Este “panfleto mágico
em forma de romance”, ao estilo de Alice no País das Maravilhas, é um
registo raro na literatura portuguesa e, por isso, digno de nota. João, um
rapaz de cerca de doze anos, cansado das lamúrias da sua aldeia Chora-Que-Logo-Bebes,
decide saltar o Muro construído em redor da Floresta Branca, «onde os homens,
perdidos dos enigmas da infância, haviam instalado uma espécie de Parque de
Reserva de Entes Fantásticos».
João entra assim num
mundo de fantasia, vivendo as aventuras mais estranhas. É de louvar a
imaginação de José Gomes Ferreira na criação de mundos e personagens absurdas,
com os quais João aprende muito sobre a vida, os dilemas humanos e a sociedade
em geral, que, muitas vezes, se revelam precisamente absurdos.
Porém, fazendo este
livro parte do Plano Nacional de Leitura, para o 3º ciclo, não posso deixar de fazer duas críticas desfavoráveis.
O objetivo principal
desta narrativa é mostrar a jovens que se deve viver sem medo. Em
grande parte do livro, isso é conseguido, João supera de maneira destemida os
testes mais perigosos e absurdos. Chega, porém, a um capítulo em que encontra o
seu contrário: João Medroso. Esta parte não me parece aconselhável, do ponto de
vista pedagógico. João Sem Medo trata com bastante rudeza o rapaz medroso, com
ordens de «cala-te» e apelidando-o de «medricas» e outros nomes menos
simpáticos. É certo que João Medroso exagera, tem mesmo medo e desconfia de
tudo, mas não me parece que a agressividade seja a melhor maneira de lidar com alguém medroso. Não se lhe consegue tirar o medo, apenas se lhe ensina a
desprezar-se a si próprio. O próprio João Sem Medo diz: «jurei esconder o medo
de mim mesmo, para não me desprezar». Esta é a terapia errada, pois, a melhor
solução para ganhar coragem é aprender a valorizar-se a si mesmo, o que implica
aceitar os seus medos. Isso sim, é corajoso!
Os dois Joões
encontram um gigante. O Sem Medo tenta fazer-lhe frente, o Medroso encolhe-se,
claro. E o que lhe acontece? O gigante divide-o em centenas de bichos-de-conta
que amassa numa grande bola, envolve na pele de um sapo, que depois esborracha
com um murro e acaba por desfazê-lo em ar. Foi esse o castigo por ele ser
medroso! Sinceramente, acho que isto só aumenta o medo de quem já é medroso.
A outra grande
crítica que tenho a fazer a este livro é que parece tratar apenas das aventuras
e dos medos dos rapazes. As raparigas, quando surgem, ou são personagens
graciosas, mas fracas, a necessitarem de ajuda, ou são (como haveria de ser de
outra maneira?) seres traiçoeiros, que só servem para enganar os rapazes e
metê-los em apuros. Em defesa do autor, diga-se que a primeira versão destas
aventuras foram publicadas num jornal de 1933. Estão, porém, desadequadas ao
nosso tempo, pelo que me parece que os jovens até aos 14 anos não o devam ler sem acompanhamento.
Se servir de leitura obrigatória numa escola, espero que a/o
professor/a possua pedagogia suficiente, a fim de dar a volta a estas situações.
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