Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

7 de setembro de 2012

Pré-Publicação # 13


O castelo de Gaia, um antigo castro, aumentado e reforçado pelos mouros, à época em que estes tinham dominado a região, ficava no cimo de um morro, sobranceiro ao rio Douro, na sua margem esquerda, perto da foz. Sob a sua proteção, desenvolvera-se, pela encosta, uma povoação, o lugar de Gaia, que se tornara concelho. Englobava as freguesias de São Pedro da Afurada, a ocidente, a de Santo André de Canidelo, a sul, e a de Santa Marinha, a poente. Esta freguesia era limitada pelo monte da Meijoeira, também sobranceiro ao Douro, e onde o bispo do Porto fundara um convento de emparedadas, havia cinco anos.
O burgo episcopal do Porto, organizado em função da catedral em construção, situava-se sensivelmente em frente do monte da Meijoeira, sobre uma saliência granítica, o chamado morro da Pena Ventosa. Era composto por uma só paróquia, a da Sé, e rodeado por uma muralha.
A moça surpreendeu-se com a azáfama que ainda reinava no Douro, entre o concelho de Gaia e o burgo do Porto, apesar do cair da noite. Nunca tinha visto tantos barcos rabelos, tantos carregadores na sua faina e tantos mercadores a regatear as suas mercadorias.

4 comentários:

Bartolomeu disse...

Essa coisa das "emparedadas" sempre me deu "uma volta" danada. Será que as moças conheciam um processo de eliminação natural das necessidades fisiológicas? É que se não, aquilo lá dentro devia mandar um pívet insuportável...

Cristina Torrão disse...

:D

Não sei pormenores sobre a vida das emparedadas, nunca me debrucei sobre o assunto. Mas a Idade Média teve modalidades religiosas bem estranhas. Passando por cima dos/das que se mutilavam e castigavam o corpo de uma ou de outra forma, já li que o desprezo pelo corpo podia ir tão longe, que deixavam de se lavar e sentiam-se orgulhosos por isso. Quanto mais desprezavam tudo o que tivesse a ver com os cuidados do corpo, melhor. Li algo sobre uma santa nesse sentido, mas não me lembro agora qual era.

Bartolomeu disse...

Vais ver que se o virtuosismo estiver directamente relacionado com o desprezo pela higiene corporal... um dia destes, os sem abrigo vão ver a sua condição cobiçada por todos os aspirantes à santidade.
Essa cena da auto-flagelação é descrita num romanca de Saramago - O cerco da Cidade de Lisboa, se não me falha a memória - penso que com alguma ficção histórica e o relato do que sucedia nas procissões, quando um pretendente, ao passar em frente à varanda onde assistia a sua amada, se auto-flagelava com maior violência e a dama, por virtude e por consequência, tinha um orgásmo, que culminava num desmaio.
Ou seja... a comunicação telepática estava naqueles tempos muito mais desenvolvida, que nos nossos dias.
;)))

Cristina Torrão disse...

Li a "História do Cerco de Lisboa" de Saramago há bastantes anos e não me lembrava dessa cena. Mas, há meses, li "O profeta do castigo divino", de Pedro Almeida Vieira, em que o padre Malagrida, supostamente, previu o terramoto de Lisboa de 1755, depois de entrar em contacto com as visões de soror Maria Joana, do convento do Louriçal. Já não se trata de Idade Média, mas, no séc. XVIII, as auto-flagelações estavam bem "na moda" e este romance faz-nos uma descrição interessante dos métodos praticados no convento do Louriçal.