Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

5 de outubro de 2012

869º Aniversário do Tratado de Zamora

Assinatura do Tratado de Zamora
Hoje, que passa mais um ano sobre este Tratado, resolvi voltar ao assunto, controverso, como o prova a troca de comentários com o Juvenal, em Fevereiro passado.

Costuma assinalar-se a data de 5 de Outubro de 1143 como o da independência de Portugal, inclusive, nos livros escolares. É um facto que, no Tratado de Zamora, Afonso VII, o imperador da Hispânia, reconheceu o título de rei a seu primo e Portugal como reino (esta é de facto a data em que deixa de existir o Condado Portucalense). Contudo, Afonso VII não prescindiu da vassalagem de Afonso Henriques. É verdade que entre o nosso primeiro rei e o imperador da Hispânia nunca houve uma cerimónia de vassalagem, ou seja, Afonso Henriques nunca lha prestou oficialmente. Mas assinou dois tratados (Tui e Zamora), onde estava escrito que ele lhe devia vassalagem

Repare-se: isto nunca impediu Afonso Henriques de se considerar um rei independente. Agiu como tal desde a Batalha de Ourique, em 1139, onde foi aclamado rei pelos seus guerreiros. Mas o verdadeiro reconhecimento do seu título real só ficou estabelecido na Bula Manifestis Probatum, de 23 de Maio de 1179, assinada pelo papa Alexandre III.

José Filipe Photo
No entanto, ao refletir sobre a troca de comentários com o Juvenal, considerei que, realmente, não é errado considerar Portugal um reino independente desde 1143, já que, por alturas do Tratado de Zamora, Afonso Henriques terá prestado homenagem ao cardeal Guido de Vico, legado papal, que lhe prometeu a proteção da Santa Sé, ou seja, a independência em relação a qualquer poder temporal, o que incluía o do imperador da Hispânia.

Este ato, no entanto, não ficou registado por escrito. Seguindo as instruções do cardeal Guido de Vico, Afonso Henriques enviou a Roma a carta claves regni, mas, na sua resposta, em 1144, o papa Lúcio II não foi conclusivo, intitulando o nosso primeiro rei de dux (duque) em vez de rex (rei).

Mas, enfim: Portugal pode ser considerado um reino independente desde 1143, já que o cardeal Guido de Vico aceitou a homenagem de Afonso Henriques, libertando-o do jugo de Afonso VII. Não será é muito correto apontar o Tratado de Zamora como prova documental deste facto, já que, nesse documento, tanto Afonso Henriques, como o cardeal (!) dão o dito por não dito. E isto, nas costas do imperador!

Resumindo:

25 de Julho de 1139, Batalha de Ourique - Afonso Henriques é aclamado rei de Portugal pelas suas tropas e não mais deixa de utilizar este título;

5 de Outubro de 1143, Tratado de Zamora - O imperador Afonso VII reconhece oficialmente o título real a Afonso Henriques, não prescindindo, porém, da sua vassalagem. Por outro lado, antes da assinatura do Tratado, numa cerimónia discreta (poder-se-á dizer "secreta"; de qualquer maneira, às escondidas do imperador), o cardeal Guido de Vico aceitara a homenagem de Afonso Henriques, libertando-o do jugo de Afonso VII.

1 de Maio de 1144, Bula Devotionem tuam de Lúcio II - O Papa aceita a vassalagem de Afonso Henriques (o que o liberta da suserania do imperador hispânico), mas intitula-o dux portucalensis;

23 de Maio de 1179, Bula Manifestis Probatum de Alexandre III - Afonso Henriques é reconhecido como rei e Portugal como reino independente.

Zamora, nas margens do rio Douro (Duero)

2 comentários:

Juvenal Nunes disse...


Li, com bastante interesse, as suas avisadas considerações sobre o Tratado de Zamora na passagem do seu 869º aniversário.
Resulta deste assunto que o que se discute é a diferença entre as situações de facto e de jure.
Sem pretender problematizar,tampouco polemizar, verifico que,recuando no tempo,historiadores e estudiosos há que consideram a vitória de D. Afonso Henriques,em 1128,na Batalha de S. Mamede,obtida dentro de portas com o apoio dos barões portucalenses, como «a primeira tarde portuguesa».
Uma vez mais,Cristina,reafirmo o gosto por esta troca de impressões consigo.

Cristina Torrão disse...

Tem razão, quanto à «primeira tarde portuguesa», há quem realmente defina assim esse dia.

É sempre bem-vindo, Juvenal :)