Óleo de Carlos Alberto Santos |
Na verdade, depois da conquista de Lisboa, em 1147, a vida de D. Afonso Henriques conta algumas infelicidades, como o desastre de Badajoz, que podia ter acabado com a independência de Portugal. Há, no entanto, um outro acontecimento anterior, bem menos conhecido, que fez perigar o reino: o Tratado de Sahagún, assinado, a 23 de Maio de 1158, pelos reis de Leão e Castela.
O primo de D. Afonso Henriques e seu grande rival, o imperador D. Afonso VII, faleceu em Agosto de 1157 (o nosso primeiro rei viveria ainda cerca de trinta anos). A sua herança foi dividida pelos dois filhos: o mais velho tornou-se no rei D. Sancho III de Castela e o outro em D. Fernando II de Leão. D. Afonso Henriques ter-se-á perguntado como lidar com a nova situação. O primo tinha acabado por se conformar com a independência de Portugal. Mas iriam os seus filhos seguir-lhe o exemplo?
D. Fernando II de Leão |
Não! Convenhamos que seria de esperar. Dois jovens, que se vêm senhores de quase toda a Península Ibérica, haveriam de mandar a política do papá às urtigas e perguntar-se se não lhes seria possível apoderar-se de Portugal. Aqui, a cena em que D. Afonso Henriques comenta o conteúdo do Tratado de Sahagún:
- É verdade. A birra entre os maninhos foi sol de pouca
dura. Prometem-se ajuda e combinaram que os respectivos reinos fossem
transmitidos aos herdeiros do irmão, caso algum deles morra sem filhos. Até
aqui, tudo bem. O pior, meus senhores, é que se permitiram deliberar sobre
Portugal, sem nos terem tido nem achado! Em primeiro lugar, afirmam que eu,
Afonso Henriques, à frente deste reino há quase trinta anos, eu, que tomei
Santarém e Lisboa aos infiéis, não tenho o direito de continuar a conquistar
territórios muçulmanos!
- Mas que despautério - lançou Gonçalo Mendes.
- Como se eu não existisse - prosseguiu Afonso, -
trataram de dividir os territórios da mourama entre eles, definindo as áreas
que cabe a cada um conquistar, incluindo as cidades do Gharb: Alcácer do
Sal, Évora, Beja e Silves!
- Mas
quem eles pensam que são? - atirou Fernando furioso.
- O pior
ainda aí vem - disse o rei. - Decidiram, se puderem, repartir o próprio reino
de Portugal entre si!
Os três
olhavam o soberano perplexos. Gonçalo Mendes acabou por falar:
- Teremos
que contar com uma invasão do reino.
Todos
reflectiam nesta preocupante conjectura, quando o alferes-mor opinou:
-
Mal poderemos resistir a um ataque conjunto das forças leonesas e castelhanas.A situação era gravíssima:
Em Coimbra, vivia-se em permanente estado de alerta, naquele Verão de 1158. Afonso reunia-se frequentemente com os seus chefes militares, a fim de discutir as informações que as patrulhas enviavam. Também D. Gualdim Pais veio à corte, mantendo-se em contacto com os Templários de Longroiva, Penarroias e Mogadouro, que, além das regiões de fronteira, vigiavam os movimentos dos senhores de Bragança. Afinal, Mendo de Bragança era o alferes-mor d’el-rei D. Fernando II de Leão.
O mês de
Agosto chegou, contudo, ao fim sem vestígios de perigo, apesar de os Templários
se darem realmente conta de movimentos da parte dos leoneses nas imediações da
tenência de Bragança. Tratava-se, porém, de assuntos internos: o monarca leonês
andava ocupadíssimo com revoltas urbanas no concelho de Zamora. E não havia o
mínimo sinal do irmão, D. Sancho III de Castela.
Mas
estas notícias, em vez de acalmarem Afonso, punham-no ansioso. Estava
convencido de que os irmãos acabariam por atacar de surpresa, quando já ninguém
contasse com a sua ofensiva. Além disso, se Fernando de Leão andava com os seus
soldados pelo concelho de Zamora, bem poderia aproveitar a oportunidade para
penetrar em solo português, ainda para mais, com Mendo de Bragança a seu lado.
Afonso começou a achar que era necessário intimidar o jovem soberano com uma
ofensiva militar, enquanto o irmão não desse sinal de vida. Considerava enviar
hostes portuguesas que apoiassem as revoltas de Zamora. Com sorte, ainda se
apoderava ele daquela cidade!
O que, até àquela altura, ninguém sabia, era que D. Sancho III de Castela, de apenas 25 anos, adoeceu gravemente, naquele Verão, vindo a falecer em Agosto. Assim se acabou por dissolver, de maneira inesperada, este perigo sério. D. Sancho III deixou um herdeiro de 3 anos, o que originou o início de tempos conturbados, em Castela. D. Fernando II de Leão, sem o apoio do irmão, acabaria por se aproximar do monarca português.
Embora ameaçador no seu conteúdo, o Tratado de Sahagún tornou-se, assim, obsoleto, em pouco tempo. E digam lá que Portugal não é, de vez em quando, bafejado pela sorte!
Três comentários me merece este post, que são o primeiro e o segundo!
ResponderEliminarO primeiro é que, para mim, a conquista de Alcácer do Sal foi a mais importante de todas, só a modéstia me impede de dizer porquê!
O segundo, é que adorei ver o uso da palavra "despautério"...
Também como primeiro e segundo comentários: gostei muito do post, obrigado Cristina.
Simão Gamito
Não fosse este nosso cantinho Lusitano o fiel depositário do Santo Graal e o último reduto do Espírito Santo, Cristina.
ResponderEliminarMas tens muita razão quando referes o "vazio" histórico que se nota a partir da conquista de Lisboa aos Mouros, no reinado do nosso primeiro Rei.
Mais um episódio da história do nosso primeiro rei pleno de encantamento.
ResponderEliminarAfonso Henriques (Afonso para os amigos) deixou dito em testamento para não falarem da vida particular dele, por causa das "conquistas" e assim, daí esse tal vazio histórico!
ResponderEliminarSimão Gamito
Este pequeno rectângulo foi sempre uma pedra no sapato dos poderosos reinos da Península Ibérica e quem sabe se ainda o não é...assim uma espécie de coisa anti-natura.
ResponderEliminarObrigada por trazer aqui o Tratado de Sahagún, de que quase ninguém fala.
Bj
Olinda