Felizmente, vai havendo escritores que mostram todo o trabalho que se esconde por detrás de um romance histórico. Estou a falar do cubano Leonardo Padura, que deu uma entrevista à Ípsilon no passado mês de Abril, a propósito do seu livro O Homem que gostava de Cães (Porto Editora 2011).
Deixo aqui as suas palavras:
"Passei dois anos a investigar, não fazia mais nada. Li muito, sistematizei o meu conhecimento e quando já tinha capacidade para poder movimentar as personagens na história comecei a escrever. Isso aconteceu três anos antes de terminar o romance." (a escrita levou todo este tempo porque o autor não deixou de pesquisar e ia encontrando novas informações, que se via obrigado a incluir no enredo já existente).
(Leonardo Padura) gosta de utilizar a História como componente da ficção porque acredita que "a ficção é capaz de realçar a parte mais dramática da História" (...) "É muito complicado escrever romances históricos no sentido em que os acontecimentos da realidade têm a sua própria dramaturgia e os acontecimentos da literatura têm de ter a sua - que é diferente. Têm leis diferentes. A realidade é realidade, a ficção é ficção, e comportam-se de maneiras dramaticamente diferentes. É complicado tratar o romance histórico tentando ter um respeito pelos factos reais."
Muitos escritores dizem que os seus livros acabam por seguir um rumo diferente daquele que tinham planeado, porque, tanto as personagens, como o enredo, ganham vida própria. Também me acontece. Mas, ao escrever um romance histórico, temos de desenvolver uma grande disciplina, a fim de nos cingirmos aos factos. É necessário seguir um "guião" já existente e precisamos de força para nos despedirmos de ideias geradas pela dinâmica do romance e regressar à linha ditada pela História. Existe a obrigatoriedade de nos adaptarmos a personagens que não foram criadas por nós e do esforço de coordenação das pesquisas, construindo um enredo credível, lógico e susceptível de criar dramatismo e suspense.
Ao ler as palavras de Leonardo Padura, lembrei-me das da autora brasileira Patrícia Melo. Deu uma entrevista à OML nº 83, no já longínquo Janeiro de 2010, mas eu apontei uma das suas afirmações e cito-a aqui, pois, embora pronunciadas num contexto diferente, no seu princípio, podem aplicar-se à escrita de um romance histórico:
"Hoje, tenho medo de fazer adaptações. O fato de já haver uma história e personagens pode dar a ilusão de que o trabalho será mais fácil. Mas é muito mais fácil trabalhar com histórias originais".
Em Espanha, existe o Premio de Novela Histórica Alfonso X El Sabio, que, todos os anos, distingue uma obra de ficção histórica. Para quando, em Portugal, um país com uma História tão rica, tal reconhecimento e incentivo para quem se dedica a este tipo de literatura?
Para quando, em Portugal, um país com uma História tão rica, tal reconhecimento e incentivo para quem se dedica a este tipo de literatura?"
ResponderEliminarEu acho que sei responder.
R: Nunca!
Quando já se começou a falar no fim do Programa Nacional de Leitura, a criação de tal prémio só se for a título individual por qualquer associação de escritores ou algo do género.
Há que ter um país de gente imbecil, dessa forma os Jões Jardins ganham sempre.
A crítica aceita o romance histórico? Quais os autores portugueses que conseguiram reconhecimento por essa via?
ResponderEliminarAdmito que há autores "influentes" que têm alguma dificuldade em aceitar o sucesso de obra do género, isso é um facto, no entanto não será o "Memorial do Convento", "Evangelho Segundo Jesus Cristo" ou o "Caim" de Saramago, romances Históricos com laivos, é verdade, de fantasia?
ResponderEliminarE David Soares com o seu Evangelho do Enforcado" e "A Conspiração dos Antepassados", ambos livros admiráveis, são eles também romances Históricos.
E João Aguiar com "A Voz dos Deuses", "Inês de Portugal".
Agustina Bessa-Luis que escreveu três ou quatro romances históricos e, sublinho a enorme qualidade da "Voz da terra" de Miguel Real que venceu um prémio com essa obra e que tem escrito apenas romances históricos de excelente qualidade.
E o próprio mega best-seller "Equador" de Sousa Tavares ou um dos meus livros preferidos "A Filha do Capitão" de Rodrigues dos Santos.
Ou seja, penso que um romance histórico com qualidade tem perfeita aceitação da crítica. Penso, contudo, é que não se faz uma distinção adequada entre tipos de literatura. Basta ver quando consegui achar o livro da Cristina "Afonso Henriques", a funcionária da livraria foi buscá-lo às Biografias.
eu gostei.
ResponderEliminarNão só trabalhoso, como heroico...
ResponderEliminarObrigada a todos.
ResponderEliminarNão há dúvida de que em Portugal há falta de incentivo, não há uma procura exclusiva, por parte das editoras, por este tipo de literatura. Escritores muito conhecidos e/ou consagrados encontram apoio, mas isso verifica-se em qualquer campo literário.
Pode ser que ainda se crie um Prémio, nem que seja a título individual, como referiu o Iceman. Ou um concurso literário englobando apenas romance histórico.
Não é um comentário mas uma pergunta. É sempre necessário indicar as fontes ou a bibliografia consultada para a escrita de um romance histórico?
ResponderEliminarNão é necessário porque se trata de uma obra de ficção. Há quem o faça e há quem o não faça, a escolha fica ao critério do escritor. Eu tenho optado por não o fazer, mas costumo escrever uma nota final, em que justifico algumas opções que tomei em casos mais polémicos, indicando a fonte (ou as fontes) em que me baseei. Tratando-se da Idade Média, as fontes são, por vezes, contraditórias, devido à falta de elementos da época.
ResponderEliminarNão sei quem é (e não se aflija, que não tenho nada contra comentadores anónimos) mas se o meu amigo, ou a minha amiga, algum dia escrever um romance histórico que tenha tanto sucesso, que a imprensa comece a pegar com este ou aquele pormenor, pode sempre defender-se, referindo as fontes que consultou, no caso de não ter indicado, no livro, a bibliografia consultada.