Lisboa mourisca, por Martins Barata |
D. Afonso Henriques negociou a entrega de Lisboa com o alcaide mouro e fez questão de que não se vertesse mais sangue. Mas a população moura foi expulsa das suas casas e obrigada a entregar todos os seus haveres aos conquistadores cristãos.
Esta era a segunda noite em que ninguém dormia na casa de Aischa.
Haviam passado a anterior aterrorizados, enquanto os cruzados saqueavam a cidade. Felizmente, não tinham vindo todos, o que poupou algumas casas à loucura. Uns quantos ainda tentaram arrombar a porta de Malik Ibn Danaf, mas nessa altura já a milícia punha fim à matança, permitindo que Aischa e os seus ficassem pelo susto. O que os levava a pensar que a sua família, por alguma razão, se encontrava sob a protecção especial de Alá, pois fora uma das poucas que sobrevivera completa ao cerco.
Nesta noite, de 23 para 24 de Outubro, reuniam todos os seus pertences, para que o mercador e os seus dois filhos os fossem depositar aos pés dos novos senhores de Lušbūna. Como ficara acordado entre o rei português e o alcaide, um contingente de trezentos cristãos ocuparia pacificamente a al-qasbâ, logo pela manhã, a fim de confiscar todos os haveres dos mouros e dos judeus. A cidade seria em seguida inspeccionada e, se algo mais fosse encontrado, sem ter sido entregue ou declarado, o dono da casa onde fosse feito o achado pagaria com a vida.
(...)
De tarde, vieram quatro cristãos armados inspeccionar a casa. A família e a criadagem estavam reunidas no jardim e, apesar de as vestes das mulheres serem de linho grosseiro ou de burel e de os véus só lhes deixarem ver os olhos, os soldados miraram-nas cheios de cobiça.
(...)
Antes de mandarem a família embora, os ocupantes informaram ainda que os cristãos pertencentes à criadagem eram livres de ficarem na cidade. A maioria, no entanto, não tencionava desligar-se da família do mercador. Sem posses, receavam ficar entregues à sua sorte. Eram moçárabes e os portugueses vindos do norte olhavam-nos com desconfiança. Além disso, sabiam que o seu patrão receberia a ajuda do irmão rico de Batalyaws.
Aischa sentia-se capaz de matar os quatro estranhos, que olhavam trocistas para aquela que fora uma das famílias mais ricas de Lušbūna e que agora se afastava, depauperada e de cabeça baixa. Nem sequer o seu único burro de carga que sobrevivera ao cerco podiam levar. Transportavam eles próprios a escassa roupa e algumas peças de louça barata, com que tinham sido autorizados a ficar.
Malik Ibn Danaf e os seus juntaram-se aos outros, judeus incluídos, que se dirigiam com as suas trouxas às portas ocidentais de Lušbūna. Mas, enquanto os judeus saíam pela bâb al-hadîd, a Porta do Ferro, a fim de ocupar o seu bairro a sudoeste da cidade que haviam deixado no início do cerco, os muçulmanos dirigiam-se à bâb al-khawkha, na intenção de se aquartelarem nas casas vazias do bairro de Alcamim, pois grande parte dos seus habitantes havia perecido. Muitos mouros tencionavam partir, mas para alguns as perspectivas noutro lado não seriam melhores do que as que ali teriam.
dado o dia que é hoje podias ter colocado a passagem da assinatura do tratado de Zamora do "Afonso Henriques"
ResponderEliminar5 de Outubro de 1143.
Na minha prespectiva, a escolha da Cristina está adequada ao dia.
ResponderEliminarHoje, comemora-se a passagem do regime monárquico, para republicano. Naquele dia, Lisboa deixou de ser muçulmana e passou a ser cristã.
Sim, sim, cristã... o dom Afonso Henriques não ía em cantilenas católicas apostólicas e muito menos romanas e o representante do papa que veio para o excumungar, percebeu bem essa escolha...
É verdade, Daniel, era uma ideia. Mas tenho seguido a vida de Afonso Henriques cronologicamente e já postei o Tratado de Zamora há uns tempos (vou à procura do link).
ResponderEliminarDe resto, estes posts não são espontâneos, programo-os com uma certa antecedência e confesso que, na altura, nem me lembrei do feriado do 5 de Outubro...
Bartolomeu, amanhã, no último post dedicado a este tema, darei destaque precisamente a esse aspecto :)
Já agora, aqui está, foi a 10 de Maio:
ResponderEliminarhttp://andancasmedievais.blogspot.com/2011/05/tratado-de-zamora.html
:-)
Pobre gente!Imagino a Aisha e os seus,desvalidos, à procura de abrigo. As guerras são cruéis.
ResponderEliminarGostei muito do destaque que dá à parte vencida, mostrando o seu lado humano e as dificuldades por que teriam passado. Nos manuais de História não me lembro de ter visto esta parte tratada.
:)
Olinda
Agora, já há mais historiadores e arqueólogos a dar mais destaque ao aspecto dos mouros, têm-se feito muitas descobertas. Mas ainda é pouco. E nós, que herdámos tanto deles...
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