Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.
30 de outubro de 2013
Os Últimos Presos do Estado Novo
Perante atrocidades, muita gente se pergunta: como é possível que haja pessoas capazes de fazer tal aos seus semelhantes? Podemos apelidá-los de humanos?
E eu pergunto: quantos de nós estariam dispostos a cometer atrocidades, se tais atos fossem aceites e legitimados pela lei e ainda nos pagassem (e bem) para fazermos isso?
Muitos mais do que imaginamos!
Às vezes, penso que anda muito instinto sádico recalcado, por aí, à espera de uma oportunidade para se soltar. Por mais que nos horrorizemos, os crimes nazis (e isto, só para dar um exemplo) foram exercidos por humanos, por gente igual àquela com que nos cruzamos nas ruas, todos os dias. Assim como (a uma menor escala, mas não menos trágico para as vítimas) os pides eram pais de família, que circulavam pelas ruas, iam a festas e restaurantes, o que a maioria continuou a fazer, passada a euforia revolucionária e um pequeno período de cadeia.
O livro da jornalista Joana Pereira Bastos, além da descrição dos horrores por que passaram os presos de Caxias e Peniche, tem o mérito de nos mostrar que o calvário não acabou com a sua libertação. Gostamos de pensar que sim. Houve a revolução e eles puderam, enfim, sair em liberdade. Um final feliz, de conto de fadas: casaram e foram felizes para sempre. Mas quantas vezes é preciso dizer que a realidade está bem longe disso? (How long must we sing this song?) As vítimas da tortura sofrem até hoje: insónias, pesadelos, depressão, psicoses, ansiedade, etc. E nunca deixarão de sofrer.
Rafael Galego «lamenta que nem a ele nem aos outros ex-presos políticos algum organismo, associação ou entidade tenham alguma vez perguntado se precisavam de apoio. Nunca o teve (...) Aos 63 anos, é um homem revoltado. Os cigarros, um atrás do outro, tremem-lhe na mão. Sorve-os em baforadas nervosas, segurando-os nas pontas dos dedos amarelados pelo fumo».
Joana Pereira Bastos apresenta os factos de maneira imparcial. E, se nos apresenta toda a crueldade da PIDE, também não se coíbe de referir os métodos repressivos que o PCP e outras organizações revolucionárias exerciam sobre os seus membros. Não se perdoava a quem sucumbisse às torturas terríveis e denunciasse algum camarada. Talvez se justificasse, quando a segurança do partido ou da organização dependia do silêncio. Mas que justificação há para isto:
«Os meses que se seguiram à libertação foram, para Conceição Moita, os mais duros. Por ter sucumbido à tortura e falado no interrogatório, os antigos companheiros do Partido Revolucionário do Proletariado e das Brigadas Revolucionárias (PRP/BR) castigaram-na, votando-a ao silêncio e à indiferença, como se nunca a tivessem conhecido. Pura e simplesmente, deixou de existir para eles. Várias vezes pediu para a receberem. Queria relatar-lhes o que acontecera, mas nunca obteve resposta. A intolerância chocou-a. "Foi demasiado violento"».
Não há anjos, nem santos, no nosso dia-a-dia. Os humanos são capazes das piores violências (físicas e psicológicas). E nós, portugueses, não somos exceção. A teoria dos brandos costumes só serve para menorizar e encapotar realidades macabras.
Muito está ainda por dizer, sobre este assunto. E sobre outros, que igualmente nos envergonhariam. Livros destes são importantes, ajudam-nos a conhecer-nos, enquanto povo. Mostram-nos que devemos pensar duas vezes, antes de apontarmos o dedo a alguém.
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A monstruosidade é uma característica inata do ser humano. Mesmo os que combatem a monstruosidade em nome de uma ideologia, acabam por ser, de outra forma, monstros "assassinos".
ResponderEliminarO problema dos monstros, sejam eles quais forem, é que não usam espelho. Só veem o que está do lado de fora.
ABC
É verdade, António. Há mesmo muita gente incapaz de se pôr na pele de outra pessoa.
ResponderEliminarEste livro devia ser lido por todos os portugueses, todos.
ResponderEliminarBoa tarde,
ResponderEliminardeambulando por estes temas que têm um significado terrível para mim, estará interessada em conhecer a história de alguém a quem o castigo por ter "falado" na prisão da PIDE passou por... o prenderem novamente depois do 25 de Abril?
Aqui, se tiver interesse e estômago...: http://www.rtp.pt/play/p1379/e145859/no-limite-da-dor
Caro José Pinto de Sá, muito obrigada por ter deixado aqui este link. Vivo no estrangeiro e não fazia ideia desta série da Antena 1. Tenho-me interessado por este tema, estou com ideias de escrever algo sobre ele, aliás, já tenho vários esboços de romance, mas ainda não sei bem o que fazer com eles. Tenho interesse, sim, espero ter estômago.
ResponderEliminarAbraço.