Obra marcada por uma viagem ao reino da fantasia, registo
incomum em Eça, assim como a moralidade latente, mais uma surpresa deste grande
escritor, que se revela filósofo, na medida em que é um pensador da condição humana e de
tudo aquilo que nos move.
A nota moralista está presente logo no início, ainda antes
de começar a narrativa:
«A luta pelo dinheiro é santa - porque é, no fundo, a luta
pela liberdade: mas até uma certa soma. Passada ela - é a tristonha e baixa
gula do ouro».
E, perto do fim, um aviso de Teodoro, o narrador e
personagem principal, já que o romance (ou novela) é escrito na primeira
pessoa, em flash-back:
«Só sabe bem o pão que dia a dia ganham as nossas mãos:
nunca mates o Mandarim!»
Eça segue aqui o mito da venda da alma ao diabo, talvez
inspirado por Fausto, de Goethe. Basta
tocar uma campainha para matar o Mandarim, que aliás já é muito velho, e herdar-lhe a
imensa fortuna. Uma personagem misteriosa convence Teodoro a dar o passo definitivo (o próprio diabo?).
Porém, ele é incapaz de se manter lúcido, depois de herdar os milhões, cai numa
vida frustrante, de tão ociosa e fútil, ao mesmo tempo que é atacado por
sentimentos de culpa.
No desejo imperativo de fazer alguma coisa pela família do
Mandarim, caída na miséria, Teodoro parte para a China, império por onde vagueia, sem
encontrar quem procura e expondo-se a perigos. Grande parte dos chineses é
apresentada aqui como ignorante e violenta, o que, aos olhos de hoje, roça o racismo. Numa leitura atenta, porém, constata-se que Eça não critica os chineses em particular, mas
sim todos aqueles que são ignorantes, desconfiam de estrangeiros e se deixam
levar pela cobiça.
Uma leitura fascinante, marcada pela habitual ironia deste
génio da literatura.
Nota: li a versão digital do Projecto Adamastor, download gratuito aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário