Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

7 de junho de 2019

O Implacável Cerco de Almada




A ação deste romance situa-se nos anos de 1383/84, logo a seguir à morte de D. Fernando I, causando uma grave crise de sucessão. D. Fernando I deixou apenas uma filha, D. Beatriz, casada com D. João I de Castela. Por isso, se sentia o monarca castelhano com direito à coroa portuguesa. Foi na sequência destes acontecimentos que D. João Mestre de Avis se declarou rei de Portugal e, como sabemos, a crise só se resolveria com a Batalha de Aljubarrota, em 1385.

Neste romance, D. João I de Castela surge, em 1384, com a sua armada, no Tejo, cercando Lisboa e Almada ao mesmo tempo, a fim de impor a sua autoridade. O autor, António da Costa Neves, faz um bom retrato da época, através da sua personagem principal, João Galo, baseada num tabelião que existiu historicamente. Aqui, João Galo tem apenas 13/14 anos e é filho do regedor Afonso Galo, que faz parte do concelho da vila de Almada. Numa nota inicial, o autor esclarece que não tem a certeza desta relação familiar. Tomou, no entanto, esta opção, em prole do enredo, o que é legítimo, num romancista.

Sendo filho de um notável de Almada, o jovem João Galo mantém-se informado sobre os acontecimentos, que o leitor vê através dos seus olhos. Como disse, a época e a sua linguagem estão bem caracterizadas, assim como a vida do jovem, cujas incertezas e insegurança próprias da adolescência se misturam com os acontecimentos históricos.

Houve, porém, um aspeto que não me pareceu muito credível. João Galo atravessa várias vezes o Tejo, num pequeno barco, esgueirando-se por entre as galés castelhanas, acompanhado do seu futuro sogro (na época, um jovem de 14 anos poderia perfeitamente estar de casamento marcado), a fim de se inteirarem da situação em Lisboa. É certo que eles saem sempre de Almada às escondidas, ao escurecer, ou de manhã muito cedo, disfarçados de pescadores de alguma aldeia próxima (fazem-se ao rio num ponto afastado da vila), a quem os castelhanos não dão grande importância. Pergunto-me, porém, se tal seria possível, já que a finalidade de um cerco era levar os sitiados a morrer de fome. E mesmo que os castelhanos não os considerassem habitantes de Almada, deixá-los-iam andar à vontade?

Não obstante, trata-se de uma boa leitura para quem se interesse pela época e por este tema, em particular.


6 comentários:

  1. José Catarino07/06/19, 22:00

    Duas notas; no acordo do casamento com D. João de Castela previa-se que o primeiro filho herdaria o trono de Portugal e o filho de D. João de Castela (casamento anterior) herdaria o trono de Castela. Fomos nós que violámos os tratados. O Mestre de Avis, bastardo de D. Pedro, nem seauer era o favorito, mas sim o meio irmão, uma boa alma aue assassinou cobardemente a amante e por isso fugiu para Castela.
    É plausível que o moço pudesse entrar em Lisboa, apesar do cerco. Lembras-te do meu romance Gheke Pepe? Não o afirmo por mim, mas porque me baseei no estudo de Fernão Lopes.

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  2. Obrigada, não sabia desse pormenor sobre o acordo de casamento com D. João de Castela. Esta época não é o meu forte, nunca pesquisei sobre ela. E o romance que li antes deste, sobre o rei D. Fernando, não referia esse pormenor:

    "A Tentação de D. Fernando"
    https://andancasmedievais.blogspot.com/2019/03/a-tentacao-de-d-fernando.html

    Lembro-me de ler o teu romance, mas já foi há algum tempo e não tenho agora isso presente. Mas se o dizes, acredito. Também achei estranho o autor deste livro cometer um erro desses, porque denota grande conhecimento da época, linguagem inclusive. Aliás, acho que ias gostar de o ler.

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