A ação deste romance situa-se nos anos de 1383/84,
logo a seguir à morte de D. Fernando I, causando uma grave crise de sucessão. D.
Fernando I deixou apenas uma filha, D. Beatriz, casada com D. João I de Castela. Por
isso, se sentia o monarca castelhano com direito à coroa portuguesa. Foi na
sequência destes acontecimentos que D. João Mestre de Avis se declarou rei de
Portugal e, como sabemos, a crise só se resolveria com a Batalha de Aljubarrota,
em 1385.
Neste romance, D. João I de Castela surge, em 1384,
com a sua armada, no Tejo, cercando Lisboa e Almada ao mesmo tempo, a fim de impor
a sua autoridade. O autor, António da Costa Neves, faz um bom retrato da época,
através da sua personagem principal, João Galo, baseada num tabelião que
existiu historicamente. Aqui, João Galo tem apenas 13/14 anos e é filho do
regedor Afonso Galo, que faz parte do concelho da vila de Almada. Numa nota
inicial, o autor esclarece que não tem a certeza desta relação familiar. Tomou,
no entanto, esta opção, em prole do enredo, o que é legítimo, num romancista.
Sendo filho de um notável de Almada, o jovem João Galo
mantém-se informado sobre os acontecimentos, que o leitor vê através dos seus
olhos. Como disse, a época e a sua linguagem estão bem caracterizadas, assim
como a vida do jovem, cujas incertezas e insegurança próprias da adolescência
se misturam com os acontecimentos históricos.
Houve, porém, um aspeto que não me pareceu muito
credível. João Galo atravessa várias vezes o Tejo, num pequeno barco, esgueirando-se
por entre as galés castelhanas, acompanhado do seu futuro sogro (na época, um
jovem de 14 anos poderia perfeitamente estar de casamento marcado), a fim de se
inteirarem da situação em Lisboa. É certo que eles saem sempre de Almada às
escondidas, ao escurecer, ou de manhã muito cedo, disfarçados de pescadores de
alguma aldeia próxima (fazem-se ao rio num ponto afastado da vila), a quem os
castelhanos não dão grande importância. Pergunto-me, porém, se tal seria possível, já
que a finalidade de um cerco era levar os sitiados a morrer de fome. E mesmo
que os castelhanos não os considerassem habitantes de Almada, deixá-los-iam
andar à vontade?
Não obstante, trata-se de uma boa leitura para quem se
interesse pela época e por este tema, em particular.
6 comentários:
Duas notas; no acordo do casamento com D. João de Castela previa-se que o primeiro filho herdaria o trono de Portugal e o filho de D. João de Castela (casamento anterior) herdaria o trono de Castela. Fomos nós que violámos os tratados. O Mestre de Avis, bastardo de D. Pedro, nem seauer era o favorito, mas sim o meio irmão, uma boa alma aue assassinou cobardemente a amante e por isso fugiu para Castela.
É plausível que o moço pudesse entrar em Lisboa, apesar do cerco. Lembras-te do meu romance Gheke Pepe? Não o afirmo por mim, mas porque me baseei no estudo de Fernão Lopes.
Obrigada, não sabia desse pormenor sobre o acordo de casamento com D. João de Castela. Esta época não é o meu forte, nunca pesquisei sobre ela. E o romance que li antes deste, sobre o rei D. Fernando, não referia esse pormenor:
"A Tentação de D. Fernando"
https://andancasmedievais.blogspot.com/2019/03/a-tentacao-de-d-fernando.html
Lembro-me de ler o teu romance, mas já foi há algum tempo e não tenho agora isso presente. Mas se o dizes, acredito. Também achei estranho o autor deste livro cometer um erro desses, porque denota grande conhecimento da época, linguagem inclusive. Aliás, acho que ias gostar de o ler.
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