«Cada livro que escreve é um projecto diferente. Sente-se também um outro escritor?
Não. Sinto que sou um escritor cruel comigo mesmo. Procuro não repetir as fórmulas por isso estou sempre a fugir de mim. Como deixo de gostar de mim preciso de me distanciar para ser outra coisa, para não enjoar da minha pessoa.»
Não posso deixar de lhe desejar as melhoras.
Entrevista a Valter Hugo Mãe no iOnline, via Blogtailors
Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.
30 de setembro de 2013
29 de setembro de 2013
Insultos
Este post da Vespinha lembrou-me que, desde que comecei a defender a causa dos animais, na blogosfera, já fui insultada de tudo e mais alguma coisa.
O insulto é violência verbal. E todos sabemos que usa violência aquele a quem se acabam os argumentos e não vê outra saída que não seja diminuir e ofender quem pensa diferente dele.
27 de setembro de 2013
Que Importa a Fúria do Mar
Este livro é e ficará conhecido por descrever o inferno do Tarrafal. Eu lembrar-me-ei sempre dele por causa da menina que foi despachada pela mãe para a casa de uns tios velhos e excêntricos, que tinham uns segredos horripilantes guardados num armário. São referentes a essa parte do enredo os dois excertos que publiquei aqui e aqui.
Mas haverá outras razões para o recordar: o trabalho infantil na indústria vidreira da Marinha Grande, na primeira metade do século XX; a pobreza miserável do nosso país, nesse tempo; os primórdios do Partido Comunista; uma história de amor que não deu em nada porque a lembrança que guardamos do ser amado é, muitas vezes, alindada pela memória e pelos sonhos que construímos; um trauma de infância que implica culpa que não se suporta; outro trauma de infância da tal menina despachada, que seca por dentro.
O ponto de contacto entre estes elementos? A menina sêca de sentimentos torna a descobri-los (aos sentimentos) já adulta, jornalista, entrando em contacto com um idoso, o tal que viveu o inferno do Tarrafal e que lhe conta a história da sua vida. Perguntar-me-ão o que tem o mar a ver com tudo isto. Bem, a resposta está no livro...
Ana Margarida de Carvalho descreve atrocidades, muitas atrocidades, atrocidades inimagináveis. A sua escrita é tão vertiginosa e densa, que só nos apercebemos de parte do enredo e das emoções que nos pretende transmitir mais tarde. Por vezes, nem nos apercebemos. Só entendi os dois capítulos iniciais, depois de ler o final do livro. E só entendi o final, depois de relido o início.
Se acham esta opinião um pouco confusa, experimentem ler o livro! De qualquer maneira, acho que devia ter ganho o Prémio LeYa (foi "só" finalista). Pela originalidade e pelo ritmo intenso, em contraste com uma certa monotonia. Aliás, também Os Olhos de Tirésias teria sido um digno vencedor.
25 de setembro de 2013
Incomoda? Trás!
Estás tão crescida, filha,
disse-lhe de olhar enviesado. Afinal, talvez da ingratidão se derramasse algum peso de consciência. Mas ela era detentora de todo um mecanismo elaborado de compartimentos estanques. Rapidamente arrolhava o que lhe assomava incómodo. Quando algo desatava a roer, a fazer pequenos estragos, a esfiapar-lhe a alma, saltava logo a mola da ratoeira. E trás! Quebrava a espinha a esses sentimentos roedores.
Este desafecto, mãe, aprendi-o contigo. Também sequei por dentro.
Que Importa a Fúria do Mar, Ana Margarida de Carvalho, p. 135 (Teorema, 2013)
disse-lhe de olhar enviesado. Afinal, talvez da ingratidão se derramasse algum peso de consciência. Mas ela era detentora de todo um mecanismo elaborado de compartimentos estanques. Rapidamente arrolhava o que lhe assomava incómodo. Quando algo desatava a roer, a fazer pequenos estragos, a esfiapar-lhe a alma, saltava logo a mola da ratoeira. E trás! Quebrava a espinha a esses sentimentos roedores.
Este desafecto, mãe, aprendi-o contigo. Também sequei por dentro.
Que Importa a Fúria do Mar, Ana Margarida de Carvalho, p. 135 (Teorema, 2013)
23 de setembro de 2013
O Defunto
Nada como a leitura de um dos mestres para desopilar. Este conto de Eça de Queirós, disponível gratutitamente em formato digital no Projecto Adamastor, é uma pequena maravilha. O tema não é comum, em Eça, pois trata-se de um, digamos, conto histórico, situado no ano de 1474, no reino de Castela. «Um cavaleiro moço, de muito limpa linhagem e gentil parecer», D. Rui de Cardenas, herda, de um tio arcediago, moradias e uma horta na cidade de Segóvia. A casa fica «ao lado e na sombra silenciosa da igreja de Nossa Senhora do Pilar» e em frente do «escuro e gradeado palácio de D. Alonso de Lara, fidalgo de grande riqueza e maneiras sombrias, que já na madureza da sua idade, todo grisalho, desposara uma menina falada em Castela pela sua alvura, cabelos cor de sol-claro, e colo de garça real» (eu acho esta escrita simplesmente deliciosa).
Ora, D. Rui de Cardenas, o cavaleiro de «gentil parecer», apaixona-se perdidamente por D. Leonor, «a tão falada e formosa mulher do senhor de Lara». D. Leonor vive muito recolhida, a única saída que o esposo lhe permite é a ida à igreja da Nossa Senhora do Pilar, a mesma que D. Rui de Cardenas frequenta.
Ao desconfiar que o cavaleiro moço cobiça a sua formosa esposa, o fidalgo de Lara constrói-lhe uma cilada, a fim de o matar pelo próprio punho. Mas D. Rui de Cardenas recebe ajuda de um lado nada típico na obra queirosiana: do Além, através de um defunto, cujo cadáver apodrece numa forca.
Há uma fina ironia que atravessa todo o conto, o que o torna ainda mais genial e aprazível de ser lido. São apenas 34 páginas, em formato EPUB, e pode-se descarregar aqui.
O Projecto Adamastor dedica-se à criação de uma biblioteca digital de obras literárias em domínio público, obras essas que serão disponibilizadas de forma gratuita e em formato EPUB, sem qualquer tipo de restrição. Além de Eça de Queirós, há Fernando Pessoa, Camilo Castelo Branco, Florbela Espanca e outros. As obras podem ser descarregadas para eReaders, Tablets, Smartphones, etc.
21 de setembro de 2013
Superioridades
Nunca coloquei, entre mim e outro animal, a estúpida questão da superioridade. Uma das razões porque nunca acreditei no catecismo, foi porque não me parecia possível um acto de criação que tivesse o ser humano como último destinatário, ou especial beneficiário. As árvores “que nos dão a sombra e a madeira, os frutos e a seiva”, os animais “que nos dão o couro e o leite, os chifres e o estrume”… Sempre me pareceu uma cantilena fascista como a de um país multi-continental e multi-racial espalhado pelo mundo e tendo a maior altitude no Monte Ramelau.
Eu e a coruja, a coruja e eu. Nenhuma transcendência. O sentido oculto deste nosso encontro não é nenhum. O que dá sentido à vida da coruja é exactamente o que dá sentido à minha vida. Basta-nos, a ambos, existir. Mas existir assim. Capturando e engolindo 25 ratos e musaranhos numa noite ou provando vinho regional alentejano, consoante o caso.
Luís Januário, A Natureza do Mal
Sim, porque nos achamos superiores? Invocando um conceito de inteligência inventado por nós? Não somos mais que nada. «Do pó viemos e ao pó tornaremos».
Eu e a coruja, a coruja e eu. Nenhuma transcendência. O sentido oculto deste nosso encontro não é nenhum. O que dá sentido à vida da coruja é exactamente o que dá sentido à minha vida. Basta-nos, a ambos, existir. Mas existir assim. Capturando e engolindo 25 ratos e musaranhos numa noite ou provando vinho regional alentejano, consoante o caso.
Luís Januário, A Natureza do Mal
Sim, porque nos achamos superiores? Invocando um conceito de inteligência inventado por nós? Não somos mais que nada. «Do pó viemos e ao pó tornaremos».
19 de setembro de 2013
Autoestima
Mais uma pergunta que a Alice Alfazema lançou para o ar e a minha resposta:
A que se deve a baixa auto-estima da sociedade portuguesa?
O pressuposto de agradar aos outros. Os portugueses têm muito essa tendência: quando fazem algo, é para agradar aos outros, não para benefício próprio. Confunde-se egoísmo com autoestima. Isso baixa a autoestima.
A que se deve a baixa auto-estima da sociedade portuguesa?
O pressuposto de agradar aos outros. Os portugueses têm muito essa tendência: quando fazem algo, é para agradar aos outros, não para benefício próprio. Confunde-se egoísmo com autoestima. Isso baixa a autoestima.
17 de setembro de 2013
Homens tolhidos e amores assolapados
E aquele irmão sisudo. Quando enviuvou, por volta dos vinte e poucos, voltou para casa das manas, que lhe dedicaram a sua vida e todas as atenções. Ele não precisava de pedir nada, aliás, mal comunicava, elas antecipavam-lhe os desejos. Rodeavam-no de afeição, cuidavam com todo o zelo que ele saísse agasalhado, que apreciasse as refeições programadas e decididas entre as duas. E um bolinho para o lanche, e um docinho para depois do jantar. E a ele bastava-lhe estalar um dedo - metaforicamente, claro, porque nem isso fazia. Depois do almoço, andava-se em bicos dos pés lá em casa para não perturbar a sesta do mano. Uma vez por semana, preparavam-lhe um banho com sais e vinham esfregar-lhe as costas, besuntá-lo com água-de-colónia. Era um homem carrancudo, silencioso, sempre metido consigo e com os seus pensamentos esfíngicos, com os dedos amarelos da nicotina. Nunca deu a menor atenção a Eugénia, aliás, parecia não gostar de partilhar a solicitude das irmãs, da qual beneficiaria em exclusivo ao longo de mais de quatro décadas. Mas também não hostilizava, limitava-se a ignorá-la e a responder por monossílabos às irmãs sempre que as conversas se referiam à menina. De resto, quando o efeito da novidade passou, as tias velhas começaram a distrair-se dela e a concentrar outra vez todos os esmeros no bem-estar do mano, a amparar-lhe as cinzas do cigarro, a escolher-lhe a roupa, a esgrimir argumentos sobre a indumentária dele mais adequada à meteorologia do dia, a ajudá-lo a vestir o casaco, e a ficar as duas no alpendre, a contemplá-lo, com olhos mirrados de miopia e enlevo, até ele cruzar a esquina. Quando ele regressava das suas voltas, as tias comportavam-se como o Bolinhas, quase que abanavam a cauda e tinham tremeliques, davam corridinhas pela casa até à porta, punham-se aos saltinhos à volta dele e disputavam a primeira beijoca. E a que fora preterida fazia que amuava, e vinha de lá o tio, agarrava-a pela cintura e tentava erguê-la, e a outra a fazer que o ajudava e ficavam as duas numa galhofa afogueada, a suspirar e a prender as madeixas encanecidas soltas do rolo atrás da cabeça.
(...)
Mãe, como é que morreu a mulher do tio?
Cala-te!
Que Importa a Fúria do Mar, Ana Margarida de Carvalho, pp. 128/129 (Teorema, 2013)
(...)
Mãe, como é que morreu a mulher do tio?
Cala-te!
Que Importa a Fúria do Mar, Ana Margarida de Carvalho, pp. 128/129 (Teorema, 2013)
15 de setembro de 2013
Elogios
«Um elogio, mesmo a formulação de um elogio, dá trabalho. Supõe alguma penetração, pede alguma disponibilidade mental, e moral também».
Fernando Venâncio, Ler nº 125, Junho 2013
E eu digo: se elogiássemos mais e ralhássemos menos contribuiríamos para um mundo melhor.
Fernando Venâncio, Ler nº 125, Junho 2013
E eu digo: se elogiássemos mais e ralhássemos menos contribuiríamos para um mundo melhor.
13 de setembro de 2013
Animais
Lido por aí: «A vida de um humano, por mais desprezível que este seja, é sempre mais valiosa do que a de qualquer animal».*
1. Caso humano
Uma
menina do Iémen, com oito anos de idade, morreu devido a lesões sexuais graves,
sofridas durante a “noite de núpcias”, depois de ter casado com um homem de 40
anos. O crime deu-se num quarto de hotel e causou ruptura
nos órgãos genitais e do útero da criança. Segundo ativistas dos Direitos
Humanos, o
padrasto da menina tê-la-á vendido por cerca de 2000 euros.
Mesmo tendo em conta que no Iémen há famílias
tão pobres que vendem as filhas que não podem alimentar e o contexto cultural de
um homem que se sente no direito de comprar uma noiva, tentemos imaginar o que se
passou nesse quarto de hotel. Com certeza houve gritos desesperados de uma
criança, aos quais ninguém atendeu. Com certeza houve sofrimento e dores que
nenhum de nós é capaz de avaliar. Com certeza houve sangue a jorros.
A fera que se lançou para cima da
criança não desistiu (se o tivesse feito, talvez lhe tivesse salvo a vida).
Quem sabe, a besta até terá ficado aliviada, quando a criança, ao morrer,
deixou de gritar.
Quanto tempo terá durado o sofrimento
desta menina? As notícias consultadas (uma, em português, outra, em alemão) não
se referem a isso.
2. Caso animal
(Fotografias e texto recebidos por email)
Alida Knobloc uma menina de 3 anos de
idade, de Loganville, Georgia (EUA), sofre de uma doença pulmonar rara chamada
hiperplasia neuro endócrina que faz com que seja difícil respirar por conta
própria. Alida precisa, em todos os momentos, de um tanque de oxigénio ao seu
lado, mas é tão pesado que não pode levá-lo. Para fazer isso, Alida recebeu a
ajuda de um “salva-vidas de quatro patas”, como os seus pais descrevem.
Mr. Gibbs (deram-lhe o nome de uma pessoa,
ó sacrilégio) é um cão salva-vidas, um jovem goldendoodle, que a ajuda a viver dia a dia, porque transporta nas
suas costas tanques de oxigénio que Alida precisa. O cão foi treinado para
acompanhar a menina a todos os lugares a que ela vai, mesmo andar de bicicleta
ou de patins.
* Generalizações, apregoadas como verdades
universais, têm o seu quê de traiçoeiras...
11 de setembro de 2013
Talento inato
«Tenho uma aversão enorme àquela perspetiva de talentos inatos. Sinceramente não acredito que ninguém nasça com "isto do humor". Custa-me acreditar que um animal nasça com um talento inato para praticar um desporto que foi inventado no século XIX... Acho difícil que a natureza esteja atenta ao ténis».
Ricardo Araújo Pereira, em entrevista à Visão nº 1057 - 06-06-2013
Eu não seria tão radical como este conhecido humorista, penso que há certos talentos que nascem connosco. Mas é verdade que um talento inato permanece, muitas vezes, desconhecido, até ao próprio que o possui. O ambiente em que se vive, desde que se nasce, é determinante. Considero um engano aquela ideia de que, nascendo com determinado talento, ele acabará por se revelar, mais cedo ou mais tarde, qual toque de génio, independentemente das circunstâncias da vida de cada um, encontrando-se o mundo pronto para aplaudir.
Lembrei-me disto, ao ler um artigo sobre uma jovem escritora, na revista Ler Nº 125, de junho passado. Rebeca Amorim Csalog estreia-se, aos 17 anos, com Glyrmandia (Editora Planeta), um romance de fantasia com um herói português. Rebeca diz-nos que escreveu a história «que gostava de ter lido aos treze anos, quando era uma devoradora de fantasia». Foi precisamente com essa idade que começou a escrever o livro, que, entre pesquisas, escrita e revisões, demorou algum tempo a ficar concluído. Até porque Rebeca frequenta o 11º ano do curso de Artes Visuais na Escola Secundária de Camões, paralelamente ao curso de Música no antigo Conservatório.
E é aqui que o talento se liga ao ambiente em que se vive. A jovem escritora está, desde sempre, ligada às artes, toca harpa desde os seis anos. E diz-nos: «foi a minha mãe que sempre me leu histórias e me incentivou a imaginar e a inventar quem me transmitiu o gosto pela leitura, que mais tarde originou o gosto pela escrita».
Há exceções (raras, muito raras), mas, sem ajudas e incentivos, não se vai a lado nenhum, por muito talento que se possua. Aliás, na minha opinião, o talento conta apenas 30 a 40% para o sucesso de um escritor. O resto é disciplina, muito trabalho, sorte e, claro, os tais incentivo e ajuda.
Ainda bem que há famílias que proporcionam a libertação do talento aos seus rebentos, e o apoiam, como o fez a de Rebeca Amorim Csalog.
Ricardo Araújo Pereira, em entrevista à Visão nº 1057 - 06-06-2013
Eu não seria tão radical como este conhecido humorista, penso que há certos talentos que nascem connosco. Mas é verdade que um talento inato permanece, muitas vezes, desconhecido, até ao próprio que o possui. O ambiente em que se vive, desde que se nasce, é determinante. Considero um engano aquela ideia de que, nascendo com determinado talento, ele acabará por se revelar, mais cedo ou mais tarde, qual toque de génio, independentemente das circunstâncias da vida de cada um, encontrando-se o mundo pronto para aplaudir.
Lembrei-me disto, ao ler um artigo sobre uma jovem escritora, na revista Ler Nº 125, de junho passado. Rebeca Amorim Csalog estreia-se, aos 17 anos, com Glyrmandia (Editora Planeta), um romance de fantasia com um herói português. Rebeca diz-nos que escreveu a história «que gostava de ter lido aos treze anos, quando era uma devoradora de fantasia». Foi precisamente com essa idade que começou a escrever o livro, que, entre pesquisas, escrita e revisões, demorou algum tempo a ficar concluído. Até porque Rebeca frequenta o 11º ano do curso de Artes Visuais na Escola Secundária de Camões, paralelamente ao curso de Música no antigo Conservatório.
E é aqui que o talento se liga ao ambiente em que se vive. A jovem escritora está, desde sempre, ligada às artes, toca harpa desde os seis anos. E diz-nos: «foi a minha mãe que sempre me leu histórias e me incentivou a imaginar e a inventar quem me transmitiu o gosto pela leitura, que mais tarde originou o gosto pela escrita».
Há exceções (raras, muito raras), mas, sem ajudas e incentivos, não se vai a lado nenhum, por muito talento que se possua. Aliás, na minha opinião, o talento conta apenas 30 a 40% para o sucesso de um escritor. O resto é disciplina, muito trabalho, sorte e, claro, os tais incentivo e ajuda.
Ainda bem que há famílias que proporcionam a libertação do talento aos seus rebentos, e o apoiam, como o fez a de Rebeca Amorim Csalog.
9 de setembro de 2013
Os Olhos de Tirésias
Um bom romance sobre um tema que devia ser mais explorado: os portugueses combatentes na 1ª Guerra Mundial. Cristina Drios dá-nos uma boa imagem da miséria desta guerra, descreve muito bem as angústias, os cenários de fim de mundo e a maneira como as pessoas aprendem a viver com tais cataclismos, incluindo crianças.
O enredo salta várias vezes no tempo, pois, à medida que vai contando a história do seu avô Mateus Mateus, a narradora conta sobre o seu casamento à beira da rotura, a escrita do próprio romance e a sua viagem à propriedade de La Peylouse, em Saint-Venant, que alojou o Estado-Maior português nos anos 1917-1918. É nesta viagem que ela trava conhecimento com Cyril Eyck, que, além de a confrontar com o falhanço do seu casamento, a conduz ao seu bisavô centenário, possuidor da chave de um dos mistérios envolvendo Mateus Mateus.
Cristina Drios põe-nos em contacto com personagens que aprendem (ou não) a viver com o horror. O órfão Émile Lebecq sobrevive à custa de truques de ilusionismo, que mais não são do que uma maneira de se iludir a si próprio e aos outros; o soldado inglês Alvin Martin fica irremediavelmente traumatizado, sendo-lhe impossível viver sem a sensação de terror permanente; Georgette, uma enfermeira francesa, perde o noivo na guerra e vive uma paixão curta, mas intensa, com o português Mateus Mateus, modificando-o para o resto da sua vida. Há inclusive espaço para o insignificante cabo Adolf Hitler, que vai parar ao hospital com cegueira histérica.
Um excelente romance, mas que, na minha opinião, não deixa de ter os seus defeitos. Achei o início bastante confuso e custou-me a entrar na história. Algumas divagações da narradora no tempo atual tornaram-se-me longas, além de serem difíceis de ler, em itálico (penso que, num romance, se deveria evitar a escrita de blocos de páginas em itálico). E também me irritou um pouco que Mateus Mateus fale, por vezes, na primeira pessoa, e, noutras cenas, seja apenas uma personagem tratada, como as outras, na terceira pessoa.
Finalmente, uma chamada de atenção para erros dados em palavras e expressões alemãs. Tratando-se de um romance finalista do Prémio LeYa, penso que se poderia exigir uma edição cuidadosa até aos mais ínfimos pormenores.
O epitáfio «Hier liegt ein tapferer Portugiesisch» («aqui jaz um português corajoso», pág. 14) contém um erro crasso. A palavra Portugiesich refere-se unicamente ao Português enquanto língua, não ao cidadão português, a palavra correta seria Portugiese. Ich spreche Portugiesich - eu falo Português. Mas ich bin Portugiese - eu sou português. Os alemães fazem esta distinção entre a língua e o natural de um país. Ich spreche Englisch - eu falo Inglês. Mas ich bin Engländer - eu sou inglês.
Admira-me que no grupo LeYa não houvesse alguém capaz de esclarecer sobre esta distinção. Como também ninguém soube que o Parlamento alemão se chama Reichstag e, não, Reichtag, como aparece na página 58.
8 de setembro de 2013
Batatas pela Merkel
Todos conhecemos os “presentes” que os partidos em campanha eleitoral tanto gostam de oferecer aos potenciais eleitores: esferográficas, sacos de plástico, lenços, bandeiras, bonés, aventais, etc. Pois ontem, no meu passeio pelo centro de Stade, a pequena cidade onde habito, no Norte da Alemanha, os representantes do partido da Merkel ofereceram-me... batatas!
Um quilo
de batatas da região, embaladinhas e tudo, a qualquer pessoa que mostrasse interesse
pela banca da CDU (União Democrata-Cristã). Na etiqueta, onde, no supermercado,
podemos normalmente ler o nome da firma produtora, o país de origem, assim como
a qualidade de batata, apresenta-se-nos uma fotografia do candidato a deputado pelo
círculo eleitoral de Stade (um pouco engelhada, devido às características do pacote).
A CDU
está bem lançada para ganhar as eleições, nas sondagens, atinge cerca de 41%, enquanto
o SPD se fica pelos 27%. O problema é que o partido liberal FDP, parceiro de coligação
da CDU, vai muito fraquinho, chegando a estar em perigo a barreira dos 5%, o mínimo
obrigatório para atingir representação no Bundestag,
o Parlamento alemão. Mas também os Socialistas, coligados com os Verdes (Die Grünen) poderão ter problemas em atingir
a maioria absoluta.
Veremos,
a 22 de setembro!
7 de setembro de 2013
Falar com o coração
Via Vespinha |
Se os animais têm sentimentos? Claro. A única forma de comunicar com eles é usando o coração.
5 de setembro de 2013
Livros para levar
Traduzi à letra a expressão alemã Bücher zum Mitnehmen. Foi isso que o Horst, o meu marido, escreveu na caixa em que depositou uns livros que levou aqui de casa, no seu local de trabalho.
Quem gosta de ler, chega sempre a um momento em que já não sabe onde pôr tanto livro. Por outro lado, há livros que sabemos que não voltaremos a ler, ou outros que nem conseguimos acabar. Sei que é difícil desfazermo-nos dos livros. Mas os gostos são diferentes e aquilo que não nos agradou, ou agradou pouco, pode proporcionar bons momentos de leitura a outra pessoa.
Há várias maneiras de pôr os livros a circular. Numa das Bibliotecas de Hamburgo, perto do local de trabalho do Horst, até há um local onde se podem deixar livros, que não ficam registados, mas que qualquer pessoa pode levar.
O Horst optou por criar um espaço desses no seu local de trabalho. No início, muitos estranharam a ideia: «que quer dizer isto, livros para levar? Quem pôs aqui estes livros? E podemos levá-los assim, sem mais nem menos?» O meu marido explicava pacientemente de que se tratava. E a iniciativa acabou por se tornar um sucesso. Não só os livros quase desaparecem todos, como outros colegas de trabalho começaram a colocar lá os que tinham por casa.
Outro dia, o Horst resolveu levar os dois do Dan Brown que possuíamos, o Código da Vinci e Anjos e Demónios. «Não voltamos a ler, pois não?» perguntou-me.
Não ficaram muito tempo pousados na caixa com a legenda Bücher zum Mitnehmen ;-)
4 de setembro de 2013
No que ao piropo diz respeito
Quem
diria que a discussão à volta do piropo se tornasse tão acalorada,
comparando-se às que costumam centrar-se nas touradas, nos direitos dos animais
e no Acordo Ortográfico? Não resisto a dizer de minha justiça:
Pessoalmente
detesto piropos. Há mulheres que dizem que sobem a autoestima. A mim, nunca me
aconteceu, pelo contrário. Era uma adolescente muito tímida, que gostava de
passar despercebida. Quando passava por uma obra e os trolhas começavam todos a
lançar piropos e assobios, eu só desejava enfiar-me num buraco. Havia piropos
que me chocavam de tal maneira, que chegava a sentir vergonha de existir.
Mais
tarde, no local de trabalho, havia um senhor bastante mais velho que me dizia
piropos, num tom entre o paternal e o intimidante. Eu detestava, mas sorria,
educada. E perguntava-me porque diabo achava ele que tinha o direito de me
dizer tais coisas. Já se passaram vinte anos, mas, sempre que penso nessa
pessoa, fico um pouco enjoada.
Por isso,
por mim, os piropos bem podem acabar. E lá se vai mais uma tradição tão portuguesa.
Que pena...
Nota:
post inspirado pela Alice Alfazema e as suas
geniais perguntas.
3 de setembro de 2013
Naquele Tempo (22)
O segundo problema que carece de um estudo aprofundado é o da crise da corte portuguesa provocada pelo desastre de Badajoz de 1169. Como se sabe, provocou a associação ao trono de Sancho I e desencadeou várias alterações nos mais importantes cargos da cúria, entre elas o exílio do alferes Pêro Pais da Maia. Tudo isto mostra a eclosão de graves conflitos internos. Fiz notar estes factos em 1983 (Alfa, II, 84), mas até aqui, que eu saiba, nada mais se adiantou sobre ele. Seria preciso medir as suas efectivas dimensões e as suas consequências na política interna do país.
A verdade é que o reino parece ter sido governado, a partir daí, pelo príncipe Sancho. Qual o papel que Afonso Henriques passou a desempenhar? Poder-se-ão encontrar alguns indícios que permitam averiguar este problema? Neste sentido, seria necessário estudar mais de perto a actuação militar de Sancho I enquanto príncipe (...)
A propósito deste facto, convém notar que se conhece hoje, com mais detalhes do que nos anos 40 [do século XX], a profunda angústia que invadiu o reino exactamente nesta ocasião, e que se agravou com a morte de Afonso Henriques em 1185 e com as invasões almóadas de 1190 e 1191.
A nova face de Afonso Henriques - pág. 479
Nota: a problemática que se gerou a seguir ao desastre de Badajoz, que incluía a rivalidade entre o infante Sancho e o seu meio-irmão Fernando Afonso, foi explorada por mim em Afonso Henriques - o Homem. Na minha opinião, trata-se de um capítulo fascinante da nossa História medieval, infelizmente, mal conhecido. Sobre o desastre de Badajoz pode ler aqui.
1 de setembro de 2013
Assim a modos de "rentrée" literária
Como se vê acima, tenho, na página Downloads Gratuitos, dois ficheiros à disposição. Acontece que o formato PDF é adequado a PCs, tablets e iPads, mas causa problemas em e-readers como o Kindle, Kobo, Sony e outros. Por isso, a partir de agora, os dois textos encontram-se também em formato EPUB.
As etapas mais importantes da vida do nosso primeiro rei, com excertos dos romances Afonso Henriques, o Homem e A Cruz de Esmeraldas.
Descarregar:
em formato PDF
em formato EPUB
No ano de 2112, um cientista é raptado por uma comunidade de nazis, para que clone o Hitler a partir de um carvãozinho surripiado do local em que o corpo do dito cujo foi cremado.
Descarregar:
em formato PDF
em formato EPUB
Se tiverem dificuldade com os links, contactem-me para andancas@t-online.de, que eu envio o ficheiro anexo na resposta.
As etapas mais importantes da vida do nosso primeiro rei, com excertos dos romances Afonso Henriques, o Homem e A Cruz de Esmeraldas.
Descarregar:
em formato PDF
em formato EPUB
No ano de 2112, um cientista é raptado por uma comunidade de nazis, para que clone o Hitler a partir de um carvãozinho surripiado do local em que o corpo do dito cujo foi cremado.
Descarregar:
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Se tiverem dificuldade com os links, contactem-me para andancas@t-online.de, que eu envio o ficheiro anexo na resposta.
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