pereceram às espadas dos cruzados em fúria. Assim mataram eles os seus irmãos de fé, que tinham vivido em paz sob a regência dos muçulmanos.
Um tesouro não foi encontrado.
Um dos grandes tesouros árabes, consistia na grande quantidade de conhecimentos a nível das várias ciências, que possuíam.
ResponderEliminarMas, quem sabe... em algum lugar dos subterrâneos que se estendem sob o Ulissipo solo e que ligam(avam) diz-se, até ao castelo na serra de Sintra e daí até ao mar e a outros locais se acha ainda e talvez para todo o sempre, guardado algum tesouro, que nestes tempos de aperto, tanto jeito nos daria achar.
Ou então, não, e que repouse onde está, em lugar de ir como é lenda nesta terra, satisfazer a avareza de alguns e encher de nada a pobreza de outros...
;))
Bem que hoje nos dava jeito um D. Afonso Henriques para negociar com a Troika.
ResponderEliminarÉ verdade, António, falta alguém capaz de arriscar, de lançar ultimatos...
ResponderEliminarmuito bem.
ResponderEliminarDecisão própria de um Rei, a de abandonar a cidade conquistada, caso não pudesse manter a palavra dada! Não só de um rei como de pessoa de bem.
ResponderEliminarÉ interessante esta faceta conciliadora (e negociadora) de A.Henriques. Quem o vê sempre com aquela espada pensa logo num homem a entrar por aqui à espadeirada, dizendo 'Tudo isto é meu!...
:)
Bjo
Olinda
É verdade, Olinda. Dá-se destaque às suas façanhas guerreiras, mas ele também era um bom negociador. Atingiu vários dos seus objectivos seguindo a via diplomática.
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