Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

30 de novembro de 2011

Da nossa relação com os animais III

Os animais podem-nos ajudar a sermos melhores pessoas e mais felizes.

O jornal do bispado de Hildesheim publicou uma reportagem sobre uma instituição de Hamburgo que ajuda mulheres com problemas psicológicos, causados por drogas, violência, ou outro tipo de abusos. Essas mulheres sofrem de depressões, disfunções alimentares e neuroses fóbicas. Uma das terapias usadas no seu tratamento inclui cavalos (póneis).

A psicóloga Lisa Kieselhorst, que trabalha há 20 anos neste tipo de terapia, explica-nos: "Os cavalos encaram as pessoas livres de preconceitos. Ao mesmo tempo, espelham o comportamento do próprio ser humano. Para mim é, por isso, muito importante, observar como o cavalo reage a determinada pessoa. Pode, por exemplo, acontecer que alguém introvertido comunique mais vontade própria e poder ao cavalo, do que alguém que aparente ser forte e dominador". Para este tipo de terapia, "o animal precisa de ter tido uma boa educação, deixando-se montar sem problemas, manter a sua essência pura e ter uma personalidade forte, mas ser, ao mesmo tempo, paciente."

Não é objectivo das psicólogas "ensinar a montar. As mulheres incluídas nesta terapia devem, sim, aprender a conhecer-se a si próprias, através do cavalo". Por isso, elas podem sentar-se em cima do animal, apenas para o abraçar. "Isto é particularmente importante para mulheres que tenham dificuldades em confiar nos outros e em aceitar o contacto corporal."



Uma das pacientes diz: "O contacto com os cavalos ensinou-me a ser mais despreocupada. Noto, de todas as vezes, como tiro benefícios do facto de ousar algo. Prescindimos de muito, quando andamos pela vida com o travão de mão permanentemente accionado." (Em Português, talvez disséssemos "permanentemente de pé atrás").

Nota: a ideia de usar animais em psicoterapia vem dos anos 60. O psicólogo infantil Boris M. Levinson constatou que conseguia "alcançar" melhor um dos seus pacientes, uma criança desprezada e introvertida, quando esta levava o seu cão para as consultas.

Nota 2: a instituição alemã St. Raphael, da Caritas, de apoio a crianças deficientes, inclui, no seu programa, lições de equitação, a fim de ajudar as crianças a vencerem os seus medos, aumentar a sua auto-estima e a tornarem-se mais autónomas.


27 de novembro de 2011

Fado

A propósito da classificação do Fado como Património Imaterial da Humanidade, lembrei-me de um texto que escrevi para o Delito de Opinião, respondendo ao amável convite do Pedro Correia, e que tornei a publicar aqui no Andanças. O seu título era Herança Islâmica e eu citava o lindíssimo livro de Adalberto Alves, Em busca da Lisboa Árabe (Edições CTT, 2007).





Adalberto Alves fala-nos no drama vivido pelos últimos mouros em terras portuguesas, depois de D. Manuel I decretar, em 1496, a expulsão do reino de todos os que não se convertessem à fé católica. Muitos conseguiram simular uma integração, mas ficaram sujeitos às mais variadas atribulações, no que constituiu um dos maiores dramas da História da Península do século XVI. Como nos diz o autor na obra referida: “transformados em marginais, rufiões e desclassificados, ébrios de fatalidade, frequentavam ainda Alfama e Mouraria vagueando como fantasmas gastos, sob a pálida memória dos seus antepassados”; “inventam um género musical e com ele cantam o seu fado”; “ao percorrermos certas alfurjas esquecidas de Lisboa antiga, parece sentirmos ainda como que os ecos longínquos desses fados esquecidos, onde o árabe se enroupava em português para exprimir o lamento dos humilhados do destino.”

No livro, é ainda reproduzida, na página 147, uma fotografia do autor na companhia de Amália Rodrigues, que, como Adalberto Alves nos diz, “estava intimamente convicta da parentela entre o fado e a música árabe, que muito apreciava”.

Eu sei que esta teoria é polémica, mas eu acredito nela. E seria bom que os portugueses, a propósito desta classificação, se lembrassem dos mouros; se lembrassem de que a herança islâmica é muito forte no nosso país; referissem que essa herança terá tido mais importância para a formação do nosso carácter do que o que se costuma aceitar; referissem que, se não fossem os mouros, talvez não existisse o Fado.

26 de novembro de 2011

Da nossa relação com os animais II

O labrador retriever Barney é um cão muito especial, pois colabora com os professores numa escola de Hamburgo.

A ideia surgiu de uma das professoras que, desde miúda, sonhava ter um cão. Mas como dar a atenção devida a um animal, quando a família se ausenta de casa, durante a maior parte do dia, a fim de cumprir os seus compromissos profissionais e escolares? Quando ouviu falar de cães que colaboram com escolas, ela propôs isso mesmo ao seu Director, a fim de poder levar o animal para o local de trabalho. O Director concordou e diz-nos, agora: "O Barney conseguiu, em pouco tempo, conquistar-nos a todos, mesmo os colegas mais renitentes. Com a sua aura sossegada e equilibrada, consegue estabelecer uma atmosfera descontraída na sala de aula."



Um aluno do 8º ano varre a sala com gosto, para que todos se possam sentar no chão, ou ajoelhar-se, junto de Barney . Nos 3º e 4º anos, há aulas opcionais sobre animais domésticos, as crianças têm ocasião de examinarem as patas e os dentes do cão, perdendo, assim, o medo e tornando-se mais seguras de si, também no seu contacto com outros humanos.

Uma aluna de 13 anos diz-nos: "Quando contamos alguma coisa ao Barney, temos a sensação de que ele entende tudo". E o Director completa: "A presença do cão acalma as crianças, muitas delas vêm sentar-se ao pé dele, quando não se sentem bem, ou algo as preocupa."

Nota: Este projecto só foi possível graças à colaboração de um professor reformado, que vai todos os dias à escola, a fim de levar o cão a passear, enquanto a sua dona está a dar aulas. Também nem todos os cães se adaptam a este tipo de tarefa, a raça labrador retriever foi propositadamente escolhida para o efeito (também é um bom guia de cegos). Além disso, o cão tem de ter uma educação conforme, um animal que passe muito tempo sozinho e desprezado dificilmente estará à altura. Para ser feliz, um cão tem de se sentir integrado e levado a sério. Deve, ainda cachorro, ir para a escola, a fim de se habituar à agitação e ao barulho das crianças, quanto mais cedo, melhor. E, sentindo que aquela é a sua tarefa (todos os cães são mais felizes, quando têm uma tarefa a cumprir) cumpri-la-á até o fim.

Em Hamburgo, além de Barney, há mais quatro cães reconhecidos oficialmente como "cão da escola". Em toda a Alemanha, há 90 escolas, sobretudo as especializadas em crianças com dificuldades, que contam com a ajuda dos assistentes caninos.

24 de novembro de 2011

Passatempo (VI)



Um passatempo muito especial no Dos Meus Livros, do Manuel Cardoso. Para ganhar um exemplar do D. Dinis, autografado e com dedicatória, terá de escrever um parágrafo, sobre a figura histórica em questão, que não exceda os 800 caracteres (umas dez linhas em Times 12). O prémio será atribuído ao texto mais criativo.

Não deixar saudades

Pobre dele? Coitado? Infeliz? Deus se compadeça? Desconhecemos as razões, mas era mau, mesmo para os que lhe queriam, os do seu sangue.
Trombudo, azedo, arrogante, violento, cheio de si. A soco e pontapé, com o cinto, à varada, mais de cinquenta anos bateu na mulher, nos filhos, na mula, no cão, nas galinhas que se lhe atravessavam no caminho. Desdenhoso, olhando de esguelha, as boas-horas, se as dava, saíam-lhe dentre os lábios como a cuspir um insulto.
É terrível, este sentimento: alguém morre e não deixa saudade.

Surripiado ao Tempo Contado.

22 de novembro de 2011

"Fazei, pois, e observai tudo o que eles disserem...

"... mas não imiteis as suas obras, pois eles dizem e não fazem."
(Evangelho segundo São Mateus, 23,3)

Segundo São Mateus, já Cristo chamou a atenção para o facto de haver pessoas, neste caso, os fariseus, que fazem o contrário daquilo que dizem. Infelizmente, pais educadores e professores não fogem à regra. E como querem os pais filhos bem educados, se eles próprios não dão o exemplo?

Uma autora alemã, Gundula Gause, num livro em que dá conselhos de educação, diz o seguinte:

O melhor método de transmitirmos boas maneiras aos filhos é através do exemplo. Todos devíamos cultivar valores como o bom comportamento, a amabilidade, a pontualidade, a solidariedade e o respeito. Não devemos, aliás, repreender os filhos diante dos outros, mas fazê-lo mais tarde, com calma.

Num jornal católico alemão, são apresentados testemunhos de crianças sobre a contradição em que os pais, educadores e professores, muitas vezes, caem:

O meu pai diz-me sempre que não devo começar a fumar, mas ele fuma. E nem pensa em deixar.

Os pais dizem sempre que devemos usar capacete ao andar de bicicleta, mas, quando os meus pais andam de bicicleta, nunca usam capacete.

A minha mãe zanga-se sempre quando está a falar e nós a interrompemos. Mas ela está sempre a interromper-nos, quando falamos.

Os idosos dizem sempre que são os jovens que devem cumprimentar e não o contrário. Mas, quando nós cumprimentamos muitos dos idosos da nossa vizinhança, a maior parte não responde, alguns até olham para o lado.

A minha mãe diz-me que não devo ver tanta televisão, mas ela vê muito mais do que eu.

Um professor disse-nos, uma vez, que não queria ouvir nunca a palavra "merda". Mas uma vez, quando tentava mostrar-nos um vídeo e a televisão não funcionava, berrou: "Mas que merda é esta?"

O meu pai diz: "Vai tirar a louça da máquina", ou "Vai ajudar a tua mãe!" Ele próprio, no entanto, nunca ajuda.

Nas minhas observações do dia-a-dia constato, muitas vezes, que há pais que julgam não precisarem de educar os filhos, limitando-se a dar-lhes um tecto e a alimentá-los.
Sirvamos de exemplo! E lembremo-nos, todos os dias, de que educar crianças não é nenhuma brincadeira de crianças!

20 de novembro de 2011

Alternativa

Todos nós conhecemos o desenrascanço português, que aproveita ao máximo as potencialidades de uma motoreta:




Mas há outros povos inventivos, com alternativas interessantes:


Visto aqui

Se a moda pega...

18 de novembro de 2011

17 de novembro de 2011

Político super-herói

O desafio do blogue da revista Os Meus Livros, escrever sobre um político português que tem uma identidade secreta e é um super-herói, inspirou-me um texto. Resolvi participar no passatempo e acabei por ganhar um livro! Obrigada OML!

Podem ler o texto no link indicado, mas também me apetece publicá-lo aqui:

“O meu nome é Sócrates, José Sócrates”.
Toda a gente sabe que fui primeiro-ministro. Mas o que ninguém sabe é que, ao mesmo tempo, fui também…
Que disse? Um filósofo? Não (risos). Fui também um agente secreto. É verdade! Ao serviço de Sua Majestade.
Como? Portugal não é uma monarquia? E quem disse que eu trabalhava para Portugal? No interesse de Portugal?
Para quem é que eu trabalhava? Que Majestade servia? Não sei. Nem me interessa. Um agente secreto que se preze, com ordem para matar, trabalha sempre ao serviço de Sua Majestade. Ponto final.
Quem é que eu matava? Quem calhava. O que interessava era fazer boa figura e dar sempre a impressão de que cumpria as minhas tarefas com uma perna às costas. Sempre bem vestido, sempre aprumado…
Se era difícil? Não. Quando se tornava difícil, eu punha um daqueles sorrisos que não comprometem ninguém, mas que caem sempre no goto de quem nos olha, e repetia: “O meu nome é Sócrates, José Sócrates” (risos).
Nem imaginam o que me divertia! Que saudades eu tenho desse tempo! Dinheiro, aventura, emoção, alta sociedade, cocktails, mulheres…
Se eu era actor num filme? Não, era a vida real… Penso eu… Olhem, se querem mesmo saber, já nem sei bem. E, de repente, tudo acabou! É verdade.
Porquê? Também não sei bem. Mas, por algum motivo, deixei de ter piada. E fiquei muito triste.
Agora? Bem… Essa do filósofo não é má ideia. Alguém me disse que Sócrates era nome de filósofo… Acho que vou para França, disseram-me que dá muito prestígio. Depois, regresso com nova imagem, peço um vodka martini batido, não mexido, digo “O meu nome é Sócrates, José Sócrates”, e caiem-me novamente todos aos pés!
Não acreditam? Esperem, para ver!

16 de novembro de 2011

Tratado de Sahagún

Óleo de Carlos Alberto Santos
A segunda metade da vida de D. Afonso Henriques é muito menos conhecida do que a primeira. Toda a gente já ouviu falar da Batalha de São Mamede, da Batalha de Ourique, do Tratado de Zamora e das conquistas de Santarém e de Lisboa. Tem-se, no entanto, muitas vezes, a impressão de que a vida do nosso primeiro rei acaba aqui (excepção feita à conquista de Alcácer do Sal).

Na verdade, depois da conquista de Lisboa, em 1147, a vida de D. Afonso Henriques conta algumas infelicidades, como o desastre de Badajoz, que podia ter acabado com a independência de Portugal. Há, no entanto, um outro acontecimento anterior, bem menos conhecido, que fez perigar o reino: o Tratado de Sahagún, assinado, a 23 de Maio de 1158, pelos reis de Leão e Castela.

O primo de D. Afonso Henriques e seu grande rival, o imperador D. Afonso VII, faleceu em Agosto de 1157 (o nosso primeiro rei viveria ainda cerca de trinta anos). A sua herança foi dividida pelos dois filhos: o mais velho tornou-se no rei D. Sancho III de Castela e o outro em D. Fernando II de Leão. D. Afonso Henriques ter-se-á perguntado como lidar com a nova situação. O primo tinha acabado por se conformar com a independência de Portugal. Mas iriam os seus filhos seguir-lhe o exemplo?


D. Fernando II de Leão

Não! Convenhamos que seria de esperar. Dois jovens, que se vêm senhores de quase toda a Península Ibérica, haveriam de mandar a política do papá às urtigas e perguntar-se se não lhes seria possível apoderar-se de Portugal. Aqui, a cena em que D. Afonso Henriques comenta o conteúdo do Tratado de Sahagún:


- É verdade. A birra entre os maninhos foi sol de pouca dura. Prometem-se ajuda e combinaram que os respectivos reinos fossem transmitidos aos herdeiros do irmão, caso algum deles morra sem filhos. Até aqui, tudo bem. O pior, meus senhores, é que se permitiram deliberar sobre Portugal, sem nos terem tido nem achado! Em primeiro lugar, afirmam que eu, Afonso Henriques, à frente deste reino há quase trinta anos, eu, que tomei Santarém e Lisboa aos infiéis, não tenho o direito de continuar a conquistar territórios muçulmanos!

- Mas que despautério - lançou Gonçalo Mendes.

- Como se eu não existisse - prosseguiu Afonso, - trataram de dividir os territórios da mourama entre eles, definindo as áreas que cabe a cada um conquistar, incluindo as cidades do Gharb: Alcácer do Sal, Évora, Beja e Silves!

            - Mas quem eles pensam que são? - atirou Fernando furioso.

            - O pior ainda aí vem - disse o rei. - Decidiram, se puderem, repartir o próprio reino de Portugal entre si!

            Os três olhavam o soberano perplexos. Gonçalo Mendes acabou por falar:

            - Teremos que contar com uma invasão do reino.

            Todos reflectiam nesta preocupante conjectura, quando o alferes-mor opinou:
            - Mal poderemos resistir a um ataque conjunto das forças leonesas e castelhanas.

A situação era gravíssima:

            Em Coimbra, vivia-se em permanente estado de alerta, naquele Verão de 1158. Afonso reunia-se frequentemente com os seus chefes militares, a fim de discutir as informações que as patrulhas enviavam. Também D. Gualdim Pais veio à corte, mantendo-se em contacto com os Templários de Longroiva, Penarroias e Mogadouro, que, além das regiões de fronteira, vigiavam os movimentos dos senhores de Bragança. Afinal, Mendo de Bragança era o alferes-mor d’el-rei D. Fernando II de Leão.

            O mês de Agosto chegou, contudo, ao fim sem vestígios de perigo, apesar de os Templários se darem realmente conta de movimentos da parte dos leoneses nas imediações da tenência de Bragança. Tratava-se, porém, de assuntos internos: o monarca leonês andava ocupadíssimo com revoltas urbanas no concelho de Zamora. E não havia o mínimo sinal do irmão, D. Sancho III de Castela.

            Mas estas notícias, em vez de acalmarem Afonso, punham-no ansioso. Estava convencido de que os irmãos acabariam por atacar de surpresa, quando já ninguém contasse com a sua ofensiva. Além disso, se Fernando de Leão andava com os seus soldados pelo concelho de Zamora, bem poderia aproveitar a oportunidade para penetrar em solo português, ainda para mais, com Mendo de Bragança a seu lado. Afonso começou a achar que era necessário intimidar o jovem soberano com uma ofensiva militar, enquanto o irmão não desse sinal de vida. Considerava enviar hostes portuguesas que apoiassem as revoltas de Zamora. Com sorte, ainda se apoderava ele daquela cidade!


O que, até àquela altura, ninguém sabia, era que D. Sancho III de Castela, de apenas 25 anos, adoeceu gravemente, naquele Verão, vindo a falecer em Agosto. Assim se acabou por dissolver, de maneira inesperada, este perigo sério. D. Sancho III deixou um herdeiro de 3 anos, o que originou o início de tempos conturbados, em Castela. D. Fernando II de Leão, sem o apoio do irmão, acabaria por se aproximar do monarca português.

Embora ameaçador no seu conteúdo, o Tratado de Sahagún tornou-se, assim, obsoleto, em pouco tempo. E digam lá que Portugal não é, de vez em quando, bafejado pela sorte!



14 de novembro de 2011

D. Sancho I, o Povoador


Embora fosse o único filho legítimo de D. Afonso Henriques a sobreviver à infância, D. Sancho I não seria muito parecido com seu pai. Durante o seu reinado não mostrou ter as mesmas qualidades.

Em 1189, chegou a conquistar Silves, com a ajuda de cruzados, pelo que se intitulou «Rei de Portugal, de Silves e do Algarve». Mas, logo no ano seguinte, os mouros tornaram a chegar à linha do Tejo, uma verdadeira catástrofe, pela quantidade de praças perdidas. Além disso, envolveu-se em vários conflitos com a Igreja, recusou-se mesmo a pagar o tributo, negociado pelo seu pai com Roma e que garantia a independência de Portugal em relação aos outros reinos hispânicos. Só em 1198, treze anos após a morte de D. Afonso Henriques, a questão foi resolvida.

Mas D. Sancho I era um homem muito letrado e inteligente. Mandou povoar locais abandonados e concedeu quase 50 cartas de foral, sobretudo na Estremadura, Beira e Trás-os-Montes. Ou seja, se não aumentou o território (perdeu mesmo algum) consolidou e organizou o já existente, tornando-o mais forte e imune a influências exteriores. Além disso, tinha qualidades poéticas. Na sua História de Portugal, o Professor Veríssimo Serrão compara-o mesmo a D. Dinis e reporta-se a uma conhecida balada, que D. Sancho terá composto para a sua barregã preferida, D. Maria Pais Ribeira, mais conhecida pela Ribeirinha, que por ele espera, no sopé da Serra da Estrela. D. Sancho virá da Guarda, cidade por ele fundada:


Ay eu coitada - Como vivo
em gran cuidado por meu amigo
que ei alongado. Muito me tarda
o meu amigo na Guarda!

Ay eu coitada - Como vivo
en gran desejo por meu amigo
que tarda e não vejo. Muito me tarda
o meu amigo na Guarda!




Entre os filhos que teve da sua rainha, D. Dulce de Aragão, e das barregãs, D. Sancho contou cerca de vinte rebentos, enquanto o pai se limitou a onze, embora tivesse vivido muito mais tempo. O Povoador faleceu a 16 de Março de 1211, com 57 anos.

11 de novembro de 2011

D. Sancho I (que, na verdade, se chamava Martinho) nasceu há 857 anos

À altura do seu nascimento, D. Sancho I não estava destinado a ser o segundo rei de Portugal. A prová-lo, está o facto de ter sido baptizado com o nome de Martinho, por ter nascido a 11 de Novembro. Martinho era, no entanto, um nome sem tradição entre os reis hispânicos. E, passado algum tempo (de seis meses a um ano), mudaram-lhe o nome para Sancho.

Porquê uma história tão atribulada, tendo como protagonista o sucessor de D. Afonso Henriques?

Afonso Henriques - óleo de Carlos Alberto Santos

Na verdade, no dia de São Martinho de 1154, nasceu, não o primogénito, mas o segundo filho (legítimo) do primeiro monarca português. Destinado a ser o segundo rei de Portugal estava o seu irmão Henrique, que, na altura, tinha já sete anos. Era este o primogénito, a quem D. Afonso Henriques, note-se, deu o nome de seu pai. E o facto de ter dado o nome de Martinho ao menino nascido naquele dia indica que talvez o destinasse à carreira eclesiástica. Se Martinho não era nome para rei, seria adequado para um clérigo.

- Graças a Deus - repetiu o prelado. - E nascer assim, no dia de São Martinho... Tenho para mim que é um sinal dos Céus. 
- Pela minha saúde, senhor prior - replicou a aia, benzendo-se, - tirais-me as palavras da boca. Jesus! Até me parece que Deus nos quer dizer algo! 
- Será que Deus destinou este príncipe para uma carreira eclesiástica? 
Afonso opinou: 
- Ao futuro rei convinha ter um irmão clérigo, que quiçá venha a ser arcebispo… 
- E o nome, D. Afonso?
 O soberano não respondeu logo e Elvira atreveu-se: 
- Nascido neste dia, bem se podia chamar Martinho. 
D. Teotónio olhou-a intrigado, quiçá estranhando aquela impulsividade numa dama normalmente tão introvertida. Mas os olhos de Josefa iluminaram-se e a mulher dirigiu-se ao prelado, as mãos juntas como numa oração: 
- Quem sabe, seja isso que Deus nos tenta dizer, senhor prior: o principezinho deverá seguir uma vida na Igreja e levar o nome do santo! 
- É uma inspiração curiosa - admitiu Teotónio. - Não olvidemos, porém, que Martinho é um nome sem tradição nas casas reais hispânicas. E, enfim... Nunca se sabe se ele, numa qualquer eventualidade, ainda tenha de subir ao trono... 
- Para a vida eclesiástica - interrompeu-o Afonso, enervado com o comentário, - o nome seria adequado. E, fazendo a vontade a Deus, melhor contribuiremos para a recuperação da rainha. 
Josefa tornou a benzer-se e o rei anunciou: 
- Pois que se chame Martinho!

No ano seguinte, porém, talvez no Verão, dá-se uma reviravolta nos acontecimentos: o infante D. Henrique morre, com apenas oito anos de idade. Apesar de a mortalidade infantil ser alta, naquela altura, sou de opinião de que Afonso Henriques terá sofrido um grande golpe.

- Tendes de ser forte, meu rei, muito forte! 
Afonso engoliu em seco. 
- Morreu alguém, não é verdade? Mas quem, D. Teotónio, quem? 
O prelado soluçou, por entre um rio de lágrimas: 
- Nada se conseguiu fazer pelo infante... Nada... Adoeceu tão de repente... 
- O infante?
 Crianças morriam facilmente e Afonso pensou no mais novo, nascido há apenas seis meses:
- Martinho… Valha-me Deus! Martinho morreu? 
O prior levou um lenço aos olhos. Soluçava tanto, que quase não conseguia falar: 
- O infante Martinho... Não. O irmão... O irmão é que morreu... Coitadinho... 
Afonso abriu muito os olhos. De repente, tudo lhe parecia irreal. Devia ser um pesadelo! A respirar pesadamente, olhou à sua volta, como que a procurar a saída do inferno.

 



Devemos considerar que, além de perder um filho, Afonso Henriques viu destruído o seu sonho de o seu sucessor ter o nome do pai. Além disso, ele próprio já não era novo. Ia a caminho dos cinquenta, a esperança de vida não era longa (ninguém podia adivinhar que ele passaria os setenta) e, de repente, o seu sucessor não passava de uma criança de colo.

E havia a questão do nome. Porquê Sancho? No romance, eu dou a minha versão:


Nesta fase de tristeza e desolação, em que Mafalda, no seu quarto escuro, se mantinha longe dele, perguntava-se inúmeras vezes:valera a pena desposá-la?
Não entendia porque Deus o martirizava tanto. Procurava frequentemente o prior, que não perdia uma ocasião de lhe recordar que o infante devia ter um nome mais apropriado. Mas Afonso, depois de se ver obrigado a desistir do sonho de que o seu sucessor levasse o nome de seu pai, não encontrava cabeça para o assunto.
Um dia, deu consigo a pensar no avô, a quem o herdeiro, já homem feito, morrera em combate. Como se teria sentido o imperador, que, na altura, era bem mais velho do que ele? Afonso VI falecera um ano depois do filho, na incerteza do que sucederia aos vários reinos que ele unira, à custa de tantas lutas e de tanto sangue.
Afonso sentiu que devia dar o nome do herdeiro do avô ao filho: Sancho! Era, acima de tudo, um nome cheio de tradição nas casas reais hispânicas. A partir daquele dia, deixou de existir o infante Martinho. O príncipe herdeiro de Portugal chamava-se Sancho!

10 de novembro de 2011

Ter alguma coisa para dizer

O escritor brasileiro Rubens Figueiredo, vencedor do Prémio Portugal Telecom de Literatura 2011, diz não ser movido apenas pela palavra. "Eu só começo a escrever quando tenho alguma coisa para dizer". Além disso, o livro vencedor, "Passageiro do Fim do Dia", não tem a pretensão de buscar coisas "grandiosas" ou "definitivas".

Ainda bem que há escritores que pensam assim e que ganham prémios. Eu, pelo menos, não tenho paciência para escritas pomposas que não me dizem nada, prefiro uma linguagem simples, que torne os sentimentos palpáveis, sem pretender dar soluções, ou ser definitiva.

Numa outra entrevista, Rubens Figueiredo afirma que quis abordar a questão da desigualdade social e da dificuldade de vermos os outros como iguais a nós mesmos.

Penso que são razões suficientes para se comprar este livro, eu, pelo menos, fiquei muito curiosa.

Rubens Figueiredo diz, ainda, escrever "só nas horas vagas". Mas... Quem não o faz? Quantos escritores se podem dar ao luxo de se dedicarem apenas à escrita?

Via Blogtailors

9 de novembro de 2011

Revistas cor-de-rosa

No Verão passado, o jornalista Pedro Rolo Duarte confessou comprar e ler revistas cor-de-rosa. Baseado na sua experiência, desenvolveu uma espécie de dicionário muito divertido, de que se seguem três exemplos:

 A figura X afirma: “Estou disponível para o amor”. Isso é o mesmo que: “Por favor, alguém me pega?”. Ou: “Hello, não querem ser meus amigos no Facebook?”


A legenda da revista afirma que a figura X, “aos 42 anos, está em excelente forma física”. Tradução: ainda não é este ano que fazemos uma reportagem com ela no Ângelo Rebelo.


Ou... “Aos 47 anos, recuperou a sua auto-estima”. Tradução: foi ao Ângelo Rebelo.

Eu não sou grande consumidora dessas revistas e é verdade que limito a sua leitura às idas ao cabeleireiro, ou ao médico (por isso, só leio alemãs). Mas confesso que as acho interessantes. Por um lado, acho útil andarmos informados, seja sobre o que for. Aliás, como só leio alemãs, tenho sinceramente pena de, em Portugal, muitas vezes, não saber de quem se trata, quando as pessoas falam em fulana ou sicrano. Por outro, enriquecemos o nosso conhecimento da natureza humana. Gosto sempre de saber até onde as pessoas são capazes de ir, não só neste campo, como em todos os outros. Além disso, uma mulher deve acompanhar a moda.

E assim se prova que qualquer leitura pode ser instrutiva, tudo depende da maneira como a encaramos.

8 de novembro de 2011

De cara nova

O 2711 está de cara nova e ficou ainda mais bonito.

Vão lá ver e digam se não é verdade...

6 de novembro de 2011

Os amanhãs que cantam

Vivo, há quase 20 anos, num país que vê o ideal comunista destituído de qualquer romantismo e constato que, em Portugal, de vez em quando, ainda se nota uma nostalgia herdada da Revolução de Abril. A última vez, foi no Horas Extraordinárias, onde a sua autora dizia:

Quando fui a Cuba no início dos anos 90, levaram-me a uma fábrica de charutos em Trinidad, cidade belíssima, onde alguém me contou que em tempos os operários contavam com a ajuda de um funcionário que lhes lia romances enquanto trabalhavam. Também na Europa de Leste, em alguns países, era prática comum ler-se para os trabalhadores fabris, não sei se para os ilustrar, se para os entreter.

Alguns comentários elogiam igualmente a cultura dos países de leste. A mim não me consta que os habitantes da antiga RDA, que, pelos vistos, terão ouvido grandes obras literárias enquanto trabalhavam, sejam mais cultos que os ocidentais. Pelo contrário! Ainda hoje se nota neles o "novo-riquismo", uma grande ânsia de consumismo e de imitar os do ocidente. Isso verifica-se, aliás, em todos os países do antigo Bloco de Leste, com a Rússia à cabeça. Se liam em voz alta aos operários, ou era para os desviar de certos pensamentos "perigosos", ou se tratava, pura e simplesmente, de propaganda. Os dirigentes de regimes totalitários nunca deram ponto sem nó e sempre se serviram da censura.

Além disso, certos comentários manifestaram igualmente o seu encanto pelo povo cubano, que, mesmo na miséria e sob um regime que o subjuga, não perde a vontade de se divertir e de olhar para o lado belo da vida. Desculpem, mas, com todo o respeito que os cubanos me merecem, isto deixa-me um certo amargo de boca, um sabor salazarista: pobrezinhos, mas alegres, contentes e conformados! Há um certo resíduo letárgico neste tipo de atitude. Se os cubanos mostrassem mais vezes o seu descontentamento e se revoltassem contra a pobreza e a injustiça em que vivem, talvez já tivessem expulsado da sua ilha as múmias que os governam!

Combinar a nostalgia do comunismo com a herança do salazarismo... Só mesmo em Portugal!

4 de novembro de 2011

Para desentristecer


Gosto muito de te ver, leãozinho
Caminhando sob o sol
Gosto muito de você, leãozinho




Para desentristecer, leãozinho
O meu coração tão só
Basta eu encontrar você no caminho




Um filhote de leão raio da manhã;
Arrastando o meu olhar como um ímã...




 O meu coração é o sol, pai de toda cor;
Quando ele lhe doura a pele ao léu...




Gosto de te ver ao sol, leãozinho
De te ver entrar no mar
Tua pele, tua luz, tua juba




Gosto de ficar ao sol, leãozinho
De molhar minha juba
De estar perto de você e entrar numa





Bom fim de semana para todos!
Nota: a fotografia da bebé com a cadela labrador foi tirada daqui.