Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

8 de agosto de 2025

Um ano com D. Dinis (45)

SENTENÇA ARBITRAL DE TORRELLAS (1) 

Faz hoje 721 anos que se proferiu a Sentença Arbitral de Torrellas, na fronteira castelhano-aragonesa, estabelecendo a paz definitiva entre Aragão e Castela. As quezílias entre os dois reinos eram reflexo da crise de sucessão, que se seguiu à morte de D. Afonso X de Castela, o Sábio, avô de D. Dinis. Tratou-se de um processo longo (durou cerca de vinte anos) e complicado, no qual D. Dinis foi o medianeiro principal, apoiado pelo Papa e pelo rei francês Filipe IV. É por isso estranho ser este acontecimento praticamente desconhecido entre nós. Nunca é referido, quando se enumeram as principais ocorrências do reinado do rei Lavrador.

Em junho de 1304, saiu de Portugal uma solene e enorme comitiva, que incluía quase toda a corte portuguesa. A presença da rainha D. Isabel era imprescindível, pois o monarca aragonês Jaime II era seu irmão.

 

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Jaime II de Aragão, por Manuel Aguirre y Monsalbe - [3], Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1111454

 

Isabel e Jaime cumprimentaram-se emocionados. Haviam-se separado há mais de vinte anos, nas idades de onze e catorze respectivamente. Dinis achou-os parecidos, mas Jaime não ostentava a palidez da irmã. Era robusto, nas suas vestes escarlates, bordadas a fio de ouro.

O herdeiro do trono português foi apresentado ao tio, que lhe elogiou a postura, arrancando-lhe um sorriso e espantando Dinis, pois raramente assistia a tal reação por parte do rebento. O monarca aragonês fez ainda questão de mencionar a parecença do moço com o avô Pedro III, embevecendo Isabel. Dinis, no entanto, apreciaria mais que o príncipe fosse parecido com ele próprio… Como Afonso Sanches.

(Do meu romance D. Dinis, a quem chamaram o Lavrador)

D. Dinis tinha todo o interesse em que a paz fosse estabelecida na Hispânia, pois, embora Portugal não estivesse diretamente implicado, esta crise passava pela legitimação dos filhos do falecido D. Sancho IV de Castela. O seu sucessor, Fernando IV, ainda menor, era o noivo da infanta D. Constança de Portugal, filha de D. Dinis e de D. Isabel.

 

Nota: este assunto vai ser tema de mais dois posts.

2 de agosto de 2025

Um ano com D. Dinis (44)

COGNOME "O LAVRADOR"

O pinhal de Leiria serve muitas vezes como justificação para o cognome de D. Dinis. Soa, porém, desadequado denominar um rei de Lavrador por ter mandado plantar um pinhal. Melhor seria referir D. Dinis ter fomentado a agricultura em todas as suas vertentes. Além disso, pensa-se, hoje, que terá mandado plantar mais pinhais.

O desflorestamento era já um problema, na Idade Média, devido ao consumo exorbitante de madeira. O pinheiro bravo cresce depressa e D. Dinis terá apostado nesta espécie, a fim de dar resposta ao consumo dessa vital matéria-prima.

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© Luís Nuno, imagem baseada na recriação facial de D. Dinis

 

A este pretexto, um excerto do meu romance, referindo o fomento da agricultura e a problemática da desflorestação:

Urgia criar novos espaços agrícolas. Excetuando os vales férteis do norte do reino, os solos de argila arenosa não eram muito produtivos e a maior parte deles encontrava-se esgotada, ao mesmo tempo que a população crescia. Havia que aproveitar terrenos até ali insalubres, não só para produção de pão, vinho e azeite, mas também para o cultivo de leguminosas e fruta e o ganho de linho, burel e estopa.

Dinis aprendera com o pai a fomentar a agricultura e celebrava contratos minuciosos com os agricultores dos reguengos, chegando ao ponto de, no caso da vinha, neles mencionar a conveniente adubação, ou a renovação das cepas mortas por meio da mergulhia ou do plantio de novas vides, passando pela escava, cava, sacha, poda e empa.

Frei Martinho de Alcobaça explicava ao seu soberano como se fariam as abertas e quais as culturas que melhor se dariam no Paul de Ulmar. Assim que a drenagem estivesse concluída, Dinis distribuiria as terras, formando grupos de casais ou aldeamentos, cujos moradores seriam foreiros, ou seja, pagariam o foro à Coroa,  normalmente, um quarto da sua produção.

Próximo da praia, apontando para as vastas dunas, o cisterciense declarou:

- As ventanias vindas do mar arrastam a areia para o interior, acabando por cobrir as terras aráveis. - Apontou para uma zona de floresta de pinheiro manso e acrescentou: - As árvores protegem os campos, mas são cada vez menos.

Dinis estava a par do problema da desertificação das florestas. A madeira era necessária à construção de travejamentos, tetos e soalhos, para não falar dos móveis e utensílios domésticos. Além disso, servia para construir estábulos, adegas, espigueiros, moinhos e aprestos agrícolas, desde forquilhas, ao carro e ao arado. A madeira era ainda o principal combustível. Sem lenha, não havia pão, alimentos cozinhados, nem um mínimo de conforto no Inverno. Dela se fazia igualmente estacaria para amparar culturas ou levantar vedações e se ganhavam fertilizantes, quer através de folhagens apodrecidas, quer de cinzas, estas servindo ainda para produzir sabão.

Como conciliar tão grande consumo com a desflorestação?

Frei Martinho acrescentou:

- O pinheiro bravo ainda se desenvolve mais rápido do que o manso, além de dar muito pez e resina. E com as agulhas, que se conservam muito tempo sem apodrecer, também se faz bom lume.

- Tomarei providências para que seja aumentada esta área florestal, substituindo o pinheiro manso pelo bravo, a fim de não só abastecer as populações de madeira, mas também evitar que a areia cubra as terras aráveis. Um procedimento que poderá aliás ser usado noutras zonas costeiras.

24 de julho de 2025

Um ano com D. Dinis (43)

CAMINHA, PORTO DE MÓS E UM CRIME

Caminha Bandeira.png

A vila de Caminha faz hoje 741 anos.

A 24 de julho de 1284, D. Dinis fundou a vila de Caminha, à qual deu foral.

 

Porto de Mós Bandeira.png

Verifica-se hoje igualmente o 720º aniversário do foral da vila de Porto de Mós, concedido por D. Dinis.

 

Foi também a 24 de julho, do ano de 1306, que Jaime II de Aragão escreveu ao cunhado D. Dinis, pedindo-lhe ajuda para esclarecer a morte de D. Violante Manuel, casada com o infante D. Afonso, irmão do rei português.

D. Afonso terá assassinado a esposa e procurado proteção junto do irmão rei. O caso nunca foi esclarecido, pois D. Dinis protegeu o infante, adoptando a sua versão do acidente. Esta versão não foi, no entanto, considerada plausível pelos familiares da fidalga castelhana.

O infante D. Afonso, dono de um carácter enigmático, deu muitas dores de cabeça a D. Dinis e viveria, a partir desta altura, amargurado, até à sua morte, a 2 de novembro de 1312, com quarenta e nove anos. Foi sepultado na igreja de São Domingos de Lisboa.

 

10 de julho de 2025

Um ano com D. Dinis (42)

A MÃE DE D. DINIS

 

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Imagem Codex Manesse

Em julho de 1242 (não se sabe o dia), nasceu D. Beatriz de Castela, futura rainha de Portugal. Era filha ilegítima de D. Afonso X o Sábio, fruto de uma ligação de juventude com D Maior Gusmão. D. Beatriz tinha apenas onze anos, quando casou com D. Afonso III, em maio de 1253.

Ao tempo da coroação de D. Dinis, houve divergências graves entre ele e sua mãe. Tendo o jovem rei apenas dezassete anos, o falecido D. Afonso III determinara a criação de um conselho de regência, a fim de auxiliar o filho nos primeiros tempos. Além da própria D. Beatriz, que chefiava esse conselho, dele faziam parte o mordomo-mor D. João Peres de Aboim e o chanceler D. Estêvão Anes, ambos amigos de infância do falecido rei e envolvidos no governo do reino, desde que D. Afonso III subira ao poder.

Ninguém tinha, porém, contado com a hipótese de o jovem D. Dinis não apreciar ser controlado por um conselho de regência. Passado cerca de um mês do falecimento do pai, aboliu-o e destituiu D. João Peres de Aboim e D. Estêvão Anes das suas funções, nomeando mordomo-mor e chanceler próprios. Repudiou igualmente a ingerência de sua mãe no seu governo.

D. Dinis revelava, com apenas dezassete anos, possuir poder de resolução e vontade de caminhar pelo próprio pé. Todos sabemos que não se saiu mal. Porém, o afastamento tão rápido de figuras que, naquele tempo, eram verdadeiras instituições, não caiu bem a toda a gente. Muito menos a sua mãe, ela própria repudiada. D. Beatriz acabou mesmo por se afastar da corte portuguesa, indo para Sevilha e levando com ela as filhas, as infantas D. Branca e D. Sancha.

Assim assistiram elas o pai e avô, D. Afonso X, que se quedava doente e amargurado. Outrora um rei poderoso, admirado em toda a Cristandade e ainda hoje considerado um dos melhores e mais cultos monarcas ibéricos da época medieval, caíra em desgraça, por desavenças com o seu herdeiro e grande parte da nobreza castelhana. Afonso X acabou deposto, passando o seu exílio  de cinco anos em Sevilha. Valeu-lhe precisamente essa filha e as netas portuguesas.

D. Beatriz haveria igualmente de acusar o filho D. Dinis de não ter apoiado o avô, nesses seus anos difíceis. O Lavrador manteve-se um rei prático, apoiando o sucessor, seu tio Sancho IV, com quem estabeleceu relações amigáveis. A atitude não deixa de revelar uma certa frieza, que se costuma perdoar num homem de Estado, mas que nos deixa pensativos quanto à sua indiferença em relação ao sofrimento de membros familiares próximos.

A situação adquire um tom ainda mais amargo, ao constatarmos ter sido D. Dinis beneficiado com ela. E também o reino. Agradecido pela assistência da filha, Afonso X deixou-lhe em testamento as vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão. Assim acabaram estas localidades por serem incluídas em Portugal.

Depois da morte de D. Afonso X e do regresso da rainha-mãe de Portugal à corte lisboeta, criei esta cena, entre mãe e filho, no meu romance:

Dinis quis saber:

- As vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão continuam em vosso poder, não é verdade?

- Sim, com todos os seus termos, castelos, rendas e direitos. Foi essa a recompensa de vosso avô, por eu lhe haver prestado assistência.

- Presumo então nada terdes contra o facto de integrá-las no reino de Portugal.

Beatriz fixou-o pensativa e, assim pareceu a Dinis, um pouco acusadora. Na verdade, o rei receava que ela dissesse ele não merecer tal, por ter abandonado o avô. Mas ela acabou por retorquir:

- Longe de mim contrariar vosso pai nessa questão.

- Meu pai?!

- Fosse ele vivo, não tenho a menor dúvida de qual seria a sua vontade.

Uma vitória para Dinis, mas de sabor amargo. Sua mãe concordava em alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana, mas, pelos vistos, não porque ele merecesse, ou por ela lhe querer dar esse gosto.

 

D. Beatriz faleceu a 7 de agosto de 1300 e foi sepultada em Alcobaça, onde já repousava o marido. Detinha senhorios que foram transferidos para a nora D. Isabel.

 

1 de julho de 2025

Um ano com D. Dinis (41)

 GUERRA CIVIL DE 1320/25

 

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D. Afonso IV, sucessor de D. Dinis

 

A 1 de julho de 1320, D. Dinis apresentou o seu primeiro manifesto contra a revolta do filho, o futuro D. Afonso IV. Durante a guerra civil, que se verificou entre o Rei Lavrador e o seu herdeiro, D. Dinis apresentou três manifestos.

O primeiro foi lido nos paços reais da alcáçova de Santarém e incluía várias queixas do rei contra o filho, acusando-o de ingratidão. Porém, o mais importante foi a apresentação de provas documentais, desmantelando duas acusações graves feitas pelo infante: seu meio-irmão Afonso Sanches tê-lo-ia mandado envenenar e o pai prepararia o seu afastamento do trono, tendo pedido ao papa a legitimação do mesmo Afonso Sanches.

Alguns momentos marcantes da guerra civil de 1320/25:

- Em março de 1321, partidários do príncipe assassinaram D. Geraldo, bispo de Évora, junto da Igreja de Santa Maria de Estremoz. D. Geraldo estava, desde 1317, autorizado a excomungar os adversários do rei.

- Em abri de 1321, o príncipe D. Afonso assumiu o controlo de Leiria e a 15 de maio, D. Dinis apresentou, em Lisboa, o segundo manifesto contra o filho e seus partidários.

- No verão de 1321 (altura do desterro de D. Isabel em Alenquer, por D. Dinis a acusar de pactuar com o filho) o príncipe D. Afonso tentou debalde conquistar Santarém e Tomar (a alcáçova de Santarém é recuperada por D. Dinis e o Mestre da Ordem de Cristo fechou a fortaleza de Tomar ao infante).

- Em setembro de 1321, Jaime II de Aragão, cunhado de D. Dinis, enviou Frei Sancho a Portugal, a fim de reconciliar o pai com o filho, mas o prelado nada pôde fazer.

- A 9 de dezembro de 1321, houve um grande terramoto em Lisboa, interpretado como castigo de Deus pelos desentendimentos entre pai e filho.

- A 17 de dezembro de 1321, D. Dinis apresentou o terceiro manifesto, desnaturando o filho e considerando traidor quem o seguisse.

- A 31 de dezembro de 1321, o príncipe D. Afonso apoderou-se de Coimbra, pelo que foi cercado por D. Dinis, a 7 de março de 1322.

- Em janeiro de 1322, D. Dinis recuperou Leiria e castigou duramente os traidores, refugiados no mosteiro de Alcobaça. Nesta altura, o infante D. Afonso ocupou os castelos de Montemor-o-Velho, Feira e Vila Nova de Gaia e a cidade do Porto, onde se lhe juntou o conde Pedro de Barcelos (seu meio-irmão).

- Em maio de 1322, há um acordo de paz em Leiria. D. Dinis foi acometido de doença grave à sua chegada a Lisboa e fez segundo testamento. O seu estado melhorou no início de 1323, mas a paz foi quebrada depois das Cortes de Lisboa, em outubro deste ano, com D. Afonso decidido a apoderar-se à força do trono. Por intervenção de D. Isabel, não chegou a travar-se a batalha no campo de Alvalade (ou, segundo José Mattoso, no lugar chamado Albogas, perto de Loures).

 

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 Dona Isabel na Batalha de Alvalade

30 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (40)

LEVANTAMENTO DO INTERDITO 

A 30 de Junho de 1290, foi levantado um interdito a que o reino de Portugal esteve sujeito desde 1267. Assim esteve o reino proibido de realizar missas e sacramentos (salvo raras exceções) durante mais de vinte anos.
 
Este tinha sido aliás o segundo interdito, no espaço  de doze anos. Um outro havia sido lançado em 1255, por D. Afonso III ter sido acusado de bigamia. Durou até 1263, surgindo o próximo, apenas quatro anos depois, devido aos conflitos entre o mesmo D. Afonso III e o clero. 

 

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D. Dinis na sua corte (ignoro qual o autor desta imagem)

 

Ao ser aclamado rei, em Fevereiro de 1279, com apenas dezassete anos, D. Dinis herdou um reino sob interdito. E foram longas e difíceis as negociações com a Santa Sé, até o papa Nicolau IV decretar o seu fim, em 1290.

 

Naquele Estio, festejou-se na corte portuguesa um grande acontecimento: Nicolau IV levantou, a 30 de Junho, o interdito a que o reino estivera sujeito mais de vinte anos.

Podiam finalmente abrir-se as igrejas, celebrar-se os Ofícios Divinos, proceder-se aos sacramentos, coisas que, para uma grande parte da população, não passavam de memórias longínquas, para não falar dos que nunca haviam assistido a tais procedimentos. Haviam-se desenvolvido cultos populares misturados com ritos pagãos.

Curiosamente, Isabel interessava-se muito por esses cultos, fazia inclusive planos de, nas suas vilas, integrar alguns nas celebrações oficiais da Igreja. A rainha era sensível a tudo o que fosse espiritual, sentia-se responsável pela salvação das almas das populações e tencionava supervisionar pessoalmente a reorganização das igrejas locais. 

(Do meu romance Dom Dinis, a quem chamaram O Lavrador)

26 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (39)

BODAS DE D. DINIS E D. ISABEL

Faz hoje 743 anos que D. Dinis e D. Isabel celebraram as suas bodas na vila de Trancoso, Beira Alta.

 

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 Retrato de D. Dinis e D. Isabel da Sala dos Capelos, Universidade de Coimbra

Os dois estavam casados por procuração desde 11 de Fevereiro de 1281, mas só dezasseis meses mais tarde, em Trancoso, se conheceram. D. Isabel entrou em Portugal por Bragança, onde foi recebida pelo infante D. Afonso (o irmão de D. Dinis), pelo alferes-mor conde Gonçalo Garcia de Sousa e possivelmente pelo mordomo-mor D. Nuno Martins de Chacim. O cargo de mordomo-mor era o mais alto da cúria régia, mas de facto não há certeza de ele estar presente, pois, nesta altura, tinha idade já muito avançada.

D. Nuno Martins de Chacim foi o último representante dos Bragançãos medievais e Aio de D. Dinis, ou seja, foi o escolhido por D. Afonso III para se encarregar da educação do príncipe herdeiro. A localidade de Chacim, que bem conheço, teve a sua importância na Idade Média e até ao século XVIII. Foi inclusive sede de concelho, estatuto que perdeu para Macedo de Cavaleiros, em meados do século XIX.

D. Dinis deslocou-se ao encontro da sua noiva, pelo interior Norte, juntando-se os dois em Trancoso, onde foi festejada a sua união.

Isabel tornou a encará-lo, com um esboço de sorriso. Dinis tomou-lhe uma das mãos e o franciscano D. Telo, arcebispo de Braga, envolveu as dos soberanos com as suas, num gesto de bênção e aceitação. Portugal encontrava-se sob interdito, com as cerimónias religiosas e os sacramentos proibidos, e aquele gesto legitimava oficialmente a união em solo português dos nubentes já casados por procuração.

(Do meu romance Dom Dinis, a quem chamaram O Lavrador)

D. Isabel tinha apenas doze anos e depreende-se que D. Dinis tenha esperado que ela se fizesse mulher para consumar o casamento, como era hábito na época. A primeira filha, Constança, só nasceria oito anos mais tarde, a 3 de janeiro de 1290; o segundo filho, futuro Afonso IV, a 8 de fevereiro de 1291.

As duas crianças nasceram apenas com um ano de diferença uma da outra. O casal não tornou a ter filhos, durante um casamento que durou quarenta e quatro anos. A vida conjugal de D. Dinis, que teve alguns bastardos, e de D. Isabel, a rainha que foi canonizada, suscita várias interrogações.


24 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (38)

BENS DOS TEMPLÁRIOS

 

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A 24 de junho de 1319, D. Dinis entregou à Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo os bens que tinham pertencido aos Templários. O primeiro Mestre da Ordem de Cristo foi D. Frei Gil Martins, anteriormente Mestre da Ordem de Avis.

Nota: o link da imagem copiada nove anos atrás deixou de funcionar. Fiquei assim sem referência, pelo que peço compreensão aos visados.

 

23 de junho de 2025

Um ano com D, Dinis (37)

DOAÇÃO DE SINTRA

Neste dia 23 de junho do ano de 1287, D. Dinis doou a vila de Sintra a sua esposa D. Isabel, cinco anos depois de terem celebrado as suas bodas em Trancoso, assunto a que brevemente me referirei, já que se verifica o seu 743º aniversário daqui a três dias. 

20 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (36)

DOENÇA DE D. DINIS

 

DinisCoimbra.jpgPormenor da estátua de Dom Dinis, em Coimbra

A 20 de junho de 1322, dois anos e meio antes da sua morte, D. Dinis foi acometido de doença grave. «Um ligeiro ataque vascular-cerebral ou um pequeno ataque cardíaco?», pergunta-se José Augusto Pizarro, autor da biografia de D. Dinis (Temas e Debates, 2008).

O rei Lavrador tinha, nesta altura, sessenta e um anos e não se lhe conheciam doenças. Encontrava-se, porém, numa fase muito desgastante da sua vida: a guerra civil contra o seu próprio filho e herdeiro. Esta doença verificou-se depois do cerco a Coimbra, que implicou duros combates. Através da mediação da rainha D. Isabel e do conde de Barcelos Pedro Afonso (filho ilegítimo de D. Dinis), o rei assinou as pazes com o infante, mas, no seu regresso a Lisboa, sentiu-se mal.

O estado de D. Dinis melhorou no início do ano seguinte, mas as pazes com o filho foram de pouca dura. O acordo seria quebrado em Outubro de 1323, depois das Cortes de Lisboa. A guerra entraria na sua última fase, com a Batalha de Alvalade, mas dedicar-me-ei ao assunto na altura própria. Para já, um excerto do meu romance, quando já não havia entendimento possível entre pai e filho:

De nada adiantava mandar emissários, depois da humilhação nas Cortes de Lisboa, Afonso tudo faria para se apossar do trono. A batalha era inevitável.

Dinis sabia ter ido longe demais. Mas que força o impedia de se entender com o seu próprio herdeiro? Teria inconscientemente guiado os acontecimentos de maneira a que Afonso Sanches lhe pudesse suceder? Na verdade, via-se incapaz de responder a esta pergunta. 

Naquela noite, véspera da batalha, Dinis mortificava-se. Estava a ir contra a vontade de Deus, chefiando um combate contra o seu único filho legítimo? O rei não conseguia adormecer, novamente atacado por tonturas, dores de cabeça e suores. Tornaria a adoecer? Finar-se-ia ainda antes de se dar o combate?

Nada mais lhe restava senão confiar na força divina. Desejou um milagre. Sabia que Isabel rezava, recolhida no seu paço, depois de semanas de penitências rigorosas. Conseguiria ela provocar um milagre?


19 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (35)

LEVANTAMENTO DO INTERDITO

 

A 19 de junho de 1263, o papa Urbano IV, atendendo às solicitações do clero português, levantou o interdito que imperava sobre o nosso reino desde 1255 e legitimou o consórcio de D. Afonso III.

À data do seu casamento com Beatriz de Castela, o pai de D. Dinis era ainda casado com Matilde de Boulogne. Foi acusado de bigamia pelo papa Alexandre IV, que, dois anos mais tarde, lançaria o interdito sobre Portugal. Um reino sob interdito estava proibido de celebrar missas e sacramentos (incluindo casamentos e batizados).

A complicada situação resolveu-se com a morte inesperada de Matilde.

Apenas quatro anos mais tarde, porém, devido aos conflitos entre o mesmo D. Afonso III e o clero, o papa lançaria novo interdito sobre Portugal (assunto a tratar numa outra ocasião). 

Nota: ler aqui sobre os casamentos de D. Afonso III.

 

3 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (34)

A INVESTIDURA DE D. DINIS 

Terá sido no mês de junho de 1278 que D. Afonso III armou cavaleiro o infante D. Dinis, seu filho e herdeiro, de dezasseis anos. De seguida, atribuiu-lhe "casa autónoma". D. Afonso III estava já bastante doente e não viveu muito mais tempo.

Dom Afonso III tratara da entrega do testemunho durante todo aquele ano de 1278. Dinis fazia parte de uma comissão que regia o reino e onde figuravam o mordomo-mor João Peres de Aboim e o chanceler Estêvão Anes, sob a supervisão da rainha Dona Beatriz. O velho rei armara o filho cavaleiro, oferecendo-lhe uma belíssima espada, enfeitada no punho com duas esmeraldas e dois cristais e contendo na bainha dezasseis rubis e catorze safiras. Atribuíra-lhe igualmente casa autónoma, ou seja, cavaleiros vassalos próprios, assim como vários escudeiros, copeiro-mor, escanção-mor e reposteiro-mor, este último, responsável pelo património do príncipe.

(…)

Dinis recebeu ainda joias, pedras preciosas, tecidos finos e objetos de prata, como escudelas, trinchantes, pichéis, vasos e copos.

Do meu romance Dom Dinis, a quem chamaram O Lavrador

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2 de junho de 2025

Encontro com a História

Nos meus primeiros tempos na Alemanha, tive receio de "desaprender" o meu inglês e passei a ler quase só livros nessa língua. Um dia, o meu marido chegou a casa com um romance histórico de Sharon Penman. Nenhum de nós conhecia a autora, mas ele tinha deparado com o livro em promoção e resolveu oferecer-mo.

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Posso dizer que este livro mudou a minha vida. Apaixonei-me logo pela escrita desta autora. E, até hoje, ainda não encontrei melhor, em matéria de romances históricos. Além disso, foi ela que me levou a igualmente escrever este tipo de ficção.

Sharon (Kay) Penman não se limita a narrar os acontecimentos, ela puxa-nos para o meio da ação. É facílimo identificarmo-nos com as suas personagens. Não há vilões, nem santos, nos seus livros. Há pessoas, com todos os seus lados, bons e maus. Sharon Penman revela uma lucidez invrível sobre a natureza humana.

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Depois de ler seis livros dela (alguns, duas vezes) estive cerca de vinte anos afastada das suas obras. Em fins do ano passado, descobri, na minha estante, um romance ainda por ler: Time and Chance, o segundo volume de uma saga de cinco, sobre a família de Henrique II de Inglaterra e Leonor da Aquitânia. Peguei nele. E "a febre" voltou. Soube que Sharon Penman tinha entretanto falecido, mas não descansei enquanto não arranjei os três volumes que me faltavam. A sua aquisição provocou-me um entusiasmo raramente sentido, em matéria de livros.

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Leonor da Aquitânia e Henrique II provocaram alterações profundas, na Europa medieval. Naquela altura, o rei de Inglaterra era igualmente duque da Normandia. Henrique II, o primeiro rei Plantageneta, herdou ainda de seu pai os condados de Anjou e da Bretanha e, por casamento com Leonor, tornou-se conde de Poitou e duque da Aquitânia. Era, porém, vassalo do rei de França, por esses territórios, criando uma situação bizarra. Por um lado, muita da França atual pertencia-lhe, possuía mais terras do que o próprio monarca francês. Por outro, custava-lhe, como rei de Inglaterra, ser vassalo do de França. Para complicar mais ainda, Luís VII tinha sido o primeiro marido de Leonor da Aquitânia. O casal conseguiu o divórcio e Leonor foi, até hoje, a única mulher a ser rainha de França e de Inglaterra. Mas a rivalidade entre os dois "maridos" foi uma constante, enquanto viveram.

Leonor e Henrique fundaram uma das dinastias europeias mais poderosas: os Plantagenetas, que regeram sobre a Inglaterra durante cerca de 300 anos. Além disso, foram pais de dois dos mais famosos monarcas europeus: Ricardo Coração de Leão e João Sem-Terra.

Conhecemos estas personagens, sobretudo, através dos filmes e séries sobre Robin dos Bosques. Essas narrativas nada têm a ver com a verdade histórica. Não há a mínima referência a essa figura, nas vidas de Ricardo e João. Aliás, Robin dos Bosques é uma personagem mítica, nem se sabe se existiu. E, no caso de ter existido, quando viveu.

Henrique e Leonor tiveram oito filhos. Três eram raparigas, uma delas casou com Afonso VIII de Castela. Dos cinco rapazes, um morreu em criança, mais dois ainda jovens. Por isso, à altura da morte do pai, apenas Ricardo e João eram vivos. Dez anos os separavam. 

Admira-me que a saga desta família ainda não tenha sido filmada. Nada ficaria a dever à Guerra dos Tronos, com as suas intrigas, rivalidades e guerras constantes. Depois de cerca de quinze anos de casamento, a forte paixão entre Henrique e Leonor foi-se transformando em ódio. Os dois guerrearam-se e instigaram os filhos a tomarem posição, ou contra o pai, ou contra a mãe, conforme os casos. Ricardo era o preferido de Leonor e lutou sempre contra o pai. A situação chegou a tal ponto, que Leonor esteve presa durante dezasseis anos, por ordem do marido. Mas sobreviveu-lhe, apesar de ser dez anos mais velha. Leonor viveu mais de oitenta anos. Assim que o marido morreu, Ricardo Coração de Leão, feito rei, ordenou a libertação da mãe.

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Túmulos de Henrique II e Leonor da Aquitânia, na Abadia de Fontevraud*

Ricardo e João odiavam-se, apesar de o mais novo ter ficado a tomar conta do trono inglês, quando o Coração de Leão partiu para as cruzadas (este é o fundo verdadeiro das histórias de Robin dos Bosques). João cobiçava a coroa. E esta acabou mesmo por lhe cair no regaço! Ricardo morreu, com cerca de quarenta anos, atingido por uma flecha. O grande guerreiro, que regressara das cruzadas com uma fama inigualável, acabou por perecer numa luta "menor", uma escaramuça contra um seu vassalo francês.

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Túmulo de Ricardo Coração de Leão, na Abadia de Fontevraud*

João nem acreditava na sua sorte. Ricardo não deixou descendentes, apesar de ter sido casado. Terá tido um filho ilegítimo, mas ainda não esclareci esse aspeto, pois ainda não li a saga toda. Aliás, a sua vida sexual é objeto de especulações. Diz-se que se interessava mais por guerra do que por mulheres e, claro, põe-se a hipótese de ter sido homossexual.

João Sem-Terra (assim apelidado por ter sido o mais novo de todos os irmãos, com poucas hipóteses de conseguir herança) ficou conhecido por ter assinado a Magna Charta, considerado assim o "pai" da representação parlamentar. De resto, perdeu todos os territórios franceses pertencentes ao progenitor e quase lhe escapava igualmente a coroa inglesa. Mas foi ele quem deu seguimento à dinastia Plantageneta.

Viajo regularmente de carro entre a Alemanha e Portugal. Na zona de Tours, vejo a placa mencionando a Abadia de Fontevraud e, muitas vezes, penso ser uma pena passar ali tão perto e não a ir visitar. Lá se encontram os túmulos de Leonor da Aquitânia, Henrique II, Ricardo Coração de Leão e Isabel de Angoulême, que foi rainha de Inglaterra, por ter sido casada com João Sem-Terra.

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Perante o túmulo de Ricardo Coração de Leão*

Agora, que ando a ler esta incrível saga, não pude deixar de ir. E senti a emoção de finalmente conhecer pessoas que admirava há muito tempo. Foi uma experiência única.

 

Uma palavra para a ironia de Ricardo e Isabel de Angoulême jazerem lado a lado. Depois de enviuvar do rei João, Isabel já tinha cinco filhos, mas apenas cerca de trinta anos de idade. Regressou à sua terra-natal e casou com o conde de Lusignan, de quem teve mais oito filhos. E acabou por ficar sepultada em Fontevraud, na altura, um dos maiores centros religiosos franceses.

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Túmulos de Isabel de Angoulême e Ricardo Coração de Leão, na Abadia de Fontevraud*

O rei que não deixou descendência ficou, para a eternidade, ao lado da cunhada, a esposa do irmão que odiava. O certo é que Isabel de Angoulême foi mãe, avó, bisavó, trisavó, etc. dos reis que regeram sobre a Inglaterra, por mais de dois séculos.

João Sem-Terra está sepultado na catedral inglesa de Worcester, que visitei em 2003.

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Túmulo de João Sem-Terra (John Lackland) na Catedral de Worcester*

 

Nota: há apenas um livro de Sharon Kay Penman traduzido em português: Quando Cristo e os Seus Santos Adormeceram, o primeiro volume desta saga, sobre a guerra civil inglesa, travada entre a mãe de Henrique II, a imperatriz Maude, e o seu primo, o rei Estêvão (Stephen).


 

 

*Fotografias de autoria de Horst Neumann.

1 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (33)

FUNDAÇÃO DE SALVATERRA DE MAGOS

 

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Verifica-se hoje o 730º aniversário da fundação de Salvaterra de Magos.

A 1 de Junho de 1295, D. Dinis fundou e concedeu foral a Salvaterra de Magos, em terras do concelho de Santarém que lhe haviam sido doadas.

28 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (32)

FLORES DO VERDE PINO

Não se verificando hoje nenhuma efeméride especial relacionada com o reinado de D. Dinis, aproveito para relembrar a sua Cantiga de Amigo mais conhecida. Ignoro porque se terá destacado tanto, talvez devido ao ritmo. Estes poemas eram escritos para serem musicados e cantados, o próprio D. Dinis compunha melodias. Infelizmente, quase nada chegou aos nossos dias.

Tendo isto em conta, criei, no meu romance, a seguinte cena (fictícia) à volta destes versos:

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Num serão de Março, os cálices de vinho esvaziavam-se facilmente e o rei encarregou os trovadores João Anes Redondo e Pêro Anes Coelho de entoarem a sua nova cantiga. Começava com um lamento dirigido à natureza, uma donzela pedia às flores notícias do amigo que tardava em aparecer, receando que ele lhe houvesse mentido. O refrão consistia precisamente na pergunta: "Ai Deus, e onde está?"

 

                        Ai flores, ai flores do verde pino

                        se sabedes novas do meu amigo!

                        Ai Deus, e u é?

 

                        Ai flores, ai flores do verde ramo,

                        se sabedes novas do meu amado!

                        Ai Deus, e u é?

 

                        Se sabedes novas do meu amigo,

                        aquel que mentiu do que pôs comigo?

                        Ai Deus, e u é?

 

                        Se sabedes novas do meu amado,

                        aquel que mentiu do que m’ há jurado,

                        Ai Deus, e u é?

 

A natureza interpelada punha fim à angústia da donzela, dizendo-lhe que o amigo estava vivo e sano e viria ter com ela dentro do prazo prometido. A simplicidade e o ritmo harmónico da cantiga pôs os convivas a cantar o refrão «Ai Deus, e u é?» em coro.

 

                        Vós me perguntades polo voss’ amigo?

                        e eu bem vos digo que é san’ e vivo.

                        Ai Deus, e u é?

 

                        Vós me perguntades polo voss’ amado?

                        e eu bem vos digo que é viv’ e sano.

                        Ai Deus, e u é?

 

                       E eu bem vos digo que é san’ e vivo,

                        e será vosc’ ant’ o prazo saído.

                        Ai Deus e u é?

 

                        E eu bem vos digo que é viv’ e sano,

                        e será vosc’ ant’ o prazo passado.

                        Ai Deus, e u é?

 

Se o fervor dos aplausos surpreendeu Dinis, maior foi o seu espanto, quando se exigiu a repetição da cantiga. Os versos não custavam a fixar, todos faziam coro com os trovadores, erguendo os seus cálices na altura do refrão:

 

                        Ai Deus, e u é?

 

Gerara-se uma rara descontração e, assim que a cantiga chegou ao fim, foi exigida uma terceira vez! Aquela noite parecia diferente das outras, havia algo de especial no ar morno, convidativo ao deleite.

 

Notação Musical.jpgNotação musical original de D. Dinis ©Arquivo Nacional Torre do Tombo