Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

30 de novembro de 2022

Rsistência em alemão (2)

Sophie Scholl

As memórias de Traudl Junge, secretária de Hitler, serviram de base ao filme A Queda (Der Untergang), no qual o falecido Bruno Ganz interpreta o ditador nazi. No início de 1945, Traudl Junge foi uma das colaboradoras do Führer admitida no bunker construído por baixo da chancelaria do III Reich. No filme, ela é interpretada pela atriz Alexandra Maria Lara.

Terminada a guerra, os Aliados ilibaram-na de culpas, muito devido à sua idade. Traudl Junge tinha 22 anos, quando começou a trabalhar para Hitler, e 25, quando a guerra terminou. Pouco antes da sua morte, vi partes de uma entrevista sua, na televisão. Dizia ela que, durante muito tempo, assim acreditara ter sido: Hitler sempre fora simpático com ela, nova demais para tomar verdadeira consciência do carácter e das atrocidades cometidas em nome dele. Um dia, porém, numa placa de homenagem a Sophie Scholl, não conseguiu desviar o olhar da data de nascimento: 9 de Maio de 1921. Traudl Junge, nascida a 16 de Março de 1920, era um ano mais velha. E, pela primeira vez, aceitou aquilo que se esforçava por recalcar: a idade não pode servir de desculpa, ou pretexto, para fechar os olhos.

Sophie Scholl, Hans Scholl, Christoph Probst - Fot

Sophie Scholl com o irmão Hans (à esquerda) e Christoph Probst

Foto: George (Jürgen) Wittenstein/akg-images

À semelhança do seu irmão Hans, dois anos e meio mais velho, Sophia Magdalena „Sophie“ Scholl começou por se agradar do ideal comunitário propagado pelo partido nazi e ingressou, com treze anos, na BDM, uma organização de raparigas equivalente à Juventude Hitleriana. Os pais nunca simpatizaram com o regime de Hitler e não viam com bons olhos estas opções dos filhos. Mas deram-lhes liberdade de escolha. Passados dois anos, depois de terem conhecido as organizações por dentro, tanto o filho, como a filha, lhes viraram as costas.

A leitura das obras de Santo Agostinho de Hipona parece terem sido essenciais para uma nova orientação na vida de Sophie Scholl, em defesa dos valores cristãos. E, em Maio de 1942, ingressou nos cursos de Biologia e Filosofia na Universidade Ludwig-Maximilian de Munique, onde o irmão estudava Medicina. Assim entrou ela em contacto com opositores do nazismo.

Sophie ingressou no grupo “Rosa Branca” (Weiße Rose), participando na criação e distribuição dos folhetos, apesar de o irmão ter tentado afastá-la da oposição ativa ao regime. O sucesso do grupo, alargando os seus contactos e fazendo chegar os seus escritos a outras cidades, chamou a atenção da Gestapo. A temida polícia política iniciou uma averiguação quanto à origem dos escritos e, em Fevereiro de 1943, já desconfiava do meio estudantil de Munique.

A 18 desse mês, um funcionário da Universidade Ludwig-Maximilian descobriu os irmãos Scholl a distribuírem os panfletos. Depois de serem interrogados pela reitoria da Universidade, foram entregues à Gestapo. Das atas do interrogatório, consta que Sophie Scholl tudo terá feito para garantir serem ela e o irmão os mais altos responsáveis pelos textos distribuídos, a fim de proteger outros membros do grupo.

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Fotografia da Gestapo de Sophie Scholl, tirada depois da sua captura a 18 de Fevereiro de 1943

Os dois foram condenados à morte apenas quatro dias depois e a sentença, por decapitação (guilhotina), executada nesse mesmo 22 de Fevereiro de 1943. Sophie Scholl não tinha ainda completado os 22 anos.

Os irmãos Scholl, mas principalmente Sophie, já serviram de inspiração a vários filmes, livros, peças de teatro e exposições. Na Alemanha, há inúmeras ruas e praças com o seu nome, assim como quase duzentos liceus.

16 de novembro de 2022

Resistência em alemão (1)

Hans Scholl

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Direitos: C.H. Beck Verlag in "Flamme sein" von Robert Zoske

Em tempos conturbados, muito por causa de uma guerra em solo europeu, começo uma série sobre alemães que se opuseram ao nazismo, pois, embora haja conhecimento de alguns exemplos, penso ser, no geral, algo pouco conhecido fora da Alemanha. E é sempre bom relembrar exemplos de quem reage ao populismo/fascismo, mesmo que, num primeiro momento (em alguns casos) se deixasse ir na onda de quem promete soluções simples para problemas complicados, em nome de uma pretensa salvaguarda de valores.

Ao estudar este assunto, surpreendeu-me que muitos desses resistentes fossem prelados, Católicos e Protestantes, apesar de a Igreja ser acusada (com razão) de ter sido demasiado passiva, durante a 2ª Guerra Mundial. Mas houve, de facto, quem levantasse a voz em nome dos princípios cristãos, também muitos leigos. É o caso de Hans Fritz Scholl.

Os irmãos Scholl (Hans e Sophie) são dos mais conhecidos opositores ao nazismo, principalmente, Sophie Scholl, sobre a qual já se rodaram filmes e escreveram livros. Mas começo pelo irmão, pois ele foi um dos fundadores da “Rosa Branca” (Weiße Rose), um movimento estudantil baseado em princípios cristãos e humanistas, surgido em Junho de 1942, na Universidade Ludwig-Maximilian de Munique. Passado um ano, estava já aniquilado e os seus principais membros executados pelo regime nazi.

Sophie Scholl, Hans Scholl, Christoph Probst - Fot

Da esquerda para a direita: Hans Scholl, Sophie Scholl, Christoph Probst (os primeiros a serem executados)

Foto: George (Jürgen) Wittenstein/akg-images

O grupo clandestino “Rosa Branca” escrevia, imprimia e distribuía folhetos, nos quais dava conhecimento dos crimes do regime e apelava à oposição. As primeiras distribuições resumiam-se à região de Munique, depois, arranjaram quem o fizesse também noutras cidades. Pouco antes de o grupo ter sido descoberto, andava em contactos com outros grupos oposicionistas, tentando alargar a sua influência até à capital Berlim e a focos de oposição no próprio exército. Ao todo, imprimiram seis folhetos, cuja tiragem foi aumentando, chegando aos 9000 exemplares.

Hans Scholl, nascido em Setembro de 1918, entrou, com doze anos, para um grupo de jovens católicos. Antes de completar os quinze, e contra a vontade do pai, juntou-se à Juventude Hitleriana (a 15 de Abril de 1933). Dois anos mais tarde, porém, sentia-se já incomodado com o radicalismo e o princípio da obediência cega dos membros dessa organização juvenil.

Ao começar a estudar Medicina na Universidade Ludwig-Maximilian de Munique, em 1939, Hans Scholl entrou em contacto com Professores, Assistentes e estudantes que se regiam por princípios éticos cristãos e criticavam o regime. O ponto de viragem definitivo deu-se quando, nas férias, foi enviado como socorrista para a frente francesa, vivências que lhe consolidaram a forte oposição ao nazismo e à guerra por este iniciada.

Outras influências contribuíram para a sua transformação, como as mensagens do escritor Thomas Mann difundidas pela BBC, ou as pregações do bispo de Münster, Clemens August Graf von Galen, que denunciava a execução de doentes mentais pelo regime e apelava à oposição. Em Fevereiro de 1942, Hans Scholl começou a organizar fóruns de discussão com um pequeno e selecionado grupo de estudantes.

Já depois de o grupo “Rosa Branca” ter distribuído quatro folhetos, Hans Scholl e Alexander Schmorell (um outro membro) foram enviados como soldados para a frente leste. Nessas quinze semanas, os jovens foram confrontados com vários horrores, incluindo a maneira como os judeus eram tratados no Gueto de Varsóvia. Depois do seu regresso a Munique, em Novembro de 1942, Hans intensificou o tom usado nos folhetos, apelando à luta organizada contra o NSDAP (Partido Nazi), principalmente, depois da Batalha de Estalinegrado.

A 18 de Fevereiro de 1943 Hans e a irmã Sophie foram descobertos a distribuir os folhetos por um funcionário da Universidade que os entregou à Gestapo. Depois de quatro dias de interrogatório, foram condenados à morte por decapitação. A sentença foi executada ainda nesse dia (22 de Fevereiro). Diz-se que as últimas palavras de Hans Scholl foram “viva a liberdade” (Es lebe die Freiheit). Tinha 24 anos.

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Imagem da página do Liceu "Irmãos Scholl", em Waldkirch

13 de novembro de 2022

O talento das mulheres

Durante muitos séculos (ou seria melhor dizer milénios?), aceitava-se, como argumento para o suposto talento superior dos homens, dizer que era só comparar os feitos de uns e outras. 99% das obras-primas (fosse em literatura, pintura, música ou nas restantes artes), das invenções, das descobertas científicas, das obras de engenharia, etc. era de autoria de homens.

Por incrível que pareça, só nos últimos anos se começou a tomar consciência de que, salvo raras exceções, as mulheres não tinham, por um lado, acesso ao conhecimento e, por outro, andavam ocupadas com outras tarefas, impeditivas de se dedicarem a atividades consideradas mais prestigiantes. Era interessante verificar a contradição: se os homens se elogiavam por serem os maiores criadores e inventores, aplaudiam, ao mesmo tempo, as primeiras mulheres a serem aceites numa Universidade. Tinham a resposta à frente da cara e não a viam. Se isto é inteligência…

A esmagadora maioria das mulheres seguia-lhes aliás os passos. Mas havia exceções, mulheres com coragem para admitir que a educação que lhes impunham desde o berço só servia o universo masculino.

A bávara Emerenz Meier (1874-1928), pertencente a uma família de lavradores, foi uma dessas mulheres. Começou a escrever sobre a sua terra-natal ainda em criança e, em 1893, foram publicados os seus primeiros contos no periódico regional Passauer Donau. Três anos mais tarde, foi publicado o seu único livro. Mas também escreveu poemas, onde, muitas vezes, se destacava um tom irónico. Em Março de 1906, emigrou para os EUA com a sua mãe, juntando-se ao pai e às irmãs, no bairro alemão de Chicago. Casou em 1907, mas o marido morreu três anos mais tarde de tuberculose, deixando-a com o filho pequeno. Emerenz Meier não deixou de ser dona-de-casa, durante toda a sua vida e, durante a Lei Seca, fazia cerveja para si e os seus compatriotas.

No Jornal Católico da diocese de Hildesheim (edição nº 33, de 21-08-2022) deparei com um seu pequeno poema de traço irónico, o qual não resisto a traduzir (segue-se o original em alemão):

 

Tivesse Goethe de engrossar sopas,

De salgar almôndegas,

Schiller de limpar a pia,

Heine de remendar o que rompia,

Esfregar o chão, matar baratas,

Ah, os cavalheiros,

Não teriam sido

Esses poetas virtuosos.

 

Hätte Goethe Suppen schmalzen,

Klöße salzen,

Schiller Pfannen waschen müssen,

Heine nähen, was er verrissen,

Stuben scheuern, Wanzen morden,

Ach die Herren,

Alle wären

Keine großen Dichter worden.

 

Emerenz Meier (1874-1928)