Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

19 de janeiro de 2011

O Autor e as suas Personagens



Um outro aspecto que muito cativou foi a apresentação dos intervenientes nesta história de uma forma onde nenhum dos lados tem a razão absoluta. Em várias circunstâncias, mas principalmente na relação conflituosa entre Dinis e a sua rainha, o leitor é levado a sentir mais empatia ora com um, ora com o outro, mas sem que fique, alguma vez, a sensação de algum deles estar absolutamente certo.


Na sua opinião sobre D. Dinis a quem Chamaram o Lavrador, a Carla Ribeiro d'As Leituras do Corvo referiu uma das características da minha escrita, onde me mantenho fiel ao princípio de que ninguém é dono da razão absoluta. Fujo, por isso, ao esquema "personagens boas versus personagens más". Há um certo risco nesta opção, muitos leitores preferem ver o herói a lutar contra o vilão. Mas, na vida real, ninguém é um ou o outro a 100%.

No caso de D. Dinis, por exemplo, há muita tendência para considerar o sucessor D. Afonso o único culpado pela guerra civil. O infante surge como o filho desnaturado, que tem a ousadia de se revoltar contra o pai, um rei tão sábio e justo. No entanto, por trás do rei e do seu sucessor, estão um pai e um filho e todos sabemos que nos desentendimentos familiares graves as responsabilidades repartem-se pelas partes.

Deixo, por isso, agir as minhas personagens, dando a conhecer os diferentes pontos de vista, sem dar razão a umas ou a outras. Principalmente, o próprio autor deve manter-se de fora, com se não existisse. Muitos autores não resistem à tentação de dar a sua opinião sobre certos aspectos ou acontecimentos. Eu sigo os ensinamentos de Sol Stein, escritor e dramaturgo americano, que, fora do seu país, é mais conhecido pelos seus livros de escrita criativa e de conselhos a "candidatos a escritores". Diz ele que, num romance, o autor deve fazer os possíveis por se manter invisível, pois o transparecer da sua opinião é um acto inadequado, que só serve para distrair o leitor mergulhado na história. Claro que um narrador na primeira pessoa pode e deve ter pensamentos e opiniões, o que, no entanto, não pressupõe que estes coincidam com os do autor.

Também Andrés Neuman, autor de O Viajante do Século (Alfaguara 2010) disse, numa entrevista à OML nº 89, de Agosto de 2010:

A função moral mais profunda da narrativa é mostrar as razões de cada personagem, sem as julgar. Não gosto do narrador que fala do alto do seu púlpito e que assinala ao leitor com o dedo os que são maus e os que são bons. Creio que essa postura anula o pensamento crítico. A ambiguidade e a confusão entre o bem e o mal são muito parecidas à condição humana. Ninguém está totalmente ao lado do bem ou do mal.

3 comentários:

  1. O dedo do narrador. Deve o narrador manter o seu dedo acusador, o seu dedo indicador, no bolso?

    Saramago criou um estilo próprio atropelando esta regra, eu próprio não a sigo...

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  2. Cada um faz a sua opção. E ninguém consegue ser objectivo a 100%. Mas tenho, como princípio, não comentar o comportamento das minhas personagens. Irritou-me muito uma frase do Miguel Sousa Tavares, por exemplo, no "Equador", na cena de caça do rei D. Carlos. Descreve a caçada e diz qualquer coisa como: "os mais fortes vencem os mais fracos, sempre foi assim e é assim que deve ser", num claro ataque a quem é contra a caça. Acho que afirmações deste tipo não têm lugar num romance.

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  3. É por causa disso que nunca li um livro de escrita criativa. Quero manter o "estilo" que tenho, seja ele qual for, sem qualquer interferência externa. E se mudar, que seja por minha vontade, e não por influência de outro.

    Beijoca!

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