Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

7 de março de 2016

Cerco a Coimbra

A 7 de Março de 1322, Dom Dinis cercou a cidade de Coimbra, que havia caído nas mãos de seu filho a 31 de Dezembro de 1321. O reino português encontrava-se em plena guerra civil, entre Dom Dinis e o seu herdeiro, futuro Dom Afonso IV, uma guerra que tanto desgastou o rei, que bem pode ter acelerado a sua morte.

O infante Dom Afonso encontrava-se em Guimarães, mas, ao saber que o pai cercara Coimbra, apressou-se a ir ao seu encontro. Também Dona Isabel para lá foi, deixando o seu desterro em Alenquer, ordenado pelo próprio Dom Dinis, que a acusava de pactuar com o filho.

Como se vê, havia um grande drama familiar por trás da guerra civil que dilacerou o reino português no início do século XIV, o que não deixa de ser estranho, tendo em conta os protagonistas: um rei culto, justo e amigo do povo; uma rainha exemplar, que foi canonizada; o filho dos dois!

Pormenor da estátua de D. Dinis em Coimbra

Vendo a derrota à frente, Dinis considerou ser Isabel a sua última esperança. Pediu para conferenciar com ela e pediu-lhe desesperado:
- Suplico-vos que guiseis estabelecer a paz sem que haja vencedor nem derrotado!
Isabel olhou-o amargurada:
- Pedis-me o impossível!
Dinis aproximou-se dela e, pegando-lhe nas mãos, insistiu:
- Intercedei junto de Deus! Diz-se que já fizestes milagres… Não o podereis tornar a fazer?
A rainha engoliu em seco e replicou:
- A graça de fazer milagres só é concedida quando Deus assim o entende, não depende da minha vontade. Sou um mero instrumento nas Suas mãos.
- Quereis dizer que nada podeis fazer por mim?
O seu desespero mortificava-a. O rei raramente lhe vira o rosto tão dilacerado pelo sofrimento e, num impulso, beijou-lhe as mãos. Ela fechou os olhos por um momento e quando os abriu, disse:
- Darei o meu melhor! Mas haverei mister de auxílio, de um mediador, a quem Afonso dê realmente ouvidos. E não me ocorre mais ninguém tão adequado como o conde de Barcelos!
Dinis estremeceu perante a menção daquele seu bastardo que ele destituíra do cargo de alferes-mor e da maior parte das suas rendas, obrigando-o ao exílio. Até àquele momento, considerara-o um traidor. Agora, deu consigo a perguntar:
- Pensais que ele consentirá em falar comigo?
- Com certeza. Pedro Afonso é uma alma gentil, que não guarda rancor… E que vos ama e respeita como ninguém!

Imagem daqui



Graças às intervenções de Dona Isabel e do conde Pedro de Barcelos, o rei retirou para Leiria e o infante para Pombal. Em Maio, encontraram-se em Leiria e assinaram um acordo de paz. Dom Dinis, porém, que já passara dos sessenta, foi acometido de doença grave à sua chegada a Lisboa.

Ao chegar a Lisboa, confiante que, podendo enfim repousar, o seu estado melhorasse, Dinis constatou o contrário: acordou uma madrugada muito prostrado, confuso da cabeça e sem conseguir articular palavras! Chamaram-se os físicos, que o sangraram, e também a rainha preparou as suas poções, desfazendo-se em mil cuidados e desdobrando-se em rezas.
Passado uns dias, Dinis melhorou um pouco. Embora a fraqueza ainda o impedisse de deixar o leito, viu-se capaz de falar e aproveitou para suplicar à rainha que não o deixasse, sentindo-se muito dependente dela. E, a 20 de Junho daquele ano de 1322, decidiu fazer o seu testamento.
(…)
Nos piores momentos da sua enfermidade, os cuidados e a dedicação de Isabel provaram ser imprescindíveis. O rosto dela iluminava o dia mais triste, a sua voz confortava, a sua serenidade dava confiança e coragem e o toque das suas mãos era bálsamo para almas aflitas. Isabel era a esperança transformada gente, como se Deus houvesse decidido dar uma forma humana a esse sentimento. E, apesar de haver amado outras mulheres e de, muitas vezes, haver odiado a rainha, Dinis não desejaria ter qualquer outra perto de si naquelas horas difíceis.

Dom Dinis melhorou. Mas a paz que assinou com o filho foi quebrada cerca de ano e meio mais tarde, depois das Cortes de Lisboa, em Outubro de 1323. A guerra civil entraria na sua última fase.

Dom Afonso IV





Sem comentários:

Enviar um comentário