Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.
9 de setembro de 2011
A Vida na Idade Média II
Na Idade Média, havia mais higiene corporal do que no tempo de Luís XIV ou da Belle Époque.
O teor de álcool no vinho devia andar apenas entre os 7 e os 10%. Armazenado em pipas, não chegava a durar um ano. Bebia-se muito, um a três litros por dia e por pessoa, incluindo mulheres e monges. O que se havia de beber? A água nem sempre era própria para consumo, causava cólicas e diarreias. A cerveja era mais usada no Norte da Europa.
Tanto o dia, como a noite, se dividiam em 12 horas, que, até ao século XIV, devido às condições naturais, ditadas pelas estações do ano, tinham duração diferente (ou seja, uma hora diária, no Verão, era mais longa do que no Inverno, acontecendo o inverso com a noite). As pessoas regiam-se pelo troar dos sinos das igrejas ou dos mosteiros, que se faziam ouvir às horas das orações: as primas, ao nascer do sol; três horas depois, as terças; ao meio do dia as sextas; três horas mais tarde, as nonas; ao pôr-do-sol, as vésperas. A noite dividia-se em três períodos: as completas, as matinas e o laudes. Ou seja, tomando os equinócios como referência (as ocasiões em que o dia e a noite duram o mesmo tempo), os sinos troavam às 6:00, 9:00, 12:00, 15:00, 18:00, 21:00, 0:00 e 3:00 horas.
Durante a noite, o diabo e as bruxas lançavam as suas armadilhas: pânico no escuro, tentações carnais e, ainda pior, violência, assaltos e violações - mais de metade dos crimes acontecia durante a noite. As pessoas deviam ter muito cuidado, fechar-se dentro das suas casas e, se necessário, renderem-se em períodos de vigilância.
Do ponto de vista económico, não existia o conceito de concorrência. A Igreja assim o ditava, pois via aí a fonte da rivalidade e do ciúme, considerados pecado. A publicidade seria uma forma de vigarizar e um sinal de ambição, a venda a preços mais baixos do que os estipulados seria visto como um ataque ao trabalho do próximo. Os negócios citadinos encontravam-se sob vigilância apertada, tanto no que respeita à sua qualidade, como aos preços praticados. O objectivo do trabalho era o bem comum.
O trabalho era recompensado, mas tinha também o seu preço. O guerreiro atingia fama, mas pagava-a, muitas vezes, com a própria vida. O prelado era muito considerado, posto no topo da sociedade, mas só depois de longos estudos. O mesteiral e o mercador podiam atingir a riqueza, mas tinham de lidar com o risco do mercado e a conjuntura. E o camponês? A ele estava garantida a salvação, mas só se provasse ser devoto e se dedicasse de corpo e alma ao seu trabalho duro, embora pacífico.
A Igreja não via o progresso com bons olhos, pois conduzia à ambição e ao ganho, perigosos para a salvação da alma. Condenava iniciativas que não estivessem de acordo com as Sagradas Escrituras e desconfiava de todos aqueles que enveredassem por um caminho pessoal e inovador.
Das Leben im Mittelalter, Robert Fossier (tradução minha, do alemão).
Versão portuguesa: Gente da Idade Média, Texto Editores
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O bem comum como objectivo, talvez por isso lhe chamaram a idade média.
ResponderEliminarÉ interessante, quando lemos descrições como esta, pensamos que após tantos séculos, a humanidade encontra-se ainda, no limiar do ponto de partida.
ResponderEliminarIntrigante também, nos nossos dias, apesar de toda a informação de que dispomos e da enorme facilidade de comunicação e de acesso ao conhecimento, não sermos ainda capazes de construir uma consciência global daquilo que é o melhor para a humanidade e que fácilmente poderá ser obtido; bastando somente praticar o princípio de igualdade...
António, havia a desvantagem de se ignorar o indivíduo, enquanto pessoa. Não havia distinção entre público e privado.
ResponderEliminarBartolomeu, ainda estamos no limiar do ponto de partida, sem dúvida.
A Idade Média, apesar de ser considerada a Idade das Trevas,foi uma época de grandes realizações intelectuais, tais como,teorizações que ainda comandam alguns sectores da nossa vida tendo como figuras de renome, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e outros. Dir-se-á, talvez, que estes Doutores da Igreja procuravam explicar apenas questões de fé, mas o que era a vida senão uma extensão do que a Igreja impunha, a visualização do sagrado,do divino...e o seu contrário?
ResponderEliminarA I.M. foi das Épocas que mais gostei de estudar, como a dialéctica entre o 'poder temporal' e o 'poder espiritual' e ainda mais a questão dos 'marginais', entre os quais,deficientes, as bruxas, a própria mulher, como encarnação do diabo, etc.
Por isso mesmo, gostei muito de ler os dois textos que teve a generosidade que publicar aqui.