Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

19 de fevereiro de 2014

As crianças e o medo


Conselhos para lidar com o medo das crianças, do psicólogo alemão Ulrich Toberge, diretor do centro de atendimento católico para questões de educação, no bispado de Osnabrück:

Os chamados medos ancestrais - medo do fogo, da dor, da escuridão, ou de ruídos repentinos - são inatos. Constituem uma espécie de sistema de prevenção. Se não os tivéssemos, não reconheceríamos muitos perigos. Sem medos, a humanidade talvez já estivesse extinta.

Uma infância sem medos só é desejável à primeira vista. Os medos típicos desta fase são normais e até importantes para o desenvolvimento. Todas as etapas de crescimento possuem medos próprios e produzem emoções que fortalecem a criança. Quem entra numa nova fase, fica nervoso, pensa que não vai superar os novos desafios que se lhe apresentam. Mas vencer esses desafios dota-nos de coragem e contribui para o nosso amadurecimento psicológico. Por isso, o evitar de medos significa estagnação, virar as costas ao mundo.

Os pais devem levar os medos dos filhos a sério e evitar frases do estilo: «Não tenhas medo disso», ou «Não se deve (ou não é preciso) ter medo disso». Mesmo que nos soe estranho, é aconselhável descer ao nível da criança. Se ela tem medo do crocodilo debaixo da cama, examinar bem o local com uma pilha, em conjunto com ela, e dizer, amigavelmente: «Estás a ver? Não há nada aqui debaixo». E oferecer-lhe ajuda: «Se tornares a ter medo, podes vir ter com a mamã ou o papá». O importante é transmitir segurança, ouvir atento a descrição dos medos da criança e fazer perguntas, até ter a certeza do que a angustia.

Na puberdade, atitudes de insegurança, isolamento e introversão são perfeitamente normais. Os pais não devem logo entrar em pânico, antes tentar permanecer em diálogo com o/a filho/a.

Os pais também podem fomentar medos nas crianças, se eles próprios recearem as novas fases e evitarem as experiências com elas relacionadas. Transmitem, assim, a técnica do evitar, do não enfrentar. Especialmente negativa é uma educação cheia de receios e avisos, em que se descrevem cenários maléficos, do género: «Se não fizeres isto, acontece-te aquilo e aqueloutro». E muito importante: em caso algum usar de violência, ou ser agressivo verbalmente, com berros e/ou ameaças!

É claro que também há perigos reais para as crianças. As que já frequentam a escola devem aprender que é aconselhável seguirem a sua intuição. Se elas se sentem desconfortáveis na companhia de determinado adulto, devem saber que não precisam de ser sempre amigáveis e simpáticas e que podem procurar ajuda ou o conselho de alguém da sua confiança.

Se uma criança se modifica, deixa de rir, de ter vontade de brincar, de visitar amigos ou não quer ir para a escola, os pais devem imperiosamente ouvi-la atentos, se ela resolve contar-lhes os seus problemas. Quem se sente sem capacidade para lidar com certos medos dos filhos, deve procurar ajuda profissional.

Adenda: consegui agora o link que dá acesso ao artigo, que foi publicado na edição em papel da KirchenZeitung de 27.01.2014. Os artigos só ficam disponível online para não-assinantes passado um certo tempo. Para este post, não só fiz a tradução, como um resumo do artigo em questão, publicado originalmente sob a forma de entrevista.


4 comentários:

  1. O essencial, relativamente aos medos, antes de os combater, é necessário saber interpreta-los, conhecer-lhes a origem, e em seguida, desmonta-los. A sensação de medo, tem origem no desconhecimento, na falta de referências que nos ajudem a compreender. Estou a lembrar-me por exemplo do tenebroso "Gigante Adamastor" que, depois de "amansado" por Bartolomeu (só podia ter sido um Bartolomeu, carágus!!!) passou a chamar-se Cabo da Boa Esperança. Cantado por Camões e recantado por Pessoa que a propósito rimou na sua "Mensagem":
    O mostrengo que está no fim do mar

    Na noite de breu ergueu-se a voar;
    À roda da nau voou trez vezes,
    Voou trez vezes a chiar,
    E disse: «Quem é que ousou entrar
    Nas minhas cavernas que não desvendo,
    Meus tectos negros do fim do mundo?»
    E o homem do leme disse, tremendo:
    «El-rei D. João Segundo!»

    «De quem são as velas onde me roço?
    De quem as quilhas que vejo e ouço?»
    Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,
    Trez vezes rodou immundo e grosso.
    «Quem vem poder o que só eu posso,
    Que moro onde nunca ninguém me visse
    E escorro os medos do mar sem fundo?»
    E o homem do leme tremeu, e disse:
    «El-rei D. João Segundo!»

    Trez vezes do leme as mãos ergueu,
    Trez vezes ao leme as reprendeu,
    E disse no fim de tremer trez vezes:
    «Aqui ao leme sou mais do que eu:
    Sou um povo que quere o mar que é teu;
    E mais que o mostrengo, que me a alma teme
    E roda nas trevas do fim do mundo,
    Manda a vontade, que me ata ao leme,
    D' El-rei D. João Segundo!»

    Estou a lembrar-me também da reação da Lucy, quando deparou com aquele monstro estranho, no caminho da floresta e de como se animou quando os donos lhe demonstraram que o monstro afinal era somente um inofensivo e inútil, aspirador. Bom... inútil, não, porque ainda podia ser reciclado.
    ;)))

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  2. Agora, fizeste-me lembrar os meus tempos de estudante ;))

    Olha,o exemplo da Lucy é bem bom. Imagina que em vez da cadela era uma criança a ter medo de algo inofensivo, mas que ela não conhecia. Seria contra-producente berrar com ela, ordenar-lhe que não tivesse medo, antes de lhe explicar do que se tratava. Descer ao seu nível e mostrar-lhe que não há perigo é, de facto, a melhor solução ;)

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  3. É isso mesmo que pretendo, Daniel: criar motivos de reflexão ;)

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