Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

13 de fevereiro de 2015

Uma Outra Voz



Este foi o terceiro Prémio LeYa que li e, de longe, do qual eu gostei mais. Lembrei-me muito de Alice Munro e é interessante constatar que o anúncio da vencedora do Nobel se deu poucos dias antes deste LeYa.

Estou a comparar as duas escritoras, não tanto pelo estilo, mas pela sua maneira de dar conta de um quotidiano que, muitas vezes, só à superfície é inofensivo, ou não passível de ser contado. Na minha opinião, qualquer vida é digna de ser contada, depende da maneira como se conta. Nesta nossa ânsia de vivências e sentimentos cada vez mais sofisticados, esquecemo-nos das pequenas coisas do dia-a-dia, cheias de significância. O mérito de Gabriela Ruivo Trindade e de Alice Munro é, a meu ver, pegar nesses pormenores e trazê-los à luz.

Não resisto a repetir o que escrevi na opinião a A Vista de Castle Rock: «romancear as tragédias da Humanidade, como o Holocausto, as guerras, as ditaduras, etc. é muito importante (contra o esquecimento) e dá livros espetaculares. Mas não menos importante é trazer para a luz os escombros do dia-a-dia: vitórias e derrotas, ilusões e desilusões, surpresas e rotinas, conversas e silêncios, esperanças e medos, etc». Compreendo que esta não seja a preferência de muita gente, mas Gabriela Ruivo Trindade tocou, no meu caso, no ponto certo. Apaixonei-me por este livro e largava-o sempre contrariada, quando me via obrigada a fazer uma pausa na leitura.

A ação centra-se em Estremoz, contando a vida de uma família (ou episódios dela) entre os fins do século XIX e 1978. Gabriela Ruivo Trindade revela especial sensibilidade e capacidade de se colocar na pele de várias pessoas. Aprecio muito esta qualidade num(a) escritor(a), pois cada um vê o mundo com os seus próprios olhos. Particularmente interessante, achei as diferentes perspetivas no relato do quotidiano de uma família, conforme se trate do filho, ou da mãe. A autora é licenciada em psicologia, o que penso ter contribuído para essa sua capacidade.

Gostei igualmente da transcrição das páginas de um diário real, no fim.

Adenda: como se pode ver, na caixa de comentários, a própria autora chama a atenção para o facto de que as passagens do diário também são ficção. Enfim, liberdades de escritora. A leitura do livro continua a recomendar-se.


Nota: a quem esteja interessado, a minha opinião sobre os outros dois Prémios LeYa aqui e aqui.


4 comentários:

Vespinha disse...

Tenho na lista o ultimo Prémio Leya, O meu irmão..

Cristina Torrão disse...

Eu também. E estou muito curiosa. Mas tenho tantos outros à frente... "Uma Outra Voz" teve de esperar cerca de um ano. Se eu soubesse que ia gostar tanto, tinha feito batota na lista ;)

papu disse...

Muito obrigada pelo texto. Tomei a liberdade de comentar porque achei piada ao pormenor do diário real. Na verdade, os fragmentos do diário também são ficção. A única parte do livro que não é ficcionada são as fotografias. Com a sua licença, vou divulgar este texto na página oficial do livro.

Gabriela Ruivo Trindade

Cristina Torrão disse...

Fiquei convencida de que o diário era real pela descrição das condições em que ele teria sido encontrado e recuperado. Presumo que também essa parte será ficção... Embora, realmente, me causasse uma certa estranheza o estilo de escrita do diário ser tão parecido com o do resto do livro. Até pensei: talvez a autora tenha completado alguns passos que não se conseguiriam ler bem.

Enfim, a minha opinião favorável mantém-se, gostei muito de ler.
E, sim, divulge o texto à vontade!