Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

23 de abril de 2021

Afinal, quem fundou a Universidade?

  

A editora Clube do Autor publicou, há cerca de um mês, um romance histórico com o título “A Herança de D. Dinis”, de Maria Antonieta Costa. No texto promocional, pode ler-se:

O testamento de D. Dinis é a prova de que o monarca alcançou uma riqueza extraordinária. Como teria sido possível acumular tantos bens em apenas vinte e cinco anos, o tempo do seu reinado, entre 1299 e 1325?

A segunda frase é extremamente infeliz. Dela se depreende que o reinado de D. Dinis durou apenas vinte e cinco anos, iniciando-se em 1299. Sendo assim, gostaria de perguntar aos responsáveis por estas linhas (que, segundo a autora, fazem parte do texto da contra-capa), qual o monarca responsável por nada menos do que sessenta cartas de foral concedidas entre 1279 e 1298; quem presidiu às Cortes reunidas por quatro vezes, entre 1285 e 1291 (Lisboa 1285, Guimarães 1288, Lisboa 1289, Coimbra 1291); quem fundou a cidade de Vila Real em 1289; quem fundou o Mosteiro de Odivelas em Fevereiro de 1295; quem assinou o Tratado de Alcanices, a 12 de Setembro de 1297, no qual se definiram as fronteiras definitivas entre Portugal e Castela.

E afinal, quem fundou a Universidade, em 1290?

O reinado de D. Dinis durou quase quarenta e seis anos. Iniciou-se a 16 de Fevereiro de 1279, data da morte de seu pai D. Afonso III, e findou a 7 de Janeiro de 1325, com a sua própria morte. Seria demais pedir maior rigor, ao escrever sobre romances deste tipo?

 

Nota: gostaria de salientar que, antes da publicação de um livro, a editora mostra a contra-capa ao escritor, que pode solicitar alterações ao texto.

2 comentários:

Fernando Costa disse...

Olá, Cristina

Não conheço o livro, mas concluo que tem razão no que diz nesta peça do seu blog.
Pela leitura da sinopse, quer-me parecer que a obra em causa aponta para a "herança" real colhida no tesouro que ficou na extinção da Ordem dos Cavaleiros do Templo. No texto, porém, há uma interrogação, a qual foge a este pressuposto, e que é :o "acumular tantos bens em apenas vinte e cinco anos".
Rico ou não, todos os reis possuíam as riquezas que queriam.

Fernando Costa

Cristina Torrão disse...

Olá, Fernando

Sim, é verdade que todos os reis possuíam as riquezas que queriam. Mas o facto de D. Dinis ter deixado uma grande herança, parece servir de mote a este romance.
D. Dinis extinguiu a Ordem dos Templários, como ordenado pelo papa. Mas não perseguiu os seus membros, como noutros países Além-Pirenéus. Pelo contrário. Os monges-guerreiros viveram alguns anos na "clandestinidade", por ele protegidos, até ele criar a Ordem de Cristo, passando para lá os antigos Templários.
Esta estratégia foi aliás seguida por outros monarcas hispânicos.
Ao extinguir os Templários, D. Dinis transferiu os seus bens para a Coroa. Reza a História que, depois de criar a Ordem de Cristo, ele devolveu esses bens. Terá devolvido tudo? É possível que não. Penso que será este o ponto de partida para este livro, que se assume de ficção.
Pode-se discutir se é legítimo, ou não, construir um enredo sobre este pressuposto. Na sua biografia de D. Dinis, o Prof. José Pizarro não faz a mínima alusão a esta possibilidade, sendo conhecidas outras fontes de riqueza (as rendas caríssimas que D. Dinis cobrava às tendas que tinha em Lisboa, limitação dos poderes da nobreza - que aliás lhe causou muitos dissabores -, etc.).
Enfim, numa obra de ficção o/a autor/a tem liberdade. Mas este texto promocional, na minha opinião, utiliza datas para dar falsas informações. Isto, para mim, devia ser tabu.