Serão na corte |
Excerto do meu romance Dom Dinis, a quem chamaram o Lavrador:
A rainha teimava em não regressar do seu périplo pelas vilas que lhe pertenciam e Dinis, de partida para Coimbra e desejoso de consolo feminino, debatia-se com a dúvida sobre quem mandaria vir ao seu encontro: Aldonça Rodrigues da Telha, ou Maria Pires? A fogueira escaldante, ou a leveza das sardas num rosto sereno?
Quiçá por se aproximarem os frios do Outono, Dinis decidiu-se pelas chamas. Considerou, porém, que Aldonça deveria estar mui agastada, desde que ele, em vez de reatar o romance com ela, depois do nascimento de Fernão Sanches, se entretivera com a dama do Porto. Sabia, por outro lado, que Aldonça não se atreveria a recusar um pedido dele. E dedicou-lhe um poema na sua missiva, o melhor remédio para atenuar ímpetos arrebatados, onde pedia perdão por não ter ido ver a amada nem lhe ter mandado notícias durante tanto tempo:
Nom sei como me salv ’a mia senhor
se me Deus ant’ os seus olhos levar,
ca par Deus nom hei como m’ assalvar
que me nom julgue por seu traedor
pois tamanho temp’ há que guareci
sem seu mandad’ oir e a nom vi.
(Não sei como me justificar perante a “mia senhor”, para que ela me não pense seu traidor, pois já há muito tempo não lhe mando notícia, nem a vejo).
E sei eu mui bem no meu coraçom
o que mia senhor fremosa fará
depois que ant’ ela for: julgar-m’ á
por seu traedor com mui gram razom,
pois tamanho temp’ há que guareci
sem seu mandad’ oir e a nom vi.
(Sei muito bem no meu coração como reagirá a formosa “mia senhor”, julgar-me-á por seu traidor e com razão, que já há muito tempo que não lhe mando notícia, nem a vejo).
E pois tamanho foi o erro meu
que lhi fiz torto tam descomunal,
se m’ a sa gram mesura nom val,
julgar-m’ á por em por traedor seu,
pois tamanho temp’ há que guareci
sem seu mandad’ oir e a nom vi.
Se o juízo passar assi,
ai eu cativ’, e que será de mi?
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