Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

31 de agosto de 2012

Naquele Tempo (7)


«Quero-me referir à ideia de que os Descobrimentos são um fenómeno europeu e não apenas um fenómeno português. Quero com isto dizer que a curiosidade pelo mundo asiático ou africano não se encontra apenas em Portugal mas também noutros países ocidentais; é uma atitude corrente na Europa de então. Se as grandes iniciativas das viagens exploratórias pertencem, em primeiro lugar,e durante um certo tempo, a portugueses, também não se pode negar que nelas participaram igualmente, como técnicos, armadores, ou inspiradores, muitos italianos, e ainda que às viagens portuguesas se seguiram, não muito tempo depois, as dos espanhóis ou de outros povos europeus (...) Quero, enfim, dizer que o fenómeno só se pode compreender na sua amplitude, quando se relaciona com a conjuntura económica e demográfica de toda a Europa e com o sistema de pensamento ou a atitude perante o mundo, característicos da civilização europeia».

Página 215, O mar a descobrir



28 de agosto de 2012

Caça

Abriu mais uma época de caça, um tema que me deixa um pouco dividida, afinal, eu também como carne. Defendo, porém, o princípio de que devemos diminuir o seu consumo, para que os animais destinados à nossa alimentação possam ser criados com espaço e dignidade. Cá em casa, comemos cerca de um quilo de carne por semana (meio quilo por pessoa). Assistimos, atualmente, a um consumo desenfreado de carne, nunca, na História da humanidade, houve tanta gente com acesso a tanta quantidade dela. E fazemos como uma criança que se vê sozinha numa fábrica de chocolates: empaturramo-nos, com prejuízo para a própria saúde.

De qualquer maneira, mesmo numa quinta onde os animais vivam felizes, chega a altura em que terão de ser abatidos e, entre isso, ou abater um animal selvagem, não há grande diferença (é claro que também há a caça às espécies que não servem para a nossa alimentação, como a raposa; nem me parece que o rei Juan Carlos terá comido o elefante, junto do qual posou com tanto orgulho). Em abono dos caçadores, fala-se da «mística da caça», que, ao fim e ao cabo, expressa a harmonia entre o homem e a natureza, ou seja, ao caçar, o ser humano prova ser apenas mais um predador à face da Terra. Além disso, parece que, por vezes, será necessário manter o equilíbrio entre as espécies. Isto, dito assim, faz dos caçadores grandes respeitadores da natureza.

Mas, então, como explicar que a Imperatriz Sissi diga que ouve, ano após ano, histórias aflitivas acerca dos cães de caça? Relatos aterradores de abandono, tortura ou mesmo chacina dos animais que já não são necessários, ou cujos "donos" não os querem sustentar até ao ano que vem. Por acaso, eu também conheço histórias horripilantes sobre a maneira como certos "caçadores" lidam com os seus cães (ou com os cães, em geral). Mantêm-nos todo o ano consigo, mas em condições miseráveis, apenas para, ao chegar a altura, pegarem na arma e irem para o monte. Julgam-se grandes caçadores e não há dúvida que respeitam a natureza!

E também sei de uma história em que um grupo de caçadores encomendou cães a um criador para uma caçada. O homem chegou com os animais metidos em jaulas apertadíssimas, vários cães em cada uma (mas que grande criador!). Numa das jaulas, os bichos, frustrados e excitados, acabaram por matar um dos seus semelhantes à dentada. Que feras, dirão alguns! E eu proponho-lhes que juntem vários homens dentro de uma jaula apertada,durante várias horas, cheios de fome e sem saberem para o que vão. Depois, digam-me o que aconteceu!

Como diz a Sissi: gente dessa não merece o nome de caçador, mas de besta. E, a mim, já me vai faltando a pachorra para o egoísmo e a prepotência que muitos da minha espécie provam possuir.

Como é que em pleno século XXI é atribuída uma licença de caça a quem não prova colocar chip nos cães? Como é que ninguém controla as matilhas que acompanham cada caçador?

 

25 de agosto de 2012

Opinião D. Dinis

Há cerca de um mês, publiquei aqui excertos da opinião da Sara Barros sobre D. Dinis, a quem chamaram o Lavrador. Na altura, tomei conhecimento porque o Manuel Cardoso publicara o texto completo. Mas a Sara também tem um blogue, os Desabafos Agridoces, que está hoje em destaque no Sapo blogs, precisamente, com esta sua opinião.

Os meus agradecimentos à Sara, à Sapo e ao Daniel Santos, o homem ao leme do 2711, que me deu a notícia.

P.S. A Sara também publicou um excelente texto com o título Cães Perigosos?, a propósito da tragédia ocorrida no Porto, em que morreu uma menina de ano e meio. Hoje, que leio que houve, em Matosinhos, mais um acidente lamentável com um cão, além do link da Sara, deixo o do meu texto Os cães mordem.

22 de agosto de 2012

"They had no choice"

Fiquei comovida ao tomar conhecimento, através da Teresa, do Animals in War Memorial, um monumento dedicado aos animais que pereceram ao serviço do exército britânico ao longo da História, concebido pelo escultor inglês David Backhouse e inaugurado em Londres em 2004, em Brook Gate, junto ao Hyde Park.



«This monument is dedicated to all the animals
that served and died alongside British and allied forces
in wars and campaigns throughout time»


«They had no choice»



Está na hora de deixarmos de ser egoístas, de fazer de conta que somos os donos do planeta. E, se usarmos animais para atingir os nossos objetivos, pelo menos, reconheçamo-lo e agradeçamos-lhes!


20 de agosto de 2012

Chorar, ou não chorar...


Nunca fui dada à poesia. Mas, ao ler um poema de MaryElizabeth Frye, tive uma inspiração e apeteceu-me fazer-lhe o negativo. Lembram-se dos negativos das fotografias, quando ainda se usavam rolos?

Hesitei em publicar esta minha ideia, pois, no fundo, penas peguei em algo que já existia e pu-lo ao contrário. Mas aqui vai. Primeiro, o original:

Do not stand at my grave and weep;
I am not there. I do not sleep.
I am a thousand winds that blow.
I am the diamond glints on snow.
I am the sunlight on ripened grain.
I am the gentle autumn rain.
When you awaken in the morning's hush
I am the swift uplifting rush
Of quiet birds in circled flight.
I am the soft stars that shine at night.
Do not stand at my grave and cry;
I am not there. I did not die.

(Mary Elizabeth Frye)

E, agora, o negativo, de minha autoria:

Chora, perante a minha sepultura.
Porque parti. Porque morri.
E, mesmo fazendo parte do infinito,
Sendo um dos mil ventos que sopram,
Sendo os cristais de neve que cintilam,
Sendo o sol sobre os matagais,
Sendo as suaves chuvas outonais,
Sendo o voo dos pássaros,
Não sou eu mais.
Sempre que de mim te lembres,
Seja eu vento, sol, neve, ou chuva,
Chora a mágoa que te oprime o peito,
Porque eu sou isso tudo, menos eu.
Eu não estou cá. Eu morri.



17 de agosto de 2012

Uma Mentira Mil Vezes Repetida


Um homem não se quer dar ao trabalho de escrever um livro e espera alcançar a fama com um que não existe. Finge ler, nos transportes públicos do Porto, uma obra-prima da literatura (desconhecida, por só haver um exemplar), escrita por um escritor húngaro fugido aos nazis (que também não existe). Quando a curiosidade sobre o livro for tão grande, que o convidem para entrevistas, passará a ser famoso.

É uma ideia genial, já que todos os escritores são fingidores e a celebridade de muitos livros pouco tem a ver com o seu conteúdo. Mas o enredo é apenas isso. Por outro lado, é admirável que Manuel Jorge Marmelo consiga escrever cerca de duzentas páginas à volta desta ideia, criando, no fundo, enredos complicados, não para o seu romance, mas para o livro e o seu autor (que não existem), enredos, por vezes, sem nexo, o que também não é importante, pois trata-se de mentiras que a personagem principal conta aos utentes dos transportes públicos que se interessam pelo calhamaço que ele finge ler.

Baralhados? Talvez a coisa melhore se lerem o livro.

Não obstante uma escrita de qualidade, Uma Mentira Mil Vezes Repetida tem, a meu ver, dois pontos fracos. O primeiro é que essa ideia de ter o único exemplar de um livro de um escritor genial, mas desconhecido, que escreveu aquele único livro, cheira-me um pouco ao cemitério dos livros esquecidos de uma outra obra, amada por uns e odiada por outros. O segundo é o final abrupto e pouco original.

Mas as divagações de Manuel Jorge Marmelo sobre os livros e os escritores são excelentes. Por isso, depois dos excertos que publiquei aqui e aqui, lá vai mais um:

É provável que, desde que começou a contar histórias, há vários milénios, a humanidade já tenha disposto de tempo suficiente para inventar todas as variações que esta arte possa admitir. Se não as conhecemos a todas e presumimos, por isso, de alguma originalidade, devemo-lo apenas à ignorância ou, vá lá, à impossibilidade de conhecer tudo o quanto se fez antes em cada uma das culturas do mundo. Trata-se, pois, de uma estupidez virtuosa: em vez de ficarem paralisados pela certeza de que não serão capazes de criar algo melhor do que aquilo que já foi feito antes, ou de conceber algo realmente novo, os escritores de cada geração partem de um conhecimento muito limitado da realidade e admitem a possibilidade, tonta, de lhe acrescentar alguma coisa. E tanto persistem que, às vezes, por força de uma experiência pessoal única, ou de um talento inato extraordinário, conseguem efectivamente criar uma história aparentemente nova, ou uma forma diferente de contar um enredo afinal tão velho quanto o mundo.



15 de agosto de 2012

Os cães mordem


Eu não podia deixar de escrever sobre isto. Ao insistir na harmonia entre humanos e animais, de como podemos aprender com eles, de como se podem estabelecer verdadeiras amizades, etc., mostro apenas que situações dessas são possíveis e tento contribuir para que sejam cada vez mais possíveis.

Os cães não são computadores que se programam como bem entendemos, não têm um botão de ligar e desligar. São seres vivos, com vontade própria e, embora inteligentes, agem muito mais por instinto do que nós, que aprendemos a controlá-lo (uns mais do que outros). Porém, por ser um animal social, que se submete a um líder e anseia contribuir para o bem da sua matilha, o cão presta-se, mais do que qualquer outro animal, a interagir connosco. Mas é um grande erro pensar que eles são como nós, que agem como nós e que aprendem o mesmo que nós. É um grande erro pensar que os podemos humanizar. Um cão é um cão e uma pessoa é uma pessoa.

Neste caso, eu apenas pergunto: o que raio estavam a fazer dois Dogues Argentinos num terraço de apartamento, no centro de uma grande cidade? Infelizmente, há quem use os cães (como usa os carros) para mostrar grandeza e importância, para intimidar, quem diga que cães pequenos não são cães a sério (será que também pensam que pessoas pequenas não são pessoas a sério?). Eu não sei se existem raças potencialmente perigosas, aliás, nem os especialistas chegaram ainda a uma conclusão sobre isso. O que sei é que os cães, em relação ao seu peso, têm muito mais força do que um ser humano. A minha Lucy pesa apenas sete quilos e, se lhe apetecer ir para a direita, enquanto eu quero ir para a esquerda, tenho de usar de muita força na trela para a arrastar. Nenhum ser humano – repito: nenhum – está em condições de medir forças com um cão de grande porte, como um Dogue Argentino.

Ter cão não é apenas tê-lo, é preciso educá-lo, aprender a conhecê-lo. É preciso estabelecer uma relação de grande confiança com ele, uma relação em que cão e pessoa se olhem nos olhos e se entendam, sem palavras, nem outros gestos (a propósito, não fixem o olhar de um cão que não conhecem). E, acima de tudo, é preciso deixar-lhe claro quem é o líder. Tudo isto requer tempo – muito tempo – e dedicação e nem toda a gente está disposta a isso, ou tem essa possibilidade. E, normalmente, o facto de existirem dois cães numa casa quer precisamente dizer que as pessoas não dispõem do tempo suficiente para tratar de um e arranjam-lhe um/a companheiro/a, para que não se sinta sozinho. Normalmente, dá para o torto. Um cão, em vez de dois, não tira trabalho. Dá, sim, trabalho a dobrar!

Nenhum cão gosta, por natureza, de crianças, é preciso adaptá-los a elas, de preferência, desde o início. Os cães costumam reagir com agressividade aos gritos e aos gestos bruscos das crianças, a não ser, como digo, que lhes conheçam os modos. É preciso, principalmente, muito cuidado com crianças menores de quatro anos, não só pelo seu tamanho e impotência, mas pelo facto de elas, igualmente, ainda não controlarem os seus instintos. É certo que há cães mais agressivos do que outros, cães mais pacientes do que outros, cães mais medrosos do que outros (um cão medroso é um potencial cão agressivo) como há pessoas mais agressivas, mais pacientes e mais medrosas do que outras. Mas não se sabe se essas características dependem da raça.

Não posso ajuizar sobre as razões que levaram a esta tragédia. Mas há um bebé morto, há duas famílias desfeitas e há uma criança que nunca superará o trauma de ter visto a irmã pequenina ser morta por um cão. E há um cão que será abatido. Os únicos responsáveis são os donos do cão, que estarão desfeitos, a esta hora. Mas não deixam de ser os responsáveis.

Tudo isto me deixa triste. Muito triste.

Também aqui




13 de agosto de 2012

Entrevista (10)

Extrato da entrevista dada ao Destante, conduzida pelo Manuel Cardoso:


MC- A Cristina é formada em Língua e Literaturas Modernas. Mas ao ler o seu D. Dinis julguei tratar-se de alguém com formação em Psicologia. Quer comentar?

CT- Sempre me interessei por Psicologia e só não tirei esse curso porque tinha de enveredar pela parte de Ciências, a partir do 10º ano, para a qual não me sentia vocacionada, sempre preferi as Letras, apesar de ter sido boa aluna a Matemática. Fiz bem, porque uma coisa é interessar-se por Psicologia, outra é exercer a profissão de psicóloga, duvido que tivesse estofo para isso. Mas leio muito sobre o tema, fascina-me saber porque é que as pessoas são como são e reagem como reagem.

Pegando no caso de D. Dinis, a História diz-nos que ele foi um rei sábio e justo e que foi atormentado, na última fase da sua vida, por um filho ingrato, que ousou provocar uma guerra civil contra o próprio pai. Como é que o infante D. Afonso dá um desgosto desses a um pai tão bom, sendo, ainda, filho de uma mulher tão piedosa, que foi canonizada? D. Dinis e D. Isabel estarão, de facto, livres de responsabilidades, isto é, tiveram apenas o azar de ter um filho mau, rancoroso e ciumento? Eu não acredito em acasos, em “azares” desses. Em tudo o que escrevo, dou um grande ênfase às relações entre os personagens. Nada mais me irrita, num romance, do que ler que este ou aquele personagem fez isto ou aquilo, apenas porque sim. Ou porque calhou. Nada do que fazemos é por acaso.

11 de agosto de 2012

Naquele Tempo (6)


"Apesar da quantidade de privilégios de que D. Dinis a dotou (Universidade) e de vários soberanos lhe terem aumentado os rendimentos, nomeadamente em 1345, 1411 e 1474, é preciso esperar pelo princípio do século XVI para que as estruturas universitárias pareçam adquirir uma certa solidez (...) Nem do ponto de vista social, nem do ponto de vista cultural, se pode descortinar qualquer papel de relevo tomado pela Universidade, como instituição de cultura na vida portuguesa e muito menos na vida internacional.
Com a documentação que possuímos (...) não é fácil explicar este fenómeno, que requereria uma análise muito detalhada. As circunstâncias da época não favoreciam o seu desenvolvimento, mas não bastam, só por si, para responder à questão. Com efeito, a comparação com a maioria das universidades europeias, que também tiveram de enfrentar a grave crise da época, não pode deixar de acentuar esta impressão."

(Página 212, A universidade portuguesa e as universidades europeias)

9 de agosto de 2012

Catolicismo e Vida - o papel da Igreja

Um dos problemas do Catolicismo, hoje em dia, é a disparidade entre os seus dogmas e as práticas dos seus crentes, criando uma sociedade hipócrita, do estilo: "olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço". Muitos clamam por mudanças, o Papa resiste. Mas resistirá ele apenas por ser conservador, ou também por ter dificuldade em conjugar as preferências dos católicos espalhados pelo mundo?

Entre os europeus e os sul-americanos, por exemplo, há diferenças enormes (para já não falar dos fundamentalistas norte-americanos). Se nós, na Europa, estaríamos preparados para aceitar o fim do celibato dos sacerdotes, a ordenação de mulheres e a inclusão de divorciados (ou de qualquer tipo de família mono-parental) na Eucaristia, na América do Sul, tal "revolução" poderia causar convulsões sociais, quiçá, o desmembramento da Igreja.

Mas mesmo entre os europeus existem grandes diferenças. No Jornal do Bispado de Hildesheim, que assino há cerca de ano e meio, vejo serem tratados temas que dificilmente veria num jornal católico português, por exemplo: um enorme empenho ecológico (começando com os gastos energéticos das próprias igrejas e das escolas, infantários e lares de idosos delas dependentes), a defesa do fair trade em detrimento da globalização, abertura a temas como o suicídio e o abuso sexual de crianças por membros da Igreja, ou a discussão da existência de alma nos animais, com a consequente consideração do vegetarianismo como modo de vida, mas também o apelo para que os seres vivos que connosco dividem o planeta sejam tratados com a dignidade que merecem (também os que são criados para a nossa alimentação).

Dir-me-ão que é a proximidade aos protestantes. De facto, cerca de 50% da população alemã é luterana e realizam-se muitas missas ecuménicas. Eu própria já assisti a uma, quando uma das igrejas católicas de Stade celebrou o 50º aniversário da sua construção, numa missa rezada pelo próprio bispo Norbert Trelle e tendo, como convidados, os pastores protestantes locais. Mais: houve duas homilias, uma proferida pelo bispo católico e outra por um dos sacerdotes protestantes.

A igreja estava a abarrotar e era notória uma atmosfera de grande solidariedade e bem-estar. Talvez porque se tornou palpável a convicção de que o amor ao próximo se consegue com proximidade e aceitação, não com rejeição.

Acho que fazia muito bem à Igreja Católica refletir sobre o seu verdadeiro papel no mundo do século XXI.

7 de agosto de 2012

O Maior Sacrifício


Se há episódios da Bíblia difíceis de compreender, é aquele em que Abraão, por ordem de Deus, se prepara para sacrificar o filho.

Genesis 22, 1-2.9-12:
Deus pôs Abraão à prova e chamou-o: «Abraão!» Ele respondeu: «Aqui estou». Deus disse: «Pega no teu filho, no teu único filho, a quem tanto amas, Isaac, e vai à terra de Moriah, onde o oferecerás em holocausto, num dos montes que Eu te indicar».
Chegados ao sítio que Deus indicara, Abraão levantou um altar, dispôs a lenha, atou Isaac, seu filho, e colocou-o sobre o altar, por cima da lenha. Depois, estendendo a mão, agarrou no cutelo para degolar o filho. Mas o Anjo do Senhor gritou-lhe do céu: «Abraão! Abraão». Ele respondeu: «Aqui estou». O Anjo disse: «Não levantes a tua mão sobre o menino e não lhe faças mal algum, porque sei agora que, na verdade, temes a Deus, visto não me teres recusado o teu único filho».

No jornal do Bispado de Hildesheim diz-se que alguns estudiosos da Bíblia interpretam este episódio como a altura a partir da qual o povo de Israel renuncia aos sacrifícios humanos e passa a sacrificar "apenas" animais, para aplacar a ira de Deus. Outros acham que se trata de exemplificar a submissão total aos desejos de Deus, mesmo que estes nos pareçam absurdos.

Enfim, os sacrifícios, de humanos ou de animais, felizmente, não existem no Cristianismo. E a obediência cega a Deus é uma questão de fé, competindo a cada um decidir. Mas que dizer do pobre Isaac? Como pode um filho superar uma experiência tão traumatizante? O seu próprio pai o levou ao local de sacrifício e se preparava para o degolar e queimar! Debaixo de um final supostamente feliz, esconde-se, na minha opinião, um episódio de extrema violência e de desrespeito pela vida de um rapaz. Não penso que um filho que passasse por uma experiência destas pudesse recuperar das mazelas psicológicas.

Às vezes, apetece-me concordar com Saramago: a Bíblia é (também) um "livro de maus costumes"...

5 de agosto de 2012

Mentira?

"Parece-me, às vezes, extraordinário que ainda haja quem se dedique a fazer até ao fim uma coisa tão aborrecida como imagino que seja escrever um livro e ainda mais quem lhe dedique o tempo suficiente para que, ao ler-se a última página, não fique no leitor a impressão de ter estado a perder tempo com obra mal-amanhada, incompleta, acabada à pressa, mal-ajambrada e pior cosida, que deixa muito a desejar ou ainda que parece ter sido abandonada à sua sorte antes de que o autor tenha tido a certeza de que não podia já fazer mais nada para melhorar o que estava feito e, neste caso, sem ponderar devidamente sobre a necessidade de expor a coisa escrita à cogitação do público leitor. Haverá, depois, sempre uma vírgula fora do sítio, uma palavra não suficientemente sopesada, que está a mais ou que faz falta, uma frase sem a densidade necessária, pelo que o mais certo é que o trabalho nunca esteja completamente pronto e possa ser continuamente melhorado, dia após dia, ano após ano, tanto mais que quem corrige não é necessariamente a mesma pessoa que escreveu - está mais velha, mais madura, viveu mais vida e, portanto, quererá amanhã dizer coisas de que ontem não se lembrou e calar outras que lhe parecerão já estultas. Não sei como não enlouquecem, os escritores, se realmente ponderam nisto tudo e se debatem com a decisão de continuar a tentar fazer melhor ou de, em vez disso, abandonar o trabalho a meio, imperfeito e um pouco tosco que seja."

In Uma Mentira Mil Vezes Repetida, Manuel Jorge Marmelo

3 de agosto de 2012

Pré-Publicação #12


Prometeu-se que, dali em diante, resolveria pela sua cabeça tudo o que a ela dissesse respeito. Não mais se deixaria guiar e subjugar por uma família que não mostrava interesse por si, pelos seus desejos e pela sua felicidade. E notava como essa resolução, essa vontade indomável de tomar as rédeas nas próprias mãos, lhe dava uma força incrível. Sentia-se eufórica, como se tivesse vivido de asas presas e descobrisse, de repente, que as amarras não passavam de uma fraude.

1 de agosto de 2012

O Verdadeiro Artista


Uggie, o cão ator do filme o Artista (um Jack Russell Terrier, como a minha Lucy), tem, agora, as suas patas impressas no Walk of Fame de Hollywood, ao lado de nomes como Marilyn Monroe e Clark Gable.


A história de Uggie é curiosa, pois, devido ao seu temperamento, em cachorrinho, esteve quase a ir para o canil. Por sorte, foi adotado pelo treinador de cães Von Muller, que nos diz: «He was a crazy, very energetic puppy, and who knows what would have happened to him if he [had] gone to the dog pound. But he was very smart and very willing to work. One of the most important thing[s] is that he was not afraid of things. That is what makes or breaks a dog in the movies, whether they are afraid of lights, and noises and being on sets. He gets rewards, like sausages, to encourage him to perform, but that is only a part of it. He works hard.»

Estas últimas palavras de Von Muller são significativas: He works hard. De facto, um cão, em situações destas, passa por tanto stress como os humanos e é preciso muito tato para saber quando se está a esforçar demais o animal, ou como agir, quando ele não faz aquilo que esperamos dele. Um cão empenha-se de tal maneira para agradar ao dono, que, ao notar a desilusão deste, o seu nível de frustração pode ser grande e afetá-lo psicologicamente. Mas, como reconhece o próprio Von Muller (e, aliás, toda a gente que lida e/ou se dedica a animais): «Everybody thinks I am a great trainer. I don't think so. I think he is just a great dog».


Muita gente pensará que o registo no Walk of Fame é um exagero, já que o cão não está consciente do que se passa. É verdade. Mas, na “pessoa” de Uggie, assim se reconhece e agradece o trabalho de todos os animais que, em filmes, já nos fizeram rir, chorar, ou sonhar. Porque nós, humanos, costumamos ser mal agradecidos e ter a memória curta.


Thanks Uggie! I love you!