Aqui se dá conta de relações amorosas da nossa História,
como Dom Pedro I e Inês de Castro, Leonor Teles e João Fernandes Andeiro, ou a
Severa e o Conde de Marialva. A escrita possui alto nível de erudição, como será
habitual em Mário Cláudio. Digo “será” porque foi o primeiro livro que li deste
autor. Atendendo, porém, aos prémios que já ganhou e ao estatuto atingido no
nosso meio literário, não há margem para dúvidas de que a sua escrita vale por
si mesma.
As ligações amorosas são tratadas de um ponto de vista
inabitual, dando ênfase, por exemplo, à decadência da corte e dos mosteiros no
século XVIII, no caso entre Dom João V e Madre Paula, com aspetos mesmo
grotescos, que se escondiam atrás dos luxos. No episódio envolvendo a Severa e
o Conde de Marialva, o ênfase vai para a promiscuidade e a miséria de certos
meios. Surpreendeu-me a ternura posta no descrever da paixão de Mariana
Alcoforado pelo Conde de Chamilly e o meu episódio preferido foi o de Camilo
Castelo Branco e Ana Plácido. Mário Cláudio é exímio no retratar do narcisismo dos
escritores, um narcisismo ligado à febre da produção literária, que põe todos os
outros aspetos da sua vida na sombra. No caso de Camilo Castelo Branco, e
devido à época em que viveu, essa fixação no próprio ego alia-se ao machismo, uma
mistura fatal para a igualmente culta Ana Plácido. Fiquei, no entanto,
desiludida com o capítulo dedicado a Dom Pedro I e Inês de Castro. Apesar de Mário
Cláudio fugir à descrição comum deste romance, não foi tão longe quanto eu
desejaria, mantendo alguns mitos.
Uma escrita que vale por si mesma, porém, sendo inimitável
na sua erudição e dando um estatuto único, por demais merecido, ao seu autor,
torna-se ela própria narcísica, ou seja, vive por si e para si, esquecendo-se,
por vezes, da sua função de veículo de um enredo e de personagens. Torna-se
assim fastidiosa a leitura de certas passagens.
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