Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

24 de agosto de 2025

Um ano com D. Dinis (50)

SENTENÇA ARBITRAL DE TORRELLAS

A Sentença Arbitral de Torrellas, da qual D. Dinis foi o principal medianeiro, foi proferida a 8 de Agosto de 1304. Depois de já ter publicado dois textos (também aqui), referentes a este tema, concluo com uma cena de convívio por mim imaginada. Esta Sentença reuniu, em Torrellas, na fronteira castelhano-aragonesa, as famílias reais de Portugal, Castela e Aragão, além de muitos nobres dos três reinos, clérigos e outras personalidades.

 

Portugueses e aragoneses confraternizaram num banquete. A rainha Branca de Aragão espantou a corte de Isabel com a última novidade vinda de Veneza: um espelho de vidro! As damas pasmavam com a clareza da imagem, acostumadas às folhas de prata polida, ou ao simples reflexo projetado na água. Algumas assustavam-se ao ver-se tão nítidas, descobrindo rugas e defeitos cutâneos e concluindo não apreciarem tais novidades.

Isabel foi a única a não se surpreender com a sua imagem. De resto, preferia prosear com dois famosos estudiosos aragoneses.

Arnaldo Vilanova, filósofo e alquimista, ligado ao movimento dos espirituais franciscanos, era médico oficial da corte desde o tempo de Pedro III e assumia missões diplomáticas ao serviço de Jaime II.

Raimundo Lulo, um franciscano catalão, igualmente ligado à alquimia, expressava pensamentos não entendidos pela maior parte dos seus contemporâneos. Dizia ele, por exemplo, ser possível alcançar a Índia circum-navegando a África, evitando o Mar Mediterrâneo, a rota comercial dominada pelos sarracenos. E ia mais longe. Numa das suas obras, escrevera: A terra é esférica e o mar também é esférico (…) é necessária uma terra oposta às praias inglesas: existe, pois, um continente que não conhecemos.

A existência de um continente desconhecido assustava e chocava, pois nada disso era mencionado nos mapas da época, que apresentavam Jerusalém como o centro da Terra e o mar como o fim do mundo. Outras almas mais iluminadas, porém, como as da rainha portuguesa e do Mestre dos Templários Frei Vasco Fernandes, fascinavam-se. Os cavaleiros do Templo estavam familiarizados com ideias avançadas e mal compreendidas, eram conhecedores de enigmas, sendo inclusive encarados com desconfiança por personalidades como Filipe IV de França.

Raimundo Lulo mencionou ainda a intrigante viagem de um italiano à China, Marco Pólo de sua graça, que, volvido à sua terra, ditara as suas aventuras a um companheiro de prisão, Rusticiano de Pisa.

 

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20 de agosto de 2025

Um ano com D. Dinis (49)

FORAL DE PORCHES 
 
A 20 de Agosto de 1286, el-rei D. Dinis concedeu foral a Porches, celebrando-se hoje o seu 739º aniversário.

 

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16 de agosto de 2025

Um ano com D. Dinis (48)

SENTENÇA ARBITRAL DE TORRELLAS (2)

Verificou-se, no passado dia 8, o 721º aniversário da Sentença Arbitral de Torrellas, à qual decidi dedicar três "postais". Esta Sentença Arbitral, que acabou com as quezílias entre Castela e Aragão, devido à sucessão problemática de Afonso X, o Sábio, foi o resultado de um longo processo, no qual D. Dinis foi o principal medianeiro. Permito-me transcrever um excerto do meu romance, onde se pode ler o essencial sobre as suas conclusões:

 

As sentenças foram proferidas em Torrellas, a 8 de Agosto. Como combinado, o rei de Portugal, o infante Don Juan de Castela e o bispo de Zaragoza Don Ximeno de Luna proferiram a sentença quanto à divisão do reino de Múrcia. Foi estabelecido o rio Segura como linha divisória, solução que estava longe de agradar a muitos nobres castelhanos, apesar de o mais prejudicado ser um português: o próprio irmão de Dinis. Os senhorios de Elda e Novelda, pertencentes à consorte do último, situavam-se na parte destinada ao monarca aragonês, pelo que Afonso e sua esposa Violante lhos teriam de entregar.

Dinis tentou acalmar o irmão:

- Nada pude fazer para o evitar. Mas o meu genro* comprometeu-se a doar-te senhorios de rendimento idêntico em Castela. E sabes que em Portugal, onde igualmente possuis propriedades valiosas, serás sempre bem-vindo.

O irmão limitou-se a encará-lo com o seu olhar amargurado.

Os reis de Portugal e de Aragão e o infante Don Juan de Castela proferiram ainda a sentença quanto às pretensões de Alfonso de la Cerda*, que teria de desistir de certos castelos, deixar de usar o tratamento de rei e selo e armas correspondentes. Em compensação, o monarca castelhano comprometia-se a entregar-lhe senhorios que atingissem a renda anual de quatrocentos mil maravedis.

No dia seguinte, Fernando IV e Jaime II* aprovaram e aceitaram os termos da sentença, seguindo-se um juramento em que participaram os membros das famílias reais, os representantes das Ordens militares e dos concelhos e os ricos-homens castelhanos e aragoneses. Os monarcas de Portugal, Castela e Aragão declararam-se ainda «amigos dos amigos e inimigos dos inimigos», jurando ainda Dinis e Jaime II amizade para com o rei mouro de Granada, que se fizera vassalo de Fernando IV.

 

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*1 Fernando IV de Castela

*2 Achava-se com direito ao trono castelhano, desde a morte de seu avô, Afonso X

*3 Rei de Aragão, irmão de D. Isabel

13 de agosto de 2025

Um ano com D. Dinis (47)

 FORAL DE VILA NOVA DE GAIA E AFONSO XI DE CASTELA

 

 

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Faz hoje 737 anos que D. Dinis concedeu foral a Vila Nova de Gaia.

 

Também a 13 de Agosto, mas de 1311, nasceu o futuro rei D. Afonso XI de Castela. Foi o primeiro neto varão de D. Dinis e de D. Isabel, sua mãe era D. Constança de Portugal. O par real português já tinha aliás uma neta, de nome Leonor.

 

9 de agosto de 2025

Um ano com D. Dinis (46)

FUNDAÇÃO DO ESTUDO GERAL

 

Faz hoje 735 anos que foi fundada a Universidade portuguesa. 

Depois de, a 30 de junho de 1290, ter decretado o fim do interdito a que o reino português esteve sujeito durante vinte e três anos, o Papa Nicolau II emitiu, a 9 de agosto de 1290, a bula De Statu Regno Portugaliae, confirmando a fundação do Estudo Geral das Ciências de Lisboa, percursor da Universidade.

A Universidade foi de facto fundada em Lisboa. Durante muito tempo, oscilou entre Lisboa e Coimbra, e só se estabeleceu definitivamente junto ao Mondego em 1537, mais de duzentos anos depois da morte de D. Dinis.

A bula De Statu Regno Portugaliae confirmava o ensino de Cânones, Leis, Medicina e Artes e autorizava a concessão de grau de licenciado pelo bispo ou vigário da Sé lisbonense. Dez anos depois, contudo, surgiram problemas. Não se sabendo exatamente qual a sua origem, é conhecido que, ainda antes da autorização papal, as aulas já decorriam num edifício situado no Campo da Pedreira à Lapa. Este edifício teria a ver com a Casa da Moeda, pois, a 4 de setembro de 1300, D. Dinis tentou disponibilizar outro terreno para a construção de um edifício para o Estudo Geral, por ter problemas com essa instituição.

Em janeiro de 1307, foi feito o pedido de transferência para Coimbra. E, a 15 de fevereiro de 1309, pela Charta magna privilegiorum, D. Dinis estipulou os estatutos do Estudo Geral de Coimbra, embora a autorização para a transferência só tenha sido dada a 26 de fevereiro de 1308, por Clemente V.

8 de agosto de 2025

Um ano com D. Dinis (45)

SENTENÇA ARBITRAL DE TORRELLAS (1) 

Faz hoje 721 anos que se proferiu a Sentença Arbitral de Torrellas, na fronteira castelhano-aragonesa, estabelecendo a paz definitiva entre Aragão e Castela. As quezílias entre os dois reinos eram reflexo da crise de sucessão, que se seguiu à morte de D. Afonso X de Castela, o Sábio, avô de D. Dinis. Tratou-se de um processo longo (durou cerca de vinte anos) e complicado, no qual D. Dinis foi o medianeiro principal, apoiado pelo Papa e pelo rei francês Filipe IV. É por isso estranho ser este acontecimento praticamente desconhecido entre nós. Nunca é referido, quando se enumeram as principais ocorrências do reinado do rei Lavrador.

Em junho de 1304, saiu de Portugal uma solene e enorme comitiva, que incluía quase toda a corte portuguesa. A presença da rainha D. Isabel era imprescindível, pois o monarca aragonês Jaime II era seu irmão.

 

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Jaime II de Aragão, por Manuel Aguirre y Monsalbe - [3], Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1111454

 

Isabel e Jaime cumprimentaram-se emocionados. Haviam-se separado há mais de vinte anos, nas idades de onze e catorze respectivamente. Dinis achou-os parecidos, mas Jaime não ostentava a palidez da irmã. Era robusto, nas suas vestes escarlates, bordadas a fio de ouro.

O herdeiro do trono português foi apresentado ao tio, que lhe elogiou a postura, arrancando-lhe um sorriso e espantando Dinis, pois raramente assistia a tal reação por parte do rebento. O monarca aragonês fez ainda questão de mencionar a parecença do moço com o avô Pedro III, embevecendo Isabel. Dinis, no entanto, apreciaria mais que o príncipe fosse parecido com ele próprio… Como Afonso Sanches.

(Do meu romance D. Dinis, a quem chamaram o Lavrador)

D. Dinis tinha todo o interesse em que a paz fosse estabelecida na Hispânia, pois, embora Portugal não estivesse diretamente implicado, esta crise passava pela legitimação dos filhos do falecido D. Sancho IV de Castela. O seu sucessor, Fernando IV, ainda menor, era o noivo da infanta D. Constança de Portugal, filha de D. Dinis e de D. Isabel.

 

Nota: este assunto vai ser tema de mais dois posts.

2 de agosto de 2025

Um ano com D. Dinis (44)

COGNOME "O LAVRADOR"

O pinhal de Leiria serve muitas vezes como justificação para o cognome de D. Dinis. Soa, porém, desadequado denominar um rei de Lavrador por ter mandado plantar um pinhal. Melhor seria referir D. Dinis ter fomentado a agricultura em todas as suas vertentes. Além disso, pensa-se, hoje, que terá mandado plantar mais pinhais.

O desflorestamento era já um problema, na Idade Média, devido ao consumo exorbitante de madeira. O pinheiro bravo cresce depressa e D. Dinis terá apostado nesta espécie, a fim de dar resposta ao consumo dessa vital matéria-prima.

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© Luís Nuno, imagem baseada na recriação facial de D. Dinis

 

A este pretexto, um excerto do meu romance, referindo o fomento da agricultura e a problemática da desflorestação:

Urgia criar novos espaços agrícolas. Excetuando os vales férteis do norte do reino, os solos de argila arenosa não eram muito produtivos e a maior parte deles encontrava-se esgotada, ao mesmo tempo que a população crescia. Havia que aproveitar terrenos até ali insalubres, não só para produção de pão, vinho e azeite, mas também para o cultivo de leguminosas e fruta e o ganho de linho, burel e estopa.

Dinis aprendera com o pai a fomentar a agricultura e celebrava contratos minuciosos com os agricultores dos reguengos, chegando ao ponto de, no caso da vinha, neles mencionar a conveniente adubação, ou a renovação das cepas mortas por meio da mergulhia ou do plantio de novas vides, passando pela escava, cava, sacha, poda e empa.

Frei Martinho de Alcobaça explicava ao seu soberano como se fariam as abertas e quais as culturas que melhor se dariam no Paul de Ulmar. Assim que a drenagem estivesse concluída, Dinis distribuiria as terras, formando grupos de casais ou aldeamentos, cujos moradores seriam foreiros, ou seja, pagariam o foro à Coroa,  normalmente, um quarto da sua produção.

Próximo da praia, apontando para as vastas dunas, o cisterciense declarou:

- As ventanias vindas do mar arrastam a areia para o interior, acabando por cobrir as terras aráveis. - Apontou para uma zona de floresta de pinheiro manso e acrescentou: - As árvores protegem os campos, mas são cada vez menos.

Dinis estava a par do problema da desertificação das florestas. A madeira era necessária à construção de travejamentos, tetos e soalhos, para não falar dos móveis e utensílios domésticos. Além disso, servia para construir estábulos, adegas, espigueiros, moinhos e aprestos agrícolas, desde forquilhas, ao carro e ao arado. A madeira era ainda o principal combustível. Sem lenha, não havia pão, alimentos cozinhados, nem um mínimo de conforto no Inverno. Dela se fazia igualmente estacaria para amparar culturas ou levantar vedações e se ganhavam fertilizantes, quer através de folhagens apodrecidas, quer de cinzas, estas servindo ainda para produzir sabão.

Como conciliar tão grande consumo com a desflorestação?

Frei Martinho acrescentou:

- O pinheiro bravo ainda se desenvolve mais rápido do que o manso, além de dar muito pez e resina. E com as agulhas, que se conservam muito tempo sem apodrecer, também se faz bom lume.

- Tomarei providências para que seja aumentada esta área florestal, substituindo o pinheiro manso pelo bravo, a fim de não só abastecer as populações de madeira, mas também evitar que a areia cubra as terras aráveis. Um procedimento que poderá aliás ser usado noutras zonas costeiras.

24 de julho de 2025

Um ano com D. Dinis (43)

CAMINHA, PORTO DE MÓS E UM CRIME

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A vila de Caminha faz hoje 741 anos.

A 24 de julho de 1284, D. Dinis fundou a vila de Caminha, à qual deu foral.

 

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Verifica-se hoje igualmente o 720º aniversário do foral da vila de Porto de Mós, concedido por D. Dinis.

 

Foi também a 24 de julho, do ano de 1306, que Jaime II de Aragão escreveu ao cunhado D. Dinis, pedindo-lhe ajuda para esclarecer a morte de D. Violante Manuel, casada com o infante D. Afonso, irmão do rei português.

D. Afonso terá assassinado a esposa e procurado proteção junto do irmão rei. O caso nunca foi esclarecido, pois D. Dinis protegeu o infante, adoptando a sua versão do acidente. Esta versão não foi, no entanto, considerada plausível pelos familiares da fidalga castelhana.

O infante D. Afonso, dono de um carácter enigmático, deu muitas dores de cabeça a D. Dinis e viveria, a partir desta altura, amargurado, até à sua morte, a 2 de novembro de 1312, com quarenta e nove anos. Foi sepultado na igreja de São Domingos de Lisboa.

 

10 de julho de 2025

Um ano com D. Dinis (42)

A MÃE DE D. DINIS

 

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Imagem Codex Manesse

Em julho de 1242 (não se sabe o dia), nasceu D. Beatriz de Castela, futura rainha de Portugal. Era filha ilegítima de D. Afonso X o Sábio, fruto de uma ligação de juventude com D Maior Gusmão. D. Beatriz tinha apenas onze anos, quando casou com D. Afonso III, em maio de 1253.

Ao tempo da coroação de D. Dinis, houve divergências graves entre ele e sua mãe. Tendo o jovem rei apenas dezassete anos, o falecido D. Afonso III determinara a criação de um conselho de regência, a fim de auxiliar o filho nos primeiros tempos. Além da própria D. Beatriz, que chefiava esse conselho, dele faziam parte o mordomo-mor D. João Peres de Aboim e o chanceler D. Estêvão Anes, ambos amigos de infância do falecido rei e envolvidos no governo do reino, desde que D. Afonso III subira ao poder.

Ninguém tinha, porém, contado com a hipótese de o jovem D. Dinis não apreciar ser controlado por um conselho de regência. Passado cerca de um mês do falecimento do pai, aboliu-o e destituiu D. João Peres de Aboim e D. Estêvão Anes das suas funções, nomeando mordomo-mor e chanceler próprios. Repudiou igualmente a ingerência de sua mãe no seu governo.

D. Dinis revelava, com apenas dezassete anos, possuir poder de resolução e vontade de caminhar pelo próprio pé. Todos sabemos que não se saiu mal. Porém, o afastamento tão rápido de figuras que, naquele tempo, eram verdadeiras instituições, não caiu bem a toda a gente. Muito menos a sua mãe, ela própria repudiada. D. Beatriz acabou mesmo por se afastar da corte portuguesa, indo para Sevilha e levando com ela as filhas, as infantas D. Branca e D. Sancha.

Assim assistiram elas o pai e avô, D. Afonso X, que se quedava doente e amargurado. Outrora um rei poderoso, admirado em toda a Cristandade e ainda hoje considerado um dos melhores e mais cultos monarcas ibéricos da época medieval, caíra em desgraça, por desavenças com o seu herdeiro e grande parte da nobreza castelhana. Afonso X acabou deposto, passando o seu exílio  de cinco anos em Sevilha. Valeu-lhe precisamente essa filha e as netas portuguesas.

D. Beatriz haveria igualmente de acusar o filho D. Dinis de não ter apoiado o avô, nesses seus anos difíceis. O Lavrador manteve-se um rei prático, apoiando o sucessor, seu tio Sancho IV, com quem estabeleceu relações amigáveis. A atitude não deixa de revelar uma certa frieza, que se costuma perdoar num homem de Estado, mas que nos deixa pensativos quanto à sua indiferença em relação ao sofrimento de membros familiares próximos.

A situação adquire um tom ainda mais amargo, ao constatarmos ter sido D. Dinis beneficiado com ela. E também o reino. Agradecido pela assistência da filha, Afonso X deixou-lhe em testamento as vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão. Assim acabaram estas localidades por serem incluídas em Portugal.

Depois da morte de D. Afonso X e do regresso da rainha-mãe de Portugal à corte lisboeta, criei esta cena, entre mãe e filho, no meu romance:

Dinis quis saber:

- As vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão continuam em vosso poder, não é verdade?

- Sim, com todos os seus termos, castelos, rendas e direitos. Foi essa a recompensa de vosso avô, por eu lhe haver prestado assistência.

- Presumo então nada terdes contra o facto de integrá-las no reino de Portugal.

Beatriz fixou-o pensativa e, assim pareceu a Dinis, um pouco acusadora. Na verdade, o rei receava que ela dissesse ele não merecer tal, por ter abandonado o avô. Mas ela acabou por retorquir:

- Longe de mim contrariar vosso pai nessa questão.

- Meu pai?!

- Fosse ele vivo, não tenho a menor dúvida de qual seria a sua vontade.

Uma vitória para Dinis, mas de sabor amargo. Sua mãe concordava em alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana, mas, pelos vistos, não porque ele merecesse, ou por ela lhe querer dar esse gosto.

 

D. Beatriz faleceu a 7 de agosto de 1300 e foi sepultada em Alcobaça, onde já repousava o marido. Detinha senhorios que foram transferidos para a nora D. Isabel.

 

1 de julho de 2025

Um ano com D. Dinis (41)

 GUERRA CIVIL DE 1320/25

 

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D. Afonso IV, sucessor de D. Dinis

 

A 1 de julho de 1320, D. Dinis apresentou o seu primeiro manifesto contra a revolta do filho, o futuro D. Afonso IV. Durante a guerra civil, que se verificou entre o Rei Lavrador e o seu herdeiro, D. Dinis apresentou três manifestos.

O primeiro foi lido nos paços reais da alcáçova de Santarém e incluía várias queixas do rei contra o filho, acusando-o de ingratidão. Porém, o mais importante foi a apresentação de provas documentais, desmantelando duas acusações graves feitas pelo infante: seu meio-irmão Afonso Sanches tê-lo-ia mandado envenenar e o pai prepararia o seu afastamento do trono, tendo pedido ao papa a legitimação do mesmo Afonso Sanches.

Alguns momentos marcantes da guerra civil de 1320/25:

- Em março de 1321, partidários do príncipe assassinaram D. Geraldo, bispo de Évora, junto da Igreja de Santa Maria de Estremoz. D. Geraldo estava, desde 1317, autorizado a excomungar os adversários do rei.

- Em abri de 1321, o príncipe D. Afonso assumiu o controlo de Leiria e a 15 de maio, D. Dinis apresentou, em Lisboa, o segundo manifesto contra o filho e seus partidários.

- No verão de 1321 (altura do desterro de D. Isabel em Alenquer, por D. Dinis a acusar de pactuar com o filho) o príncipe D. Afonso tentou debalde conquistar Santarém e Tomar (a alcáçova de Santarém é recuperada por D. Dinis e o Mestre da Ordem de Cristo fechou a fortaleza de Tomar ao infante).

- Em setembro de 1321, Jaime II de Aragão, cunhado de D. Dinis, enviou Frei Sancho a Portugal, a fim de reconciliar o pai com o filho, mas o prelado nada pôde fazer.

- A 9 de dezembro de 1321, houve um grande terramoto em Lisboa, interpretado como castigo de Deus pelos desentendimentos entre pai e filho.

- A 17 de dezembro de 1321, D. Dinis apresentou o terceiro manifesto, desnaturando o filho e considerando traidor quem o seguisse.

- A 31 de dezembro de 1321, o príncipe D. Afonso apoderou-se de Coimbra, pelo que foi cercado por D. Dinis, a 7 de março de 1322.

- Em janeiro de 1322, D. Dinis recuperou Leiria e castigou duramente os traidores, refugiados no mosteiro de Alcobaça. Nesta altura, o infante D. Afonso ocupou os castelos de Montemor-o-Velho, Feira e Vila Nova de Gaia e a cidade do Porto, onde se lhe juntou o conde Pedro de Barcelos (seu meio-irmão).

- Em maio de 1322, há um acordo de paz em Leiria. D. Dinis foi acometido de doença grave à sua chegada a Lisboa e fez segundo testamento. O seu estado melhorou no início de 1323, mas a paz foi quebrada depois das Cortes de Lisboa, em outubro deste ano, com D. Afonso decidido a apoderar-se à força do trono. Por intervenção de D. Isabel, não chegou a travar-se a batalha no campo de Alvalade (ou, segundo José Mattoso, no lugar chamado Albogas, perto de Loures).

 

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 Dona Isabel na Batalha de Alvalade

30 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (40)

LEVANTAMENTO DO INTERDITO 

A 30 de Junho de 1290, foi levantado um interdito a que o reino de Portugal esteve sujeito desde 1267. Assim esteve o reino proibido de realizar missas e sacramentos (salvo raras exceções) durante mais de vinte anos.
 
Este tinha sido aliás o segundo interdito, no espaço  de doze anos. Um outro havia sido lançado em 1255, por D. Afonso III ter sido acusado de bigamia. Durou até 1263, surgindo o próximo, apenas quatro anos depois, devido aos conflitos entre o mesmo D. Afonso III e o clero. 

 

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D. Dinis na sua corte (ignoro qual o autor desta imagem)

 

Ao ser aclamado rei, em Fevereiro de 1279, com apenas dezassete anos, D. Dinis herdou um reino sob interdito. E foram longas e difíceis as negociações com a Santa Sé, até o papa Nicolau IV decretar o seu fim, em 1290.

 

Naquele Estio, festejou-se na corte portuguesa um grande acontecimento: Nicolau IV levantou, a 30 de Junho, o interdito a que o reino estivera sujeito mais de vinte anos.

Podiam finalmente abrir-se as igrejas, celebrar-se os Ofícios Divinos, proceder-se aos sacramentos, coisas que, para uma grande parte da população, não passavam de memórias longínquas, para não falar dos que nunca haviam assistido a tais procedimentos. Haviam-se desenvolvido cultos populares misturados com ritos pagãos.

Curiosamente, Isabel interessava-se muito por esses cultos, fazia inclusive planos de, nas suas vilas, integrar alguns nas celebrações oficiais da Igreja. A rainha era sensível a tudo o que fosse espiritual, sentia-se responsável pela salvação das almas das populações e tencionava supervisionar pessoalmente a reorganização das igrejas locais. 

(Do meu romance Dom Dinis, a quem chamaram O Lavrador)

26 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (39)

BODAS DE D. DINIS E D. ISABEL

Faz hoje 743 anos que D. Dinis e D. Isabel celebraram as suas bodas na vila de Trancoso, Beira Alta.

 

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 Retrato de D. Dinis e D. Isabel da Sala dos Capelos, Universidade de Coimbra

Os dois estavam casados por procuração desde 11 de Fevereiro de 1281, mas só dezasseis meses mais tarde, em Trancoso, se conheceram. D. Isabel entrou em Portugal por Bragança, onde foi recebida pelo infante D. Afonso (o irmão de D. Dinis), pelo alferes-mor conde Gonçalo Garcia de Sousa e possivelmente pelo mordomo-mor D. Nuno Martins de Chacim. O cargo de mordomo-mor era o mais alto da cúria régia, mas de facto não há certeza de ele estar presente, pois, nesta altura, tinha idade já muito avançada.

D. Nuno Martins de Chacim foi o último representante dos Bragançãos medievais e Aio de D. Dinis, ou seja, foi o escolhido por D. Afonso III para se encarregar da educação do príncipe herdeiro. A localidade de Chacim, que bem conheço, teve a sua importância na Idade Média e até ao século XVIII. Foi inclusive sede de concelho, estatuto que perdeu para Macedo de Cavaleiros, em meados do século XIX.

D. Dinis deslocou-se ao encontro da sua noiva, pelo interior Norte, juntando-se os dois em Trancoso, onde foi festejada a sua união.

Isabel tornou a encará-lo, com um esboço de sorriso. Dinis tomou-lhe uma das mãos e o franciscano D. Telo, arcebispo de Braga, envolveu as dos soberanos com as suas, num gesto de bênção e aceitação. Portugal encontrava-se sob interdito, com as cerimónias religiosas e os sacramentos proibidos, e aquele gesto legitimava oficialmente a união em solo português dos nubentes já casados por procuração.

(Do meu romance Dom Dinis, a quem chamaram O Lavrador)

D. Isabel tinha apenas doze anos e depreende-se que D. Dinis tenha esperado que ela se fizesse mulher para consumar o casamento, como era hábito na época. A primeira filha, Constança, só nasceria oito anos mais tarde, a 3 de janeiro de 1290; o segundo filho, futuro Afonso IV, a 8 de fevereiro de 1291.

As duas crianças nasceram apenas com um ano de diferença uma da outra. O casal não tornou a ter filhos, durante um casamento que durou quarenta e quatro anos. A vida conjugal de D. Dinis, que teve alguns bastardos, e de D. Isabel, a rainha que foi canonizada, suscita várias interrogações.


24 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (38)

BENS DOS TEMPLÁRIOS

 

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A 24 de junho de 1319, D. Dinis entregou à Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo os bens que tinham pertencido aos Templários. O primeiro Mestre da Ordem de Cristo foi D. Frei Gil Martins, anteriormente Mestre da Ordem de Avis.

Nota: o link da imagem copiada nove anos atrás deixou de funcionar. Fiquei assim sem referência, pelo que peço compreensão aos visados.

 

23 de junho de 2025

Um ano com D, Dinis (37)

DOAÇÃO DE SINTRA

Neste dia 23 de junho do ano de 1287, D. Dinis doou a vila de Sintra a sua esposa D. Isabel, cinco anos depois de terem celebrado as suas bodas em Trancoso, assunto a que brevemente me referirei, já que se verifica o seu 743º aniversário daqui a três dias. 

20 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (36)

DOENÇA DE D. DINIS

 

DinisCoimbra.jpgPormenor da estátua de Dom Dinis, em Coimbra

A 20 de junho de 1322, dois anos e meio antes da sua morte, D. Dinis foi acometido de doença grave. «Um ligeiro ataque vascular-cerebral ou um pequeno ataque cardíaco?», pergunta-se José Augusto Pizarro, autor da biografia de D. Dinis (Temas e Debates, 2008).

O rei Lavrador tinha, nesta altura, sessenta e um anos e não se lhe conheciam doenças. Encontrava-se, porém, numa fase muito desgastante da sua vida: a guerra civil contra o seu próprio filho e herdeiro. Esta doença verificou-se depois do cerco a Coimbra, que implicou duros combates. Através da mediação da rainha D. Isabel e do conde de Barcelos Pedro Afonso (filho ilegítimo de D. Dinis), o rei assinou as pazes com o infante, mas, no seu regresso a Lisboa, sentiu-se mal.

O estado de D. Dinis melhorou no início do ano seguinte, mas as pazes com o filho foram de pouca dura. O acordo seria quebrado em Outubro de 1323, depois das Cortes de Lisboa. A guerra entraria na sua última fase, com a Batalha de Alvalade, mas dedicar-me-ei ao assunto na altura própria. Para já, um excerto do meu romance, quando já não havia entendimento possível entre pai e filho:

De nada adiantava mandar emissários, depois da humilhação nas Cortes de Lisboa, Afonso tudo faria para se apossar do trono. A batalha era inevitável.

Dinis sabia ter ido longe demais. Mas que força o impedia de se entender com o seu próprio herdeiro? Teria inconscientemente guiado os acontecimentos de maneira a que Afonso Sanches lhe pudesse suceder? Na verdade, via-se incapaz de responder a esta pergunta. 

Naquela noite, véspera da batalha, Dinis mortificava-se. Estava a ir contra a vontade de Deus, chefiando um combate contra o seu único filho legítimo? O rei não conseguia adormecer, novamente atacado por tonturas, dores de cabeça e suores. Tornaria a adoecer? Finar-se-ia ainda antes de se dar o combate?

Nada mais lhe restava senão confiar na força divina. Desejou um milagre. Sabia que Isabel rezava, recolhida no seu paço, depois de semanas de penitências rigorosas. Conseguiria ela provocar um milagre?