Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

5 de setembro de 2012

O Pintor debaixo do lava-loiças


Um livro que se lê bem e rapidamente, tem cerca de 170 páginas, algumas delas, com ilustrações. A linguagem também é simples, pode-se dizer que, por vezes, é de uma simplicidade infantil. Não quer dizer, no entanto, que não tenha qualidade e que os assuntos descritos sejam infantis. Há lugar para um crime, um amor não correspondido, um filho que mete a mãe num hospício e depois se arrepende, a perseguição aos judeus, etc.

Conta a vida do pintor Jozef Sors, nascido no final do século XIX no império Austro-Húngaro e que, em determinada altura da sua vida, teve de fugir aos nazis, acabando por chegar a Portugal e ser escondido debaixo de um lava-loiças. É baseado numa história verídica, já que os avós do autor tiveram mesmo um pintor assim escondido em sua casa.

Acontecem tantas coisas nestas 170 páginas, que escusado será dizer que a linguagem é muito económica, centrada no essencial e desmentindo aquela ideia de que, para escrever um romance, têm de se encher páginas a descrever os lugares, as atmosferas, os cheiros e sei lá mais o quê. Afonso Cruz centra-se mais nas emoções, tem frases lindíssimas sobre a vida, também as há cruéis, mas sempre (ou quase sempre) acertando no alvo. Só achei, por vezes, que pôs filosofias complicadas na boca de pessoas simples.

Não resisto a transcrever um excerto, porque me lembra algo que já aqui publiquei.
Primeiro, as palavras de Afonso Cruz:

Os primeiros anos nos EUA foram uma ilusão. O seu passado parecia ter ficado definitivamente para trás, mas o passado nunca fica para trás. Anda sempre connosco. Mais ainda, vai à nossa frente, e o futuro só o vemos através desse passado.

E, agora, as minhas:

«Somos o nosso passado», murmurou, para si própria. O presente só nos pertencia quando se tornava passado. Tudo aquilo de que tomávamos consciência, já passara. Talvez o presente nem existisse, apenas passado e futuro.
«E o futuro ainda não somos. Somos o nosso passado...»



4 comentários:

  1. Cristina, é interessante a tua comparação de excertos, porque deixa-nos a pensar o atropelo voluntário ou involuntário gerado num mundo cada vez mais normalizado.
    Embora nada pareça estar por escrever, assustou-me um artigo que falava na escrita criativa automatizada, como se a criatividade do homem fosse cada vez mais despicienda.
    Talvez por isso, escrevo muito mais do que leio, indo cada vez mais ao fundo da minha jazida, onde ainda encontro alguns cristais em bruto.

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  2. É verdade que coincidências destas podem acontecer. É bastante difícil ser-se original, hoje em dia. Há quem diga que estamos sempre a escrever as mesmas histórias de maneiras diferentes.

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