Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

19 de abril de 2021

Capitães da Areia


 

Trata-se de um clássico de Jorge Amado e, por isso, de qualidade inegável. Não obstante, irei fazer algumas críticas.

Mas vamos, primeiro, aos elogios. O maior de todos é o tratamento literário de um tema raro, apesar de relevante: as crianças que vivem na rua. Todos lamentamos haver sem-abrigo, porém, costumamos pensar apenas em adultos. Quando esses sem-abrigo são menores entregues a si mesmo, o caso torna-se ainda mais grave. Escusado será dizer que crianças, nesta situação, só sobrevivem recorrendo ao roubo ou à vigarice, pelo menos, em certos países. Estes expedientes tornam-se uma forma de vida, as crianças e os jovens crescem na convicção de que é, de alguma maneira, legítimo roubar quem tenha mais do que eles. Escusado será dizer que, uma vez adultos (se lá chegarem), não terão noção do que é, ou não, errado.

Jorge Amado também é muito claro na sua mensagem: a crueldade destas crianças surge, não só por uma questão de sobrevivência, mas também porque não conhecem o amor, o carinho, uma família que as ampare e as faça sentir gente. Sendo assim, os métodos considerados de correção, baseados na violência e na tortura, em vez de corrigirem, provocam o contrário, pois semeiam a revolta e o desejo de vingança. A descrição do orfanato, para onde se enviam estas crianças, caso caiam nas mãos da "justiça", é quase insuportável. Penso ser esta uma mensagem importantíssima, também para outras situações da vida: a violência gera revolta e crueldade. Só o amor cura e educa!

Gostaria ainda de referir haver um padre bom, neste romance, na verdade, a única pessoa que realmente tenta ajudar os rapazes, apesar da crítica à Igreja Católica enquanto sistema.

Agora, duas críticas minhas à obra:

- Penso ser uma pena este livro se concentrar quase exclusivamente nas crianças-rapazes. Melhor do que nada, dirão alguns. É verdade. Mas a mocinha que, a certa altura, surge a partilhar o destino dos Capitães da Areia, não pode representar o destino abrangente de meninas na sua situação. Ela é protegida por dois dos rapazes, ou seja, não é violada (embora muitos deles assim o desejem), nem cai na prostituição, a fim de ganhar dinheiro, como é o destino mais comum. Por isso, este livro não descreve, de maneira nenhuma, a vida de meninas de rua.

- O tom do livro não é constante. Faço esta crítica apenas por se tratar de um autor, por muitos considerado ter sido digno de um Nobel. "Capitães da Areia" oscila entre literatura juvenil e literatura de adultos. O tom varia, por vezes, de capítulo para capítulo, ao ponto de o leitor se perguntar se está a ler sempre o mesmo livro (pelo menos, assim me aconteceu). Esperava mais coerência de um nome com o peso de Jorge Amado.

2 comentários:

Mário Santos disse...

Sugiro ler, se é que ainda não leu, "O meu nome é Legião" do António Lobo Antunes.

Cristina Torrão disse...

Por acaso, nunca li Lobo Antunes, talvez seja uma boa ideia para começar.
Obrigada.