… mas é a prostituição uma profissão? É o serviço sexual comparável a outro tipo de serviço? O princípio que justifica a existência do negócio do sexo é medieval: a aceitação de um mal necessário. De um lado, as mulheres “puras”, com a função de serem esposas e mães; do outro lado, as meretrizes, que se usam para não se “fazer mal” às primeiras. Sinceramente, como pode uma sociedade que apregoa a igualdade conviver pacificamente com tal discriminação?
De há uns anos para cá, tenho formado uma opinião sobre este assunto, que se confirmou, depois de ter visto um documentário transmitido pelo 3sat, um canal público alemão ligado ao ZDF, dedicado à cultura, ao documentário e ao debate de temas sociais (excluindo os fait-divers políticos e desportivos). Nesse documentário, comparava-se o sistema alemão, que legalizou a prostituição em 2002, com o sueco, que proibiu, em 1999, a compra de serviço sexual. Dizem os suecos que a prática da prostituição não é compatível com a dignidade humana.
Prostitutas inscritas na Segurança Social, com direito a serviço médico, subsídio de desemprego e reforma - que maravilha! A sociedade fica descansada, considera resolvido um problema tão incómodo. A realidade, porém, é muito diferente. A Alemanha tornou-se num verdadeiro centro de tráfico humano, as mulheres circulam por toda a Europa, tornaram-se num produto de compra e venda entre os donos dos bordeis.
Das cerca de 400.000 pessoas que se prostituem (um número que se calcula e cuja esmagadora maioria são mulheres), apenas 40.400 estão legalizadas. Passados quase vinte anos sobre a aprovação da lei, 90% das prostitutas na Alemanha continuam desprovidas de Segurança Social e de qualquer tipo de direitos e apoios. Não exercem a actividade por escolha própria e são mantidas à custa de muita violência, qualquer tentativa de desistência é resolvida com espancamentos e/ou chantagens. Muitas dessas mulheres nem sequer sabem falar alemão, vêm do Leste europeu pela mão de traficantes, não conhecem os seus direitos, os bordeis onde trabalham não estão legalizados, são exploradas e violentadas. Vêem-se num beco sem saída, não sabem a quem pedir ajuda e acabam por quebrar ao ponto de nada lhes interessar, de nem sequer saberem se querem desistir ou continuar. Sentem-se lixo.
As prostitutas que escolhem a sua profissão e a exercem, muitas vezes, por conta própria, é uma minoria irrisória. As assistentes sociais que lidam com o problema resumem a questão da seguinte maneira: 50% das prostitutas são viciadas em droga e sujeitam-se para pagarem o vício; a outra metade são raparigas e mulheres com um historial de abusos desde a infância, vidas cheias de violência e/ou de pobreza extrema. Jovens nesta situação são muito fáceis de manipular e acreditam nos traficantes, que lhes garantem uma mudança de vida num país rico.
Os clientes, por seu lado, não estão interessados em saber se a prostituta o faz obrigada ou por vontade própria. Eles não fazem ideia do que as mulheres sofrem, nem da complexidade das suas vidas. Pagam por um serviço e sentem-se no direito de o exigir.
Os suecos apostam numa mudança de mentalidades. Na verdade, eles não criminalizaram a prostituição, mas sim a compra do serviço sexual e os donos dos bordeis. Ou seja: a prostituição não é ilegal, mas pagar para ter sexo já o é. Não é a prostituta que comete a ilegalidade, mas sim o cliente, é sobre ele que a lei actua.
Sob o pressuposto de que a prostituição não combina com a dignidade humana, a Suécia aposta numa educação social que considera errado comprar serviço de sexo. Ao mesmo tempo, financiam-se programas que permitem às mulheres mudarem de vida. Nos últimos vinte anos, a prostituição de rua reduziu para metade e muitos traficantes passaram a evitar este país. Além disso, as assistentes sociais e outras pessoas que apoiam prostitutas e que difundem este novo tipo de educação social (também homens, claro) sentem a mudança das mentalidades e estão convencidas de que a situação continuará a evoluir nesse sentido.
Um ginecologista que colabora com uma instituição de apoio a prostitutas, na cidade alemã de Mannheim, confirmou que as mulheres estão sujeitas a muita violência, a vários tipos de doenças e obrigadas a práticas inaceitáveis. Um ex-inspector da Polícia Judiciária Alemã (Kriminalpolizei), que tinha a seu cargo a investigação do tráfico humano, declarou que é impossível separar este da prostituição e frisou que as mulheres não são vistas como seres humanos, mas como mercadorias oferecidas ao cliente, conforme os gostos deste, além de compradas, vendidas e trocadas entre os donos dos bordeis.
Na Alemanha, há quem lute para que o país adopte o modelo sueco, pois considera que o Estado, ao legalizar a prostituição, está a dizer ao homem que ele tem direito a comprar serviço sexual. A prostituta é estigmatizada, o cliente não (é este pressuposto que os suecos pretendem inverter). A prostituição é extremamente desgastante do ponto de vista físico e psicológico. Ex-prostitutas mostram sintomas semelhantes aos traumatizados de guerra: tendem a depressões, pesadelos, e são praticamente incapazes de fazer uma vida normal.
O documentário encerra com a declaração da deputada do SPD Leny Breymeier: por mais que falemos de igualdade, de participação e capacitação das mulheres em todos os sectores sociais, a nossa sociedade nunca será igualitária, enquanto os homens se sentirem no direito de comprar uma mulher.
Nota: o documentário foi rodado em tempo de pandemia, mas os dados reportam-se à era pré-Covid. Apesar do confinamento, continua naturalmente a existir prostituição, mas, sendo ainda mais clandestina, torna-se mais difícil de controlar pelas autoridades e pensa-se que a situação das mulheres piorou.
No caso de passar por aqui alguém que saiba alemão e estiver interessado no tema, pode ver o documentário no seguinte link:
https://www.3sat.de/wissen/wissenschaftsdoku/210304-prostitution-wido-104.html
Texto originalmente publicado aqui.
A "profissão" mais antiga do mundo, tanto quanto sei, é espião. Remonta às nossas origens mais remotas em que tínhamos que identificar potenciais inimigos de outras tribos.
ResponderEliminarInteressante, sem dúvida.
ResponderEliminar