Afonso esperou algum tempo perto da alcáçova, observando
o ataque, a fim de convencer o inimigo de que dirigia as operações. Quando lhe
foi dito que a porta do rio se tinha aberto, sem que ninguém desse conta,
fez-se ao caminho, cavalgando cerro abaixo, dobrando curvas e esquinas, em
ruelas tão estreitas, que o cavalo mal lá cabia. Seguiam-no os seus dois
filhos, D. Gualdim Pais, Soeiro Viegas e mais quatro cavaleiros. O alferes-mor Pêro
Pais oferecera-se para ficar nas imediações da alcáçova, a fim de que os mouros
e os leoneses não dessem cedo demais pelo truque.
Se os que seguiam Afonso tinham duvidado, no serão
anterior, de que ele ainda possuísse destreza e força, depressa mudaram de
opinião. O rei cavalgava tão rápido, que eles não conseguiam acompanhá-lo de
perto. Dir-se-ia que uma força diabólica o guiava. O seu peso de consciência?
No momento fulcral, pareceu turvar-lhe a coerência. Ao
chegar à última curva antes da porta, Afonso, de tão ansioso de a atravessar,
não freou convenientemente a montada. O animal fez a curva, mas empinou-se em
frente à pequena porta, encimada pelo habitual arco em forma de ferradura. O
rei dominou-o, forçando-o a passar pela abertura. Mas o cavalo tinha-se desequilibrado
um pouco e fez com que a perna direita do rei raspasse na parede, ao lado da
porta. E o joelho de Afonso acabou por chocar com enorme violência contra o
ferrolho de ferro.
Afonso passou para o lado de fora das muralhas a dar um
berro, provocado pela dor lancinante, e puxando involuntariamente as rédeas da
montada. O animal tornou a empinar-se e, desta vez, sem acção na perna direita,
o soberano não se conseguiu segurar e caiu ao chão. Também o cavalo perdeu o
equilíbrio, sobre as rochas íngremes. E caiu sobre Afonso.
O facto de os outros cavalgarem algumas jardas mais atrás,
acabou por se tornar vantajoso, pois conseguiram parar, antes de serem
envolvidos no acidente. Desmontaram e foram direitos ao monarca, que se
mantinha estatelado no chão, enquanto o cavalo logo se levantara. Soeiro
Viegas, Fernando e Pedro ajoelharam-se ao pé do rei, tiraram-lhe o elmo e
puxaram-lhe o almofre e a coifa para trás. Afonso jazia sem sentidos. A sua
cabeleira branca colava-se, junto com o suor e o pó, à face pálida.
- Meu Deus - lançou Pedro. - Estará morto?
Daqui |
D. Afonso Henriques não estava morto, mas ficou incapacitado de andar e montar para o resto da sua vida. Além disso, viu-se sujeito aos favores do genro, que foi magnânimo e não se apoderou do reino português, contentando-se com o recuperar de territórios galegos em posse do monarca luso e da promessa deste de respeitar a fronteira do Guadiana.
Tudo isto terá sido uma humilhação difícil de digerir para D. Afonso Henriques. Porém, não posso deixar de o admirar, pelo menos, no que diz respeito à sua incapacidade física. Um homem com a sua energia e a sua força de vontade, que se viu impedido de se deslocar pelos seus próprios meios, reagiu e manteve a dignidade, até à morte, cerca de quinze anos mais tarde. Ninguém contestou o seu poder, todos continuaram a obedecer-lhe e a venerá-lo. E, segundo as pesquisas históricas mais recentes, D. Afonso Henriques terá ainda conseguido evitar uma guerra civil, quando o seu filho ilegítimo, mais velho que o infante D. Sancho, aspirou ao trono português.
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