Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.
30 de novembro de 2013
História da Vida Privada em Portugal - A Idade Média (4)
O homem, para conseguir a desejada aliança matrimonial, para obter uma genitrix, «compra o seu corpo», oferece arras e donas a sua mulher (...)
«Para compra do seu corpo» - expressão também registada no Livro do Deão e no Livro de Linhagens do conde D. Pedro - traduz claramente que a função fundamental do matrimónio é garantir a procriação, a missão da esposa é gerar (...) O que significa que, pela lei do matrimónio, os homens adquirem o direito de utilização do corpo da mulher, nele procurando a sua utilitas, a procriação.
(...)
No que toca às classes mais desfavorecidas, o direito foraleiro dos séculos XII e XIII punia o abandono do cônjuge - pelo marido ou pela mulher - com pena mais severa e discriminatória para a mulher, como seria de esperar (...) Revele-se que só o casamento de bênçãos, aquele que é celebrado com todas as solenidades do direito e consagrado pela religião, está protegido por esse direito. O que não significa que o rei não considere como válidos outros casamentos (...) desde que o casal viva continuadamente na mesma casa durante sete anos, considerando-os pois marido e mulher «ainda que nom sejam casados em façe da Igreja».
(...)
E inúmeras são as relações extra-conjugais (...) O Livro de Linhagens do Conde D. Pedro regista o nome de várias dezenas de barregãs, que o foram da maior parte dos nossos monarcas, de grandes nobres (Sousas, Maias e tantos outros) e, até, de bispos e arcebispos. Todos eles dessas barregãs ou «amigas» tiveram «filhos de gaança», isto é, ilegítimos. Esta mesma fonte revela também casos de abandono de esposas («leixou-a e nom curou mais dela») seguidos de raptos («roussos») de outras mulheres, tidas depois publicamente como barregãs. A multiplicação destes «maaos enxempros» no século XIV, ao nível da nobreza e da vilania, obrigou Afonso IV e D. Pedro a legislar sobre o assunto.
A família: o léxico, Leontina Ventura - páginas 110 a 114
29 de novembro de 2013
Concurso literário da Alfarroba Edições
A Alfarroba Edições promove o IV Concurso Literário Dona Alice Mexe o Tacho. O prémio, que privilegia contos «à volta de sabores, de comida, de receitas ou de alimentos» tem inscrições abertas até 31 de janeiro de 2014. Regulamento aqui.
Via Blogtailors
28 de novembro de 2013
Novidades Poética
Sessão de lançamento de Sementes Daqui, a obra vencedora do concurso literário Maria Ondina Braga Poesia 2013 e editada pela Poética Edições. A 30 de novembro, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga.
A Poética Livraria, em Macedo de Cavaleiros, antecipa a celebração do Dia do Livreiro e há livros com de 10% de desconto, se adquiridos nos dias 28, 29 e 30 de novembro.
Será com a Poética Edições que publicarei o meu próximo livro, em 2014.
O Intendente e os Patos-Bravos - uma carta de Abraão Forjaz
Abraão Forjaz é alguém que, de vez em quando, aparece no blogue do Manuel Cardoso. No Verão passado, foi publicada uma carta descoberta do seu espólio, dirigida ao seu amigo Visconde da Ribeira Seca, e que dá conta da situação do Reyno - qualquer semelhança com a atual será pura coincidência...
Meu caro Visconde, muita água tem corrido por baixo da ponte desde que o enviaram aí para o Brasil, como inspetor dos negócios de Pau Brasil.
Como sabe, há muito
que Sua Majestade se demitiu da governaçom do Reyno, (como se escrevia antes do
acordo ortográfico) deixando todo o poder nas mãos do nosso santo e sábio
Intendente. Dizem que vai por aí uma crise dos diabos, mas o certo é que temos herói
na coisa pública. Dizem que há por aí gente a passar fome de cão mas todos os
dias o nosso Intendente aparece nos noticiários, distribuindo sorrisos e
estórias de embalar.
Os patos bravos seguem-no
para todo o lado; são como moscas.
Alguns dizem que o
Intendente é um homem do povo; que subiu a pulso. Dizem ainda que é um homem
sensível, dedicado à sua missão, sábio, desinteressado… enfim, meu caro
visconde, só falta que o coloquem em cima de um andor e lhe façam uma
procissão.
Pois, e não será isso verdade?
perguntará o amigo Visconde.
De todo, como diria a
tia do Estoril. De todo. O homem é um nabo, para ser direto. O que acontece é
que anda na moda, que é como quem diz, cultiva a imagem. Veste bons fatos e
penteia-se bem, dirá o Visconde. Olhe que não, olhe que não, responderia o
Cunhal que Deus tem. O pior é que a imagem a que me refiro não é bem isso; é a
arte global de convencer os patos bravos a segui-lo até pertinho da falésia;
até que ele, em pessoa, surja em cima da dita cuja falésia, como um Cristo-Rei (ou
Corcovado como aí se diz) glorioso e triunfal, enquanto os patos bravos,
embalados por ele, não conseguirão travar e se esbardalharão por completo
falésia abaixo.
Então e a lei? Perguntará
o amigo Visconde. A lei, meu caro, tem sido o maior motivo de divertimento. O
nosso Intendente, no alto da sua sapiência inventou um expediente infalível:
sempre que lhe dizem que a lei não permite isto ou aquilo, faz beicinho, arrota
a bafio, deixa correr o ranho pelo nariz afora e, comovidos, os patos bravos
oferecem-se em sacrifício no altar da Pátria. 26 de novembro de 2013
A Barreira dos 100.000
O Andanças está de parabéns, ultrapassou a barreira das 100.000 visitas!
Sei que, em três anos, não é grande coisa (está longe de ser dos blogues mais visitados, mas também não é dos menos). Tenho, porém, muito orgulho nesta performance, conseguida praticamente sem ajudas.
Quando enfiei na cabeça que queria escrever um romance histórico, há 13 anos, eu era uma ilustre desconhecida, das mais desconhecidas que há, uma cidadã mais que anónima. Ainda por cima, a viver no estrangeiro, o que quer dizer que, em Portugal, poucos mais contactos tinha do que a própria família. Não tinha a menor espécie de conhecimentos no mundo editorial, ou jornalístico, só conhecia o nome das editoras que publicam livros escolares e os nomes dos jornais. Tanto assim era que, quando quis enviar o meu Afonso Henriques para publicação, não fazia ideia para onde.
Tem sido uma luta árdua, com muitos obstáculos, desilusões e desânimos. Mas, também, com recompensas. Não só consegui publicar três livros, como fui convidada para escrever em mais dois blogues (ver barra lateral).
Apesar dos três livros, porém, a experiência no mundo editorial tem sido bastante frustrante. Vendo livros, mas não recebo o dinheiro que me compete. Decidi mudar de editora, mas continuam a ignorar-me, leia-se, nem sequer me respondem. Além disso, sempre senti falta de conselho profissional, as revisões aos meus textos foram quase nulas. Por isso, tendo um pouco mais de experiência, estou eu a revê-los, a pensar em edições futuras (nunca se sabe, nem que sejam digitais).
A Cruz de Esmeraldas (que já foi A Moura e o Cruzado), levou um grande lifting, modifiquei muitos aspetos do enredo, cortei capítulos inteiros e inseri novos. Nalgumas partes, o texto está mesmo irreconhecível. Estou, agora, a rever Afonso Henriques - o Homem e, além de inúmeras pequenas correções e modificações, já lhe cortei cerca de dez páginas. E ainda não cheguei ao fim. Seguir-se-á o D. Dinis.
Mas há luz ao fundo do túnel. Tudo indica que publicarei novo livro em 2014! Será numa editora pequena, ainda desconhecida, mas mais honesta do que o que tenho conhecido até aqui. Além disso, estarei mais envolvida na própria publicação, o que é entusiasmante. Ainda é cedo para dar mais pormenores, fá-lo-ei brevemente!
A todos os que por aqui passam e, especialmente, a todos aqueles que leram os meus livros, o meus sinceros agradecimentos! Que seria de mim sem vocês? Muito obrigada :-)
25 de novembro de 2013
O Banqueiro Anarquista
Conhecemos Fernando Pessoa como poeta, mas ele também escreveu prosa, como este conto, com apenas 27 páginas, à disposição, no Projecto Adamastor, para Download gratuito (formato EPUB). Apesar de ser interessante, eu diria que é melhor ler a poesia de Fernando Pessoa. Achei O Banqueiro Anarquista um pouco datado, já que reflete sobre o sistema anarquista, que rejeita aquilo a que chama «ficções sociais» e que andava em voga na época em que foi escrito.
A troca de impressões entre o narrador e um banqueiro que se diz anarquista resume-se nos pressupostos: «O mal verdadeiro, o único mal, são as convenções e as ficções sociais, que se sobrepõem às realidades naturais» e «qualquer sistema que não seja o puro sistema anarquista, que quer a abolição de todas as ficções e de cada uma delas completamente, é uma ficção também». A suprema ironia é que o banqueiro chega à conclusão de que a única maneira de escapar às ficções sociais, ou seja, alcançar a completa liberdade, é usar o próprio sistema existente, acumulando a maior riqueza possível.
Como disse, é interessante, mas confesso que a prosa de Fernando Pessoa (pelo menos, esta prosa) não me cativou. Achei-a exaustiva e, perdoem-me, banal, o que prova que também os génios têm os seus momentos menos bons...
22 de novembro de 2013
O aspirador na floresta
Encontrar um aspirador num caminho florestal não é nada agradável. Que o diga a Lucy! Passeávamos com ela, no meio da Natureza, quando, ao fazer uma curva, deparámos com a silhueta de um aspirador deitado fora, a cerca de vinte metros. Aquele volume, tão parecido com o corpo de um qualquer animal, com um cano à frente, tipo tromba de elefante, criou suspeitas na cadelita. Ficou com medo, começou a andar de um lado para o outro, a rosnar, sem se querer aproximar.
Disse ao meu marido: «vai pôr-te ao lado do aspirador, enquanto eu fico ao pé dela». Ele assim fez. Lá chegado, chamou por ela e a Lucy quase se atreveu a ir ter com ele. Mas, depois de alguns passos, a mesma hesitação. Quem disse que devíamos confiar num aspirador? Afinal, ela não morre de amores por tais maquinetas. Até porque ainda não tem bem a certeza se o aspirador cá de casa se move por iniciativa própria, ou apenas quando é acionado por mim...
Pois, mas estávamos naquele impasse. Foi quando tive uma ideia e disse ao Horst: «Põe um pé em cima do aspirador, assim, numa pose de caçador que se orgulha da sua presa». E não é que deu resultado? A cadelita correu logo ao encontro dele. Depois de um curto exame, deu o aspirador como inofensivo e continuou o seu caminho.
É preciso usar de psicologia canina ;-)
E sou da opinião da Lucy:
- Um aparelho daqueles não tem nada que estar no meio da floresta, haverá outros sítios mais próprios para nos livrarmos de um aspirador velho...
Disse ao meu marido: «vai pôr-te ao lado do aspirador, enquanto eu fico ao pé dela». Ele assim fez. Lá chegado, chamou por ela e a Lucy quase se atreveu a ir ter com ele. Mas, depois de alguns passos, a mesma hesitação. Quem disse que devíamos confiar num aspirador? Afinal, ela não morre de amores por tais maquinetas. Até porque ainda não tem bem a certeza se o aspirador cá de casa se move por iniciativa própria, ou apenas quando é acionado por mim...
Pois, mas estávamos naquele impasse. Foi quando tive uma ideia e disse ao Horst: «Põe um pé em cima do aspirador, assim, numa pose de caçador que se orgulha da sua presa». E não é que deu resultado? A cadelita correu logo ao encontro dele. Depois de um curto exame, deu o aspirador como inofensivo e continuou o seu caminho.
É preciso usar de psicologia canina ;-)
E sou da opinião da Lucy:
- Um aparelho daqueles não tem nada que estar no meio da floresta, haverá outros sítios mais próprios para nos livrarmos de um aspirador velho...
19 de novembro de 2013
Antigamente é que era
Além da profusão de touch screens, tablets e telemóveis, a falta de tempo, nesta nossa era de velocidades alucinantes, parece ser responsável por os pais não lerem histórias aos filhos, ao deitar. Um estúdio do Guardian terá concluído que tal hábito foi reduzido ao nível drástico de 2% das famílias.
Sou sempre cética, quando se diabolizam os tempos atuais, falando de inversão de valores e perda de hábitos saudáveis. A nossa nostalgia por tempos antigos, normalmente, não se baseia no facto de que esses eram melhores, mas, simplesmente, porque olhamos com saudade para uma altura em que éramos bem mais novos. Concordo que não há aparelho nenhum que substitua um momento de leitura em companhia de quem amamos. Mas não se estará a usar, mais uma vez, as novas tecnologias e a presumível falta de tempo como bodes expiatórios?
Só 2% das famílias resistem. E qual era a percentagem de famílias que cultivavam este hábito há 20, 30 e 40 anos, em Portugal? Não conheço estatísticas nesse sentido, mas arriscaria a dizer que não seria muito maior (se o fosse). A mim, por exemplo, niguém leu histórias ao deitar (com, ou sem tablets; com, ou sem tempo). Ao meu irmão também não. E, no entanto, ele fá-lo hoje com os seus filhos - 1:0 para os tempos vertiginosos dos touch screens!
Isto deu-me uma ideia. Seria interessante que vocês contribuíssem para uma estatística deste género, respondendo a duas perguntas:
Os vossos pais liam-vos histórias, ao deitar?
Fazem isso com os vossos filhos?
Tenho a impressão de que os tempos modernos poderiam ganhar ;-)
P.S. Nunca se esqueçam de que fazer algo em conjunto com os filhos deve ter, como objetivo principal, reservar tempo para eles, seja a ler, a conversar, ou, apenas, a brincar.
16 de novembro de 2013
História da Vida Privada em Portugal - A Idade Média (3)
A vida no interior das residências de reis, bispos, membros da nobreza, era relativamente simples. Só a pouco e pouco, à medida que se foi caminhando para o final da Idade Média, as exigências de conforto passaram a ter maior expressão, quer ao nível dos objectos materiais de uso diário quer à multiplicação das dependências e do número de servidores, organizados hierarquicamente, adstritos às funções domésticas.
(...)
Os móveis eram reduzidos. Entre todos, o de maior excelência era a cama. Frequentemente deixada em testamento, particularmente a instituições religiosas, denuncia, neste caso, a importância de que gozava na sociedade medieval.
(...)
Quando se fala de camas, há que entender também todos os aprestos necessários à sua utilização. Colchas e cobricamas, almofadas, lençóis, cobertores, etc., gozavam da mesma importância e apreço que o leito propriamente dito.
A seguir à cama, o móvel mais difundido e mais útil era a arca. A sua função primordial era a de servir de guarda às roupas de vestir e aos objectos mais preciosos, mas também de mesa ou de apoio a outras funções. Era, sem dúvida, o móvel mais plurifuncional e, além disso, absolutamente indispensável aquando de deslocações.
(...)
Mesas e cadeiras, embora as houvesse, eram relativamente limitadas. Maior uso e difusão tinham os bancos, com ou sem encosto, sendo as cadeiras reservadas apenas a grandes senhores (reis, bispos e a mor fidalguia) e utilizadas em cerimónias de aparato, com um sentido muito preciso de poder.
(...)
A decoração das salas e câmaras dos paços fazia-se através de tapeçarias, panos-de-rás, couros lavrados.
(...)
A tapeçaria, de modo particular, alia ao aspecto utilitário a vertente moralizante ou celebrativa. Com efeito, a sua trama serve de suporte a grandiosas cenas e histórias do Antigo Testamento, a feitos de heróis da Antiguidade greco-romana, a façanhas gloriosas dos próprios encomendantes: a sua exposição permite, desta maneira, a evocação constante das virtudes ou dos feitos exemplares que todos devem seguir.
O Paço (José Custódio Vieira da Silva) - páginas 90/91
14 de novembro de 2013
Ele está de volta
Este livro desiludiu-me um pouco, talvez porque as expectativas eram enormes. Tanto o meu marido, como um sobrinho (ambos alemães) se fartaram de o elogiar, depois de ouvirem a versão audiolivro. Ora, essa versão é lida pelo ator/humorista Cristoph Maria Herbst, que, na comédia Der Wixxer, uma paródia aos filmes policiais ingleses dos anos 60, encarna o papel de um butler, Alfons Hatler, numa clara alusão a Adolf Hitler.
Cristoph Maria Herbst é exímio a imitar os trejeitos e a voz do ditador, pelo que dá um toque especial ao audiolivro.
Optando pela versão ebook, faltou-me a voz e o carisma do ator. E contava com uma ironia mais mordaz e mais momentos hilariantes. Na verdade, encontrei momentos bastante aborrecidos, quando o Hitler, ressuscitado em 2011, começa a divagar, bem ao estilo de Mein Kampf, o que, aliás, não pude apreciar, por falta de conhecimento de causa.
O grande problema deste livro, na minha opinião, consiste em o autor Timur Vermes gerir mal o balanço que se propôs fazer entre a sátira ao ditador racista, por um lado, e à sociedade em que vivemos, por outro. A figura de Hitler é usada para ridicularizar a sociedade atual, pondo o leitor na bizarra situação de concordar com o ditador, o que não me caiu bem.
Em abono do autor diga-se que Hitler não é levado a sério e visto como uma figura cómica, um mero imitador. Por outro lado, que escolha tinha Timur Vermes? Não é todos os dias que se assiste a uma ressurreição, seria natural que as pessoas assim reagissem. Como humorista, Hitler consegue grande êxito num programa televisivo, embora as opiniões se dividam. Torna-se naquele estilo de ator que, ou se ama, ou se odeia.
O livro tem os seus bons momentos em críticas, de facto, mordazes. Hitler fica, por exemplo, abismado com a importância e a quantidade de programas de culinária na televisão. Adorei a sua perplexidade ao constatar a enorme reverência com que uma senhora convidada de um desses programas observa o cozinheiro na espantosa atividade de picar cebolas e pimentos. E a sua ida à festa da cerveja, em Munique (Oktoberfest), onde o jet-set alemão faz questão de se exibir, constitui igualmente um momento alto. Assim como a sua ida à sede do NPD, o partido neo-nazi alemão. O ditador fica escandalizado com a falta de prestígio, disciplina e organização naquele casebre mal amanhado, nos subúrbios de Berlim. Indignado por só lá encontrar um jovem imberbe, mal vestido e sem saber falar em condições (o típico skinhead), exige a presença do representante máximo do partido, ao qual dá um valente raspanete. Tudo fica registado em vídeo e a cena será responsável por um pico de audiências no seu programa.
Nota: li a versão alemã, pelo que nada posso dizer sobre a tradução portuguesa. Mas encontrei piadas que dificilmente serão entendidas pelo público português, pelo que me pergunto como o/a tradutor/a resolveu esse problema (não consegui saber o nome do/a tradutor/a, na página da editora não encontrei qualquer informação sobre o livro!).
12 de novembro de 2013
Retrato do egoísta
Porque não teve infância, não a permite aos filhos. Vê-os como prolongamento de si próprio e não lhes consente felicidades que não viveu. Assegura que quer o melhor para eles, mas esse «melhor» limita-se a sinais exteriores: dinheiro, bens materias, habilitações literárias... Neste seu empenho é até elogiado por ser bom pai. Mas tem para si que a vida interior - amor, felicidade, autoestima, personalidade - não deve ser neles melhor do que aquilo que conhece (e conheceu). Não suporta que o seja.
Torna-se-lhe doloroso ver os filhos como seres autónomos, fruto de uma inveja não passível de ser dominada. Confunde a sua vida com a deles, criando a sensação que lhes é dada uma segunda oportunidade de nascerem, viverem e serem felizes. É-lhe doloroso parar para refletir, constatar que comete uma injustiça, recusando-se a admitir que também os filhos só nascem uma vez e não vêm ao mundo com a bagagem que ele possui, nem têm culpa daquilo que sofreu, daquilo de que foi obrigado a prescindir. Anda demasiado ocupado com as suas carências e problemas, ocupado com as suas armadilhas de vida.
Um dia, quando for velho e doente, há de queixar-se de que os filhos não lhe ligam...
Torna-se-lhe doloroso ver os filhos como seres autónomos, fruto de uma inveja não passível de ser dominada. Confunde a sua vida com a deles, criando a sensação que lhes é dada uma segunda oportunidade de nascerem, viverem e serem felizes. É-lhe doloroso parar para refletir, constatar que comete uma injustiça, recusando-se a admitir que também os filhos só nascem uma vez e não vêm ao mundo com a bagagem que ele possui, nem têm culpa daquilo que sofreu, daquilo de que foi obrigado a prescindir. Anda demasiado ocupado com as suas carências e problemas, ocupado com as suas armadilhas de vida.
Um dia, quando for velho e doente, há de queixar-se de que os filhos não lhe ligam...
11 de novembro de 2013
859º aniversário de D. Sancho I
Aguarela de Carlos Alberto Santos |
À altura do seu nascimento, D. Sancho I não estava destinado a ser o segundo rei de Portugal. A prová-lo, está o facto de ter sido baptizado com o nome de Martinho, por ter nascido a 11 de Novembro. Martinho era, no entanto, um nome sem tradição entre os reis hispânicos. E, passado algum tempo (de seis meses a um ano), mudaram-lhe o nome para Sancho. Ler mais...
Embora fosse o único filho
legítimo de D. Afonso Henriques a sobreviver à infância, D. Sancho I não seria
muito parecido com seu pai. Mas era um homem
muito letrado e inteligente. Na sua História de Portugal, o Professor
Veríssimo Serrão compara-o mesmo a D. Dinis e reporta-se a uma conhecida
balada, que D. Sancho terá composto para a sua barregã preferida, D. Maria Pais
Ribeira, mais conhecida por Ribeirinha. Ler mais...
10 de novembro de 2013
Da obediência
Este romance, com o título Ein Sonntag auf dem Lande (um domingo na província), do autor francês Pierre Bost, chamou-me a atenção num catálogo de livraria. Apesar de já ter sido escrito em 1945, só agora foi editado em língua alemã.
O velho Monsieur Ladmiral recebe, todos os domingos, na sua casa de província, a visita do filho Gonzague e da filha Irène. Gonzague vem acompanhado da mulher e dos filhos. É um homem pacato, cioso dos seus deveres, atencioso, obediente, tolerante ao ponto de se negar a si próprio e, apesar de amar o pai com grande devoção, só colhe desprezo da parte do progenitor. Irène vem, como sempre, sozinha. Não dá contas da sua vida a ninguém, tanto do ponto de vista profissional, como amoroso. É irreverente, barulhenta, atrevida e... a preferida do pai!
O romance vive da descrição destes encontros familiares, carregados de uma tensão latente. E o autor revela-nos a origem do desprezo que Monsieur Ladmiral reserva ao filho. Gonzague, no fundo, espelha o carácter do pai, um pintor com um certo sucesso, mas convencional, que, no fim da vida, se arrepende de nunca ter ousado inovar, como outros colegas que revolucionaram a pintura. O próprio descreve a sua amargura da seguinte forma: «Acreditei nos meus mestres... A verdadeira liberdade tem os seus alicerces na obediência, diziam eles... Caí na armadilha, e como!»
Para que conste!
7 de novembro de 2013
E o que têm os escritores portugueses a oferecer aos alemães desinformados?
Espera, há de passar-se alguma coisa!
Assim traduzi Warte nur, es passiert schon was, o título de um livro de contos (os contos, no seu regresso triunfal), agora publicado na Alemanha, do autor e jornalista grego Christos Ikonomou. E de que tratam estes contos? Da atual crise grega. As personagens deixaram de ser donas da sua vida, porque os seus destinos pouco contam na política dos burocratas de Bruxelas, obcecados por números. Como Takis, por exemplo, que perdeu a mulher há pouco tempo e não consegue sustentar sozinho os dois filhos, apesar de ter dois empregos; ou um casal, que já não consegue pagar a renda de casa e será, em breve despejado - enquanto o homem se limita a embebedar-se, enfiado na cama, a mulher, cansada, põe-se em divagações sobre o fracasso das revoluções; ou os reformados, que se encontram numa longa fila de espera, em frente de um consultório médico, e começam a discutir uns com os outros, sobre coisas sem importância, na sua necessidade de descarregar as suas frustrações.
Trata-se de gente sem esperança, gente que se sente traída, depois de uma vida de trabalho e de sacrifícios.
Christos Ikonomou ganhou, em 2011, um prémio literário na Grécia. Os alemães acharam o seu livro digno de ser traduzido e publicado no seu país, cujos cidadãos não fazem ideia do que se passa na Grécia, em Portugal e na Espanha. Quem comprar este livro, ficará mais informado.
E sobre o que escrevem os autores portugueses?
5 de novembro de 2013
História da Vida Privada em Portugal - A Idade Média (2)
Como é evidente, a escrita medieval é inicialmente monopólio da Igreja. Só a partir do século XII começa a ser usada também pelos príncipes e senhores, mantendo-se, no entanto, até aos finais do século XV, o controle clerical sobre toda a escrita, mesmo a que dimanava do poder político. Ora a escrita clerical dita as normas, expõe as crenças, legitima as práticas, mas não descreve a realidade. No fim do Império Romano, a Igreja, tendo alcançado uma posição de poder, combate a desordem bárbara, defende a paz social, a hierarquia e o respeito pela lei. Carlos Magno consagra o princípio de que o poder terrestre tem como objectivo final o Reino de Deus sobre a Terra. A sociedade cristã deve aproximar-se tanto quanto possível do seu modelo ideal que é a Jerusalém celeste.
Neste quadro, o que importa é a ordem pública. Imposta e mantida a estrutura social, definido o bem e o mal, faz parte da estratégia da Igreja apelar constantemente para o ideal como uma meta colectiva, mas não tanto denunciar o hiato entre o modelo e a realidade. O pecado só é denunciado quando se torna público, para evitar a sua propagação. O que se passa na vida privada deve ser secreto. Compete ao chefe de família ou da linhagem velar pelo cumprimento da norma no espaço doméstico.
Introdução (José Mattoso e Bernardo Vasconcelos e Sousa) - página 18
(destaques da minha responsabilidade)
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