"Eu sou um ser que vive, entenda-se. Os meus braços alimentam
outros seres viventes e dão sombra a quem se senta no meu colo. Um carvalho
pode ser um grande amigo, a quem confiam os seus segredos. As crianças em meu
redor são a energia que me aquece e as juras gravadas no meu tronco, memórias
antigas.
Entre elas, a daquele dia: nada se sentia no ar,
nada do que estava para acontecer. O frio cortante do fim de tarde cobria o som
dos cascos de cavalos a chegar a Santarém.
À noite, do alto da minha copa, vi três vultos a
aproximarem-se das muralhas com uma escada enorme; a partir daí os dados
estavam lançados…O estranho neste ataque era o mudo entendimento entre pares. A
camaradagem entre os cavaleiros e o rei era a força por detrás da razia, que
parecia fulminante.
No final, a lua, minha companheira, tão testemunha
do massacre como eu, escondeu-se e com ela foram-se os gritos, os medos e os
ódios deixados para trás. Em cada pedra das muralhas um lamento se gravou, e na
bandeira então içada, ondulavam as cores da vitória!
A euforia dos novos amos alimentou-se do mito de
tesouros escondidos e neste planalto mirante de grandes e férteis planícies, a
vida ergueu-se novamente como os novos rebentos da Primavera.
Mesmo passado 865 anos,
este episódio continua presente em mim. A conquista de Santarém fez-se por
pessoas comuns que ousaram dar liberdade aos seus sonhos, mas o código de honra
dos cavaleiros foi ignorado e, em vez disso, a força invisível que eu senti, naquela
madrugada de 15 de Março, tornar-se-ia o prenúncio de uma identidade futura,
cujas raízes se cravavam na terra funda."
Ana Sofia Allen
Completamente diferente, sem dúvida! :)
ResponderEliminarAté amanhã ;)
ResponderEliminar...muito belo :)
ResponderEliminar'Eu sou um ser que vive'
ResponderEliminarBom começo. Muitas vezes é nas primeiras palavras que o leitor encontra o incentivo para continuar. E nada como a natureza como testemunha daqueles estranhos tempos.Afonso Henriques era mesmo assim, avesso a cumprir acordos e, neste caso, as tréguas...
Gostei.
Olinda