Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

18 de dezembro de 2011

"Deves amar o próximo como a ti mesmo"

Assim nos ensina a Bíblia. Mas sejamos sinceros: quem consegue dizer que se ama? Não nos achamos cheios de defeitos? Não nos tratamos mal, chamando-nos de parvos e estúpidos? Não nos achamos, inúmeras vezes, inferiores aos outros e não desejamos ter a vida deles, que julgamos mais felizes do que nós?

Condenamos o egoísmo. E há um egoísmo prejudicial, sim, mas ao mesmo tempo, existe um egoísmo saudável e, eu diria mesmo, vital. Não encontraremos paz interior, enquanto não nos ocuparmos de nós próprios. Só assim reuniremos condições de amar e ajudar o próximo. Caso contrário, somos vítimas fáceis do egoísmo prejudicial e doentio. E aí não adianta que nos preguem a humildade, a obediência, o sacrifício e a paciência. Se não temos nada para dar a nós próprios, também não encontramos nada para os outros.

Dito por outras palavras: antes de irmos ajudar os outros a arrumar a casa deles, será melhor arrumarmos a nossa. Que energia temos para as casas dos outros, se sabemos que, na nossa, reina o caos? Podemos abrigar-nos no artifício de nos distrairmos: enquanto arrumamos o lar alheio, esquecemos a desordem e a sujidade do nosso. Mas tanto maior será a desolação e a tristeza, quando lá regressarmos.

Não devemos ter medo, nem vergonha, de admitir que velamos, acima de tudo, pelo nosso próprio interesse. Não no sentido de nos julgarmos superior aos outros e de querermos ostentar riqueza, enquanto eles se afogam na miséria, mas no sentido de arranjarmos a energia e a paz que nos permitam encarar, seja quem for, em pé de igualdade; a energia e a paz que nos permitem subir ao degrau mais alto, mas, também, descer, sem preconceitos, a um mais baixo, em caso de necessidade.

Devemos tratar de nós próprios como, em criança, desejávamos que os nossos pais nos tratassem.

7 comentários:

Pedro disse...

ama
te
que
me
ames

Cristina Torrão disse...

Li, no seu blog, um outro pequeno poema, que acho que também se encaixa aqui:

um sorriso
que ganho
do sorriso
que faço

Bartolomeu disse...

Aqui o teu post, Cristina, remete-nos para o exercício da auto-análise, Cristina. Uma auto-análise que muito pouscos se acham possibilitados de fazer, na medida em que se encontram condicionados pelos ensinamentos que receberam desde pequenos e, para além dos quais nunca ousaram reflectir.
Como deves concordar, para que possamos avaliar as nossas acções, as nossas convicções, os nossos desejos, os nossos defeitos e qualidades, precisamos de saber sair de nós e de nos projectarmos num dimensão metafísica. Por outro lado, quando adquirimos a capacidade para efectuarmos esse exercício, deixa de ser necessário auto-analisar-nos.
O que estou a querer dizer concretamente, é que em minha opinião, precisamos aprender a não ter medo de arriscar, a não ter medo de ultrapassar as barreiras que nos limitam, a não ter medo de encarar o que se encontra para além delas, em não ter medo de arriscar e de aprender, mesmo não tendo a certeza de que, do lado de lá desse risco, não venhamos a encontrar um risco maior.
;)

Cristina Torrão disse...

Concordo, Bartolomeu! Mas eu considero a questão da auto-análise muito importante. Só quando nos conhecemos a nós próprios, só quando descobrimos a nossa verdadeira natureza (escondida e disfarçada à custa de diversos métodos de educação, mas, acima de tudo, de deseducação) conseguiremos amarmo-nos a nós próprios. E esta é a condição essencial para perdermos o medo de arriscar, de ultrapassar as barreiras que nos limitam, etc., etc.

JR disse...

Amar é ser capaz de doação. Amar o outro como a nós mesmos é sermos capazes de nos doarmos a nós mesmos.
Talvez o outro olhar, o que lançamos sobre os nossos defeitos, seja apenas a nossa falta de vontade de doação ou talvez a nossa incapacidade de doação.
Aparentemente a posse é mais fácil.
Mas toda a posse implica que o outro seja apenas objecto. Na interacção com o objecto, tornamo-nos objecto também.

Rafeiro Perfumado disse...

Já dizia o anúncio do leite:
"Se eu não gostar de mim, quem gostará?"

Beijocas!

Cristina Torrão disse...

Pois o problema está nessa capacidade de nos doarmos a nós mesmos. No fundo, é tudo uma falta de auto-estima.
Aliás, foi o João Raposo que me inspirou para este post, a partir de um comentário que deixei no blogue das "Conversas com A Carolina" ;)

Rafeiro, o problema é que é preciso cuidado com as mensagens publicitárias, ou seja, a mensagem até é útil, a maneira de a cumprir é que é falsa, pois ninguém aumenta a sua auto-estima, bebendo determinada marca de leite.
Eu percebi a ironia, só não quis deixar de explicar ;)