Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

10 de junho de 2017

Três Mares





O amor tem múltiplas cores.
A vida inúmeros arco-íris.
O mar, apenas a cor do nosso olhar.

(In Mares)

Neste livro do poeta José Luís Outono, encantou-me a alternância entre os hinos ao amor («e o amor é um diamante raro», in Tempos Afogados), a reflexão filosófica e a crítica social e política, esta, por vezes, muito dura, como em Estragos:

Tentei não obedecer ao bloqueio da razão.
Subi acima das nuvens secretas,
e olhei o contorno simétrico da ética.

E vi.

O dislate humano da insensatez.
O vácuo dos ideais ditos inovadores.
O riso estridente da arrogância.
O sonambulismo parvo da complexidade.
O desvio credenciado do engano.
O diploma vingador do incómodo.

E li.

As notícias prefabricadas de vendas e saldos combinados.
Os ensaios plagiados de instintos inflamados.
Os relatórios pérfidos da poupança promotora.
As contas subtis do despesismo titular.
A listagem mórbida do emagrecimento sociocultural.

E pensei.

Gostava tanto que fosse engano.

Algo que igualmente muito me agradou foram as alusões à Revolução de Abril, que surgem aqui e ali, como em Saudades:

Conheci-te, numa madrugada de Abril. Os teus olhos
eram um poema de liberdade, num mar de cravos esperança.
Tinhas o mais bonito nome de mulher verdade - Democracia.
Hoje, quarenta anos decorridos, beijo ainda alguns momentos
da tua beleza, que sabem a pouco, neste dizer ladino,
de homem apaixonado.

Especialmente comovente é o poema Escrito na Tarde do Dia 25 de Abril de 1974 (José Luís Outono cumpria serviço militar na Guiné), do qual transcrevo alguns excertos:

Bem longe, desse Continente de confusões,
entendo agora, meu pai, as tuas palavras.
Quando me avisavas dos gritos de dor da António Maria Cardoso
(…)
Quando esboçavas um pestanejar,
ao ver-me com uma farda obrigatória,
e dizias em gozo certeiro - Mocidade?
(…)
Quando me viste partir para este inferno colonial,
e com um abraço disseste - Não te esqueças de regressar.

Como se vê, um livro lindíssimo, que contém ilustrações do próprio autor e que nos surpreende a cada esquina:

ainda bem que o reino animal
é insensível às promoções de conveniência
e continuam a soletrar atitudes tocantes
que os humanos ignoram por vaidade superior

(In Gritos Nascentes)

Desculpa, meu amor, mas hoje mergulhei em águas sofredoras e estou muito pensativo. Lembras-te? As mesmas águas onde já mergulhámos felizes, são hoje cemitérios ou corredores de sofrimento.
Impossível!

(In Olhares Nublosos)

por vezes apetece inverter as cores
num esperançar de ver receios abraçar coragens

(In Por vezes)

Para quem gosta de poesia e não só…


1 comentário:

OUTONO disse...

Minha cara amiga,
Um abraço muito grato, pela leitura, análise e partilha.
JLO