Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

13 de setembro de 2011

Cerco e Conquista de Lisboa VII


Os cruzados construíram várias minas, a fim de atingirem os fundamentos das muralhas, mas os mouros, adivinhando em que direcção eles cavavam, construíam contra-minas, fazendo desabar as do inimigo, ou atacando-os nos corredores estreitos. O cruzado Konrad vê-se nessa situação:


           Deu meia-volta. As velas ao longo da mina, que ainda não se tinham apagado com a deslocação do ar, chegavam para ver o vulto do inimigo de espada em punho, envergando uma cota de malha e segurando um escudo redondo na mão esquerda. Konrad lançou-se a ele com um grito de raiva, tentando atingi-lo na cabeça com a sua espada que segurava com as duas mãos. O mouro, que não contava com ataque tão repentino, quase caiu, mas teve o reflexo de levantar o escudo, contra o qual bateu a arma de Konrad. E logo respondeu ao ataque.
            Konrad defendia-se como podia, em clara situação desvantajosa, por não estar tão bem armado. Não aguentaria muito tempo. Deu-se entretanto conta de que se formara um grande espaço entre ele e os que fugiam à sua frente. Assim que a luta o permitiu, tornou a virar-se e correu o mais que podia. Quanto faltaria até chegar ao fim do túnel? Tinha perdido qualquer noção de espaço. E quando se aproximou dos seus companheiros em fuga, mais lentos, teve de se lançar mais uma vez à luta.
            O mouro era ágil e rápido, Konrad sabia que dificilmente lhe poderia causar ferimentos letais. Além disso, via-se obrigado a usar a sua própria espada mais como arma de defesa do que de ataque. As forças começaram a faltar-lhe, mas entretanto os seus companheiros tinham-se tornado a distanciar. E o túnel haveria de chegar ao fim.
            Desta vez, revelava-se-lhe difícil arranjar uma oportunidade para virar costas à luta. Arriscou um ataque, descurando a própria defesa. Deu certo: o mouro teve que cobrir a cabeça com o escudo e Konrad aproveitou para lhe virar as costas. Mas não foi suficientemente rápido. O outro avançou de espada em punho e atingiu-lhe o braço. A dor lancinante fez com que as pernas de Konrad lhe fraquejassem. Mas, se ali caísse, era o seu fim. O desespero deu-lhe forças que ele não imaginava ter e viu-se a correr a toda a velocidade.
            O sangue escorria-lhe do braço direito e a dor roubava-lhe o discernimento. Não fazia ideia se já estava perto dos seus companheiros, nem se o mouro o alcançava. Ficou tonto, sentia-se desmaiar. Já não corria, cambaleava de encontro às paredes da mina… Até que caiu ao chão.

Konrad consegue salvar-se, pois os mouros, depois de atacarem os cruzados, regressavam à segurança das muralhas. Nesse dia, dá-se o episódio de Martim Moniz, celebrado, pelos portugueses como o maior herói do cerco.


            Já comiam, quando Konrad comentou:
            - Mais uma mina que falhou.
            - Quem haveria de dizer que os mouros resistiriam tanto tempo? - replicou Gunther.
            - E hoje não deram só cabo do nosso túnel - acrescentou Hadwig. - Também neutralizaram um ataque português à alcáçova.
            - É mesmo? - admirou-se Konrad. - Os portugueses tornaram a trepar às muralhas?
            - Não - respondeu Johann. - Desta vez atacaram a porta perto da torre da cisterna.
            - E o que é que falhou?
            - Ainda não sabemos - respondeu Hadwig. - Mas, ou muito me engano, ou os nossos dois amigos nos virão informar, depois da ceia.
            Assim aconteceu. Julião e Tomé vinham agitados, clamando que naquele dia tinha morrido um herói! Contaram uma história curiosa sobre um grupo de portugueses que, ao notarem que os mouros tentavam fazer uma surtida pela porta da alcáçova, os atacaram. Ao verem-se descobertos, os muçulmanos logo regressaram ao seu refúgio. E preparavam-se para fechar a porta, quando um cavaleiro português, de nome Martim Moniz, não se conformando com o desfecho da refrega, se precipitou sozinho para o meio dos infiéis. Ao mesmo tempo que lutava com uma horda deles, assim contavam Julião e Tomé, atravessou-se na porta, impedindo que esta se fechasse e permitindo que alguns dos seus companheiros entrassem na alcáçova…
Acabou por morrer esmagado. Julião e Tomé juravam que o seu acto servia de exemplo a todos os guerreiros. Os dois estavam convencidos de que, durante todo o cerco, ainda não houvera um herói como Martim Moniz!
            A Konrad, que naquele dia também enfrentara perigos, salvando vários companheiros da morte certa, não lhe apetecia continuar a ouvir os elogios com que os dois portugueses enchiam o tal cavaleiro. Sentindo-se com forças, depois de matar a fome, levantou-se, lançou a sua capa pelos ombros e, com o punhal enfiado no cinto, caminhou até à margem do rio.


Na verdade, os cruzados achavam que os portugueses pouco contribuíam para o cerco, o que, no fim, quando a cidade já estava praticamente rendida, causou alguns problemas a D. Afonso Henriques, como veremos.

4 comentários:

Olinda Melo disse...

Estou a adorar esta série.
Farei o meu comentário, no fim...
:)

Olinda

Cristina Torrão disse...

Beijinhos, Olinda :)

Olinda Melo disse...

Corajoso este Martim Moniz, meio lendário e quem quer que tenha sido! As figuras heróicas são o condimento necessário na História dum povo. Voltamos sempre ao passado, nos momentos de maior aflição nacional.
A Praça Martim Moniz, em Lisboa,glorifica esta figura, muito embora cada dia que passa as construções que por lá fazem a tornem (à praça) mais descaracterizada.

:)

Cristina Torrão disse...

Sim, foi um nome que ficou ligado a Lisboa. Gosto muito das figuras da estação do Martim Moniz :) A praça, não a conheço, da última vez que estive em Lisboa, passei muitas vezes na estação e chegámos a sair do metro para fotografar as figuras.