Poucos livros me emocionaram tanto como este.
Através do Farrusco, Isabel Mateus refere a extinção de um modo de vida transmontano: a pastorícia. Somos transportados para um tempo e um lugar onde a luta pela sobrevivência é dura, tanto para humanos, como para animais. E, no entanto, há quem saiba perfeitamente corresponder à empatia transmitida por um cão, assim como há quem lhe fique indiferente, ou a despreze. Não tenho dúvida de que o coração de um homem se pode medir pela maneira como ele trata os animais. Sendo eles o símbolo da nossa essência, despertam o mais íntimo do nosso carácter, seja a comunhão de sentimentos, a mera indiferença, ou a crueldade, sem pruridos.
Através do Farrusco, Isabel Mateus refere a extinção de um modo de vida transmontano: a pastorícia. Somos transportados para um tempo e um lugar onde a luta pela sobrevivência é dura, tanto para humanos, como para animais. E, no entanto, há quem saiba perfeitamente corresponder à empatia transmitida por um cão, assim como há quem lhe fique indiferente, ou a despreze. Não tenho dúvida de que o coração de um homem se pode medir pela maneira como ele trata os animais. Sendo eles o símbolo da nossa essência, despertam o mais íntimo do nosso carácter, seja a comunhão de sentimentos, a mera indiferença, ou a crueldade, sem pruridos.
O Farrusco foi feliz enquanto teve um dono que lhe apreciava
as capacidades, reconhecia-o
como parceiro indispensável na guarda do rebanho, um trabalho perigoso, quando
se tratava de defender as ovelhas dos lobos e até de ladrões de gado. Mas dava sentido à sua vida.
Quando o dono emigrou, o Farrusco foi guiado para um novo lar, de um pastor que nunca o respeitou. Nem sequer lhe dava comida
suficiente e não hesitava em castigá-lo duramente com o seu cajado, caso algo não
lhe agradasse. Quando o Farrusco, apesar de não ser velho, já de nada lhe
servia, pois também este pastor vendeu o seu rebanho, o homem tratou de se
livrar dele. Encarregou um seu neto de empurrar o cão para dentro de uma cova, que dava acesso a uma antiga mina de ferro, provocando sofrimento atroz também à criança, sem arcaboiço para carregar com tamanha culpa.
O Farrusco sobreviveu uma semana no escuro, ferido, sem água nem comida. Um grupo de crianças atendeu ao seu ganir desesperado e conseguiu salvá-lo. Uma idosa, que o conhecia de outros tempos, deu-lhe guarida. O Farrusco, embora sentindo que não levava a vida para que fora destinado, adaptou-se àquela velhinha que o tratava com dignidade, dividindo com ele o pouco que tinha. Mas a senhora não resistiu a mais um inverno rigoroso das montanhas transmontanas. O Farrusco acompanhou o caixão ao cemitério, ficou lá um dia inteiro de guarda, na neve, e voltou, depois, à sua vida errante, sem comida certa. Desaparecia dias a fio, no meio das montanhas, e regressava à aldeia, mais escanzelado do que nunca, dependendo da caridade, que era pouca.
O Farrusco sobreviveu uma semana no escuro, ferido, sem água nem comida. Um grupo de crianças atendeu ao seu ganir desesperado e conseguiu salvá-lo. Uma idosa, que o conhecia de outros tempos, deu-lhe guarida. O Farrusco, embora sentindo que não levava a vida para que fora destinado, adaptou-se àquela velhinha que o tratava com dignidade, dividindo com ele o pouco que tinha. Mas a senhora não resistiu a mais um inverno rigoroso das montanhas transmontanas. O Farrusco acompanhou o caixão ao cemitério, ficou lá um dia inteiro de guarda, na neve, e voltou, depois, à sua vida errante, sem comida certa. Desaparecia dias a fio, no meio das montanhas, e regressava à aldeia, mais escanzelado do que nunca, dependendo da caridade, que era pouca.
Um dia, Josefina, uma das crianças que o tinha resgatado da cova, decidiu segui-lo. E viu-o encaminhar-se para o local onde o seu primeiro dono havia construído um bardo (curral de ovelhas), assim como um abrigo para ele próprio, a fim de passar as noites de estio com o rebanho no monte. Apenas lá se encontrava o abrigo abandonado, mas o Farrusco via o bardo e as ovelhas, recordando os melhores momentos da sua vida, em
plena comunhão com o pastor, os dois se apoiando na solidão mútua. Um bom lugar
para se despedir deste mundo...
Este pequeno grande livro (118 páginas, com ilustrações de Cristina Borges Rocha) vale pelo estilo despojado e que inclui termos esquecidos e/ou pouco usados e pela maneira como Isabel Mateus nos consegue dar a perspetiva do animal, perfeitamente verosímil. Um cérebro, sem dúvida, menos incapacitado do que o nosso, mas, por isso mesmo, tão tocante. A inteligência sofisticada não está lá, mas aquilo que constitui a essência de um ser vivo: o sentido do dever, a fidelidade à família e a saudade dos tempos em que o mundo ainda fazia sentido, quando se dá conta de que tudo é perene e todo o fim é amargo. Restam as lembranças...
Este pequeno grande livro (118 páginas, com ilustrações de Cristina Borges Rocha) vale pelo estilo despojado e que inclui termos esquecidos e/ou pouco usados e pela maneira como Isabel Mateus nos consegue dar a perspetiva do animal, perfeitamente verosímil. Um cérebro, sem dúvida, menos incapacitado do que o nosso, mas, por isso mesmo, tão tocante. A inteligência sofisticada não está lá, mas aquilo que constitui a essência de um ser vivo: o sentido do dever, a fidelidade à família e a saudade dos tempos em que o mundo ainda fazia sentido, quando se dá conta de que tudo é perene e todo o fim é amargo. Restam as lembranças...
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