Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

6 de agosto de 2014

O petroleiro que explodiu no Porto

Foto de Tiago Barbosa

Durante cerca de vinte anos, este pedaço de petroleiro permaneceu encalhado mesmo em frente ao Forte de São Francisco Xavier, vulgo Castelo do Queijo, no Porto, tornando-se um ícone involuntário da cidade. Note-se que esta fotografia, alegadamente tirada nos anos 1990, apresenta a proa já sujeita a duas décadas de erosão marítima (mesmo assim, de um tamanho considerável, se compararmos com as pessoas que andam pela praia, à esquerda). Eu ainda me lembro dela bem maior, como uma parede bizarra, que, sob determinado ângulo, nos impedia a visão para o mar aberto. Mais do que uma parede, a proa apontada ao céu dava-me a ideia de que um enorme navio estava prestes a surgir das profundezas do mar (sensação só percebida ao vivo, em frente da proa, tal como ela se apresentava nos anos 1970; infelizmente, não tenho nenhuma fotografia).

O acidente deu-se em janeiro de 1975, tinha eu nove anos. O petroleiro dinamarquês "Jakob Maersk" embateu possivelmente num banco de areia, ao manobrar, junto ao porto de Leixões. Um incêndio deflagrou na casa das máquinas e foi alastrando, provocando explosões monumentais, devido à carga de cerca de 80.000 toneladas de crude. Sete tripulantes perderam a vida. O navio ardeu durante três dias, em chamas que atingiram os 100 metros de altura, e acabou por se partir em três partes. Duas delas afundaram-se, mas a parte dianteira ficou à deriva, acabando por encalhar junto ao Castelo do Queijo.



Eu morava em Vila Nova de Gaia, perto da praia de Salgueiros, a cerca de dez quilómetros do porto de Leixões (distância ao longo da costa), e lembro-me de ver aqueles rolos de fumo negro a cobrir o céu. Naquela idade, fazia-me confusão o incêndio não se extinguir à noite, quando íamos dormir, e ainda lá estar, no dia seguinte. Na verdade, os bombeiros não tinham meios para combater tal calamidade e deixaram o crude arder.

Foi um fim de janeiro infernal, no Porto e arredores, pouco depois da Revolução dos Cravos. Um prenúncio do Verão Quente, que se verificaria nesse ano...



A proa lá ficou e tornou-se-nos familiar. Eu mal me lembrava da paisagem à volta do Castelo do Queijo sem aquela ponta de navio apontada ao céu. Vim para a Alemanha em 1992 e os meus pais saíram de Gaia poucos anos depois. As minhas idas ao Porto tornaram-se raras, as idas àquele local ainda mais. Estive lá, por fim, há meia dúzia de anos e o Castelo do Queijo pareceu-me estranho sem aquele destroço à frente. Assim é que deve ser, claro, mas confesso que me senti defraudada, uma sensação de perda, como se, depois da uma ausência de vários anos, não me fosse permitido regressar ao lugar que deixara.

Hoje em dia, uma das âncoras do "Jakob Maersk" está exposta, em Leixões, ou Matosinhos (lamento, mas não consegui saber onde), em homenagem às vítimas e relembrando um dos maiores acidentes navais da nossa costa.


Foto copiada deste site


Aqui, um vídeo feito a partir de várias fotografias.
Algumas informações também no Facebook.

Nota 1: a ideia para este post foi-me dada pela Vespinha, que recordou o "Tollan".

Nota 2: E, passados sete anos depois da publicação deste post, o António Bettencourt informou onde se encontra a âncora: «junto à entrada da Marina de Leça, do Instituto de Socorros a Náufragos e do restaurante Marina Club».

«Localização no google maps: 41.187717, -8.704592 ou 41°11'15.8"N 8°42'16.5"W»

Obrigada, António.




6 comentários:

paulofski disse...

Lembro-me bem disso, até porque teremos sensivelmente a mesma idade.
Aqui numa aventura de infância que conto, há uma pequena referência e fotografia da ferrugenta e sinistra proa no Castelo do Queijo :)

Cristina Torrão disse...

Gostei da história, paulofski :)

Por acaso, nunca andei pendurada num eléctrico ou trólei, enfim, as meninas não eram tão dadas a isso. Mas uma vez, ao sair da camioneta, calculei mal a velocidade (pensei que ia mais devagar, já se estava a aproximar da paragem) e saltei. Dei um trambolhão monumental e tive muita sorte em não me magoar seriamente, ou até ter ficado com a cabeça debaixo da roda. É que na altura da queda, perdi a orientação, podia ter caído de maneira bem diferente...

Enfim, cá estamos para o contar ;)

Tiago Barbosa disse...

A primeira foto é da minha autoria. Ficava bem pedirem autorização ou referenciarem.

Muito obrigado,

Tiago Barbosa

António Bettencourt disse...

A âncora está junto à entrada da Marina de Leça, do Instituto de Socorros a Náufragos e do restaurante Marina Club.

Localização no google maps: 41.187717, -8.704592 ou 41°11'15.8"N 8°42'16.5"W

Cristina Torrão disse...

Muito obrigada pela informação, António Bettencourt.

Cristina Torrão disse...

Peço imensa desculpa, Tiago Barbosa. A informação não estava no local de onde copiei a foto e não tinha meios de o saber. Também só agora li o seu comentário, pois, em 2018, não tinha ainda acionado a moderação. E o post é de 2014, não notei que tinha sido comentado em 2018. Vou já fazer a referência.