Bem, eu estava consciente de que não será correto atribuir a esse tratado a fundação da nação portuguesa independente, como, aliás, aqui e aqui referi. Mas a hipótese de ele nem sequer ter existido fez-me pegar, novamente, na biografia de D. Afonso Henriques, da autoria de José Mattoso (Temas e Debates 2007). E, já agora, chamo a atenção para duas coisas:
Primeiro, eu não escrevo livros históricos e, sim, ficção baseada na História, pelo que, nos meus livros, há muita imaginação e subjetividade. Quem lê um romance, porém, deve ter em conta que se trata disso mesmo.
Segundo: li a citada biografia há quatro anos, tirei as minhas notas e nunca mais lhe havia pegado, pelo que não estava já bem certa do que o Prof. Mattoso dizia acerca deste assunto.
Resolvi, assim, citar as passagens que me parecem mais relevantes, lembrando que o Prof. Mattoso não é dono da verdade (algo que ele, aliás, admite; atentemos à primeira frase deste livro: Não é preciso ser historiador profissional para perceber que não se pode traçar a biografia de uma personagem medieval sem uma grande dose de imaginação). Mas ele é, sem dúvida, um dos melhores historiadores portugueses de todos os tempos. Acima de tudo, é honesto e empenhado em esclarecer as mentiras e efabulações criadas durante o Estado Novo, que, infelizmente, ainda pairam no nosso imaginário coletivo.
Extratos tirados das
páginas 207 a 214:
No Verão de 1143, chegou ao reino de Leão o cardeal legado da Sé Apostólica Guido de Vico (…) O legado vinha, pois, à Hispânia procurar o apoio político e económico de que o papa necessitava. (…) Guido parece ter-se dirigido primeiro a Portugal. Há informações acerca da sua estadia no Porto e em Coimbra.
(…)
De
Coimbra, o legado dirigiu-se a Valhadolid, onde, em 19 e 20 de Setembro,
celebrou um concílio.
(…)
Depois
de ter encerrado o concílio, o legado papal dirigiu-se a Zamora, onde estava a
4 e 5 de Outubro, e onde se reuniu com os reis de Portugal e de Leão. A este
encontro chamam os historiadores modernos a «conferência de Zamora». Tem sido
considerada como a reunião que selou o acordo entre Afonso Henriques e Afonso
VII, que marcou o reconhecimento pelo segundo da dignidade régia do primeiro, e
que permitiu a celebração de um tratado, que talvez incluísse uma repartição
dos direitos de conquista sobre territórios muçulmanos, mas do qual,
infelizmente, não existe nenhum texto.
(…)
A
13 de Dezembro de 1143, Afonso Henriques dirigiu uma carta ao papa [Claves regni celorum] declarando que tinha feito homenagem à Sé Apostólica, nas mãos
do cardeal Guido, como cavaleiro de São Pedro (miles Sancti Petri) (…) Também se torna quase certo que esta decisão obtivera o acordo do
cardeal, uma vez que a carta declara que o rei tinha prestado homenagem nas
suas mãos. (…) Estes factos
significam, por sua vez, a realização de conversações anteriores, talvez por
ocasião da passagem de Guido por Coimbra [ou seja, antes da conferência de
Zamora].
(…)
Se
Afonso VII teve então conhecimento da homenagem que Afonso Henriques diz ter
prestado nas mãos do legado
(…) causa alguma surpresa verificar a
pouca resistência que Afonso VII parece ter oferecido a este acto que punha em
causa a sua autoridade de suserano de toda a Hispânia (…) e que contrariava o pacto de Tui de 1137.
Conclusões:
1 - Será mais correto falar da
«Conferência de Zamora» do que do «Tratado de Zamora».
2 - A ter havido um
tratado, debruçou-se, essencialmente, sobre a repartição dos direitos de conquista sobre territórios muçulmanos.
3 – Não se nega, porém, que o encontro terá
marcado o reconhecimento pelo segundo
[Afonso VII] da dignidade régia do
primeiro [Afonso Henriques], embora o imperador não tenha prescindido da
condição de vassalo do primo, como havia feito, seis anos antes, em Tui.
4 – Como aqui
disse, não é um erro considerar Portugal uma nação independente desde 1143
(embora não propriamente a partir de 5 de Outubro), já que Afonso Henriques,
antes do encontro de Zamora, terá prestado homenagem nas mãos do cardeal, como se depreende da carta claves regni.
Trata-se, em suma, de um processo complexo e demorado (como o eram, muitas vezes, os assuntos medievais), cheio de ambiguidades entre os dois primos, netos do imperador Afonso VI. O reconhecimento oficial da independência de Portugal só se deu a 23 de Maio de 1179, data da Bula Manifestis Probatum, de Alexandre III. E aqui está ela, copiada da página da Direcção-Geral de Arquivos (para a visualizar com mais pormenor, aceda ao site):
Trata-se, em suma, de um processo complexo e demorado (como o eram, muitas vezes, os assuntos medievais), cheio de ambiguidades entre os dois primos, netos do imperador Afonso VI. O reconhecimento oficial da independência de Portugal só se deu a 23 de Maio de 1179, data da Bula Manifestis Probatum, de Alexandre III. E aqui está ela, copiada da página da Direcção-Geral de Arquivos (para a visualizar com mais pormenor, aceda ao site):
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