Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

5 de junho de 2012

O Desastre de Badajoz - I

Sandra Serra

Em Maio de 1169, com cerca de 60 anos, D. Afonso Henriques terá cometido o maior erro da sua vida: foi em auxílio de Geraldo Sem Pavor, que conseguira entrar na cidade de Badajoz, mas que falhara a ocupação da alcáçova, onde se refugiara o rei mouro com os seus guerreiros. Seria grande a vontade do nosso primeiro rei em conquistar esta cidade, pois para lá se dirigiu, embora tivesse acordado com D. Fernando II de Leão, em Celanova, que a margem esquerda do Guadiana pertencia à zona de influência leonesa.


           Havia três dias que Afonso e o exército português tinham ocupado Badajoz, mas o rei mouro persistia, barricado na alcáçova. Dificilmente morreria à sede, pois as fortalezas mouras eram conhecidas pelas suas fontes. Os víveres, porém, já deveriam ser escassos.
As muralhas de Badajoz, com os seus merlões de remate piramidal, assentavam em rochas, sobre um cerro sobranceiro ao Guadiana, e estavam reforçadas pelos habituais torreões quadrados. Além disso, gozavam, tanto a norte, como a oeste, da protecção do rio. Afonso admirava, por isso, a habilidade de Geraldo Sem Pavor e do seu bando, em terem conseguido penetrar na cidade. O guerreiro vilão havia expulsado os habitantes mouros e judeus e os seus homens ocuparam as melhores casas, algumas delas, já vazias, à altura da invasão, pois os habitantes mais ricos e influentes tinham-se refugiado na alcáçova. Os moçárabes haviam sido autorizados a ficar e viviam agora lado a lado com os soldados portugueses.
Senhor de Badajoz, o exército de Afonso não montara acampamento. E, como o calor de fins de Maio quase não se aguentava, os guerreiros adoptaram o ritmo do bando do Sem Pavor: orgias pela noite fora, em que bebiam e se divertiam com as rameiras, que ninguém se lembrava de expulsar, independentemente da sua religião. Dormiam, assim, toda a manhã.

Badajoz
A indisciplina e a desorganização no exército português são uma das razões apontadas pelos historiadores para explicar o fracasso de Badajoz. Eu reforcei este aspeto com uma rivalidade entre D. Fernando Afonso, filho ilegítimo do rei português, e D. Pêro Pais da Maia, alferes-mor do reino, o que acabava por dividir o exército em duas fações. Na verdade, os dois eram meio-irmãos, ambos filhos de D. Châmoa Gomes, o que penso que poderia ter originado um rancor entre eles. D. Fernando Afonso almejaria ser alferes-mor (como acabou por ser) e D. Pêro Pais da Maia nunca teria digerido bem o facto de D. Afonso Henriques não ter casado com sua mãe. São invenções minhas, a fim de enriquecer o enredo, mas é curioso verificar que, depois da aventura de Badajoz, D. Pêro Pais da Maia se incompatibilizou com o nosso primeiro rei, refugiando-se na corte leonesa.


Na sua quarta noite em Badajoz, Afonso foi arrancado da cama, pois as rixas tinham tomado dimensões incontroláveis. Acompanhado da sua guarda, o rei cavalgou pelas ruas da cidade, vendo com os seus próprios olhos como centenas dos seus soldados, incendiados pela euforia do álcool e misturados com saltimbancos e outras figuras mais sinistras, se batiam uns com os outros. Algumas bulhas acabavam em sangue, pois havia sempre quem fosse lesto a puxar da sua adaga, ou do seu punhal.

D. Fernando II de Leão, que assinara um pacto de defesa mútua com o califa de Sevilha, e apesar de ser genro de D. Afonso Henriques, acabou por surgir com o seu exército, em auxílio do rei mouro de Badajoz. As tropas leonesas sitiaram a cidade, encurralando os portugueses e libertando os mouros, comunicando diretamente com a alcáçova.


É difícil encontrar uma resposta para o erro estratégico cometido por D. Afonso Henriques. Talvez não acreditasse que o genro viesse ajudar os mouros. Ou talvez pensasse que os mouros, encurralados na alcáçova, se rendessem rapidamente. Na verdade, os portugueses já tomavam conta de Badajoz há três ou quatro dias, quando os leoneses surgiram. Teria D. Fernando II, de facto, hesitado em agir contra o sogro?

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