Nos inícios de 1970, ainda antes da revolução, o meu primo, que não teria mais de três anos, estava de férias com os pais e os avós (que também são meus) no Algarve. Encontrando-se em Vila Real de Santo António, resolveram dar um saltinho a Espanha de ferryboat (ainda não existia a ponte sobre o Guadiana). Mas eis que os meus avós se viram impedidos de embarcar, por não terem passaporte (sim, ainda era preciso passaporte). Depois do primeiro momento de desilusão, encolheram os ombros. Paciência! Os meus tios que fossem com o miúdo, afinal, eram só umas horas e encontrar-se-iam ao fim da tarde.
O meu primo, no entanto, ficou muito triste por os vóvós não poderem ir com eles e, de lagrimita no olho, despediu-se com um: «vóvó, da p'óxima vez ti'as o passapo'te, 'tá bem?» Aquilo foi demais para um coração de avó. Depois do embarque, com o miúdo a dizer-lhe adeus do ferryboat, ela respondeu ao aceno, com as lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto. Nisto, uma senhora que estava a seu lado, cheia de piedade, disse algo como: «Custa muito vê-los partir, não é?» A minha avó caiu em si e remeteu-se ao silêncio, com vergonha de dizer que eles iam só dar um passeio ao outro lado.
Lembrei-me ontem desta cena, ao ver o Telejornal. Tenho compreensão pela angústia de todos aqueles que sentem não ter condições para viver condignamente no nosso país. Não é fácil emigrar, ainda por cima, quando a decisão não parte de uma escolha pessoal e, sim, da força das circunstâncias. Mas é preciso chorar baba e ranho no aeroporto e escrever cartas de dramalhão ao Presidente da República?
Tenho o maior respeito pelo pessoal de enfermagem, aliás, por todos aqueles que trabalham no campo da Medicina. Mas, meu Deus, aquela gente, a maior parte deles jovens, ainda sem família, não vão para o fim do mundo! Vão para Inglaterra, que fica a pouco mais de duas horas de voo de Lisboa! Não estará na hora de deixar de nos lamentarmos como os «coitadinhos que vão lá para fora lutar pela vida»? Eu vivo há vinte anos na Alemanha e ainda não fui internada por depressão!
Parafraseando um dentista alemão, quando fui piegas no seu consultório: «um bocadinho de mais coragem aventureira! Não envergonhemos o Vasco da Gama!»
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