Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.
28 de fevereiro de 2013
Naquele Tempo (15)
(...) os árabes estabeleceram-se sobretudo nas antigas províncias romanas da Bética, da Tarraconense e da Lusitânia. Distribuíram destacamentos de tropas berberes na Galécia e na Lusitânia do Norte, mas aqui a ocupação foi efémera. Em 743 os Berberes revoltaram-se contra o vali da Hispânia e refluíram para o Sul. O Norte do Douro ficou assim numa situação de ausência de um poder superior, visto que o reino das Astúrias, fundado em 720, dominava apenas uma pequena parte da região montanhosa setentrional cujo núcleo central nem sequer tinha sido efectivamente ocupado pelos Romanos nem pelos Visigodos. A expansão do reino das Astúrias a norte do Douro foi lenta, e desencadeou resistências da parte das populações cristãs locais, sobretudo na Galécia; só chegou ao Douro no reinado de Afonso III, em 868.
Discutiu-se muito sobre as condições em que ficou a região a norte do Douro durante o período de 743 a 868, ou seja, até ao estabelecimento de condes delegados de Afonso III na Galiza, Leão e Castela.
(...) a maioria dos historiadores acreditou no abandono completo e até na desertificação de todo o vale do Douro, como meio estratégico de defesa contra as incursões islâmicas. Sánchez-Albornoz fez, até, do despoblamiento o ponto fulcral da sua interpretação da história medieval espanhola. Sabe-se hoje que exagerou excessivamente a extensão e o grau do fenómeno. No vale do Douro, sobretudo no seu curso português, mas também na área leonesa e na Meseta castelhana, permaneceram várias cidades e muitas povoações. Tudo leva a crer que foi precisamente aí que nasceram os concelhos medievais, a mais típica organização local da Idade Média ibérica.
Páginas 354/355 - A nobreza e os cavaleiros-vilãos na Península Ibérica (séculos X a XIV)
26 de fevereiro de 2013
A propósito da Grândola...
Enquanto ela dormia, os outros marchavam ao encontro do seu objetivo.
Ouviam-se
os seus passos.
Uma
marcha ecoava na escuridão.
Uma voz
ergueu-se:
Grândola,
vila morena
Terra
da fraternidade
O
povo é quem mais ordena
Dentro
de ti ó cidade
Os
soldados libertadores iniciavam a sua marcha e os seus passos serviam de fundo
à voz melódica de Zeca Afonso, nessa noite fria, de quarta para quinta-feira:
Em
cada esquina um amigo
Em
cada rosto igualdade
Grândola
vila morena
Terra
da fraternidade
Uma
revolução dificilmente poderia arrancar de forma mais poética.
Talvez
isso nos venha da nossa alma moura, a mesma que nos ensinou o que significa a
palavra «saudade». Como todas as melodias de cariz alentejano, a Grândola possui aquele inconfundível
toque árabe…
À
sombra duma azinheira
Que
já não sabia a idade
Jurei
ter por companheira
Grândola
tua vontade
Nessa «noite
solene», como Salgueiro Maia lhe chamou, transpareceu a nossa alma moura. Como
não podia deixar de ser… E mais ninguém enviaria, pelo Natal, de lágrimas nos
olhos e de microfone na mão, mensagens pela TV.
25 de fevereiro de 2013
O preço do sucesso
Stille, o telefilme alemão de que falei no post anterior, baseado no livro Cleaver, de Tim Parks, suscita-me uma outra reflexão. Em Stille, três membros de uma família (mãe, filho e filha) gravitam à volta do quarto membro, um jornalista famoso, o pai. Todos vivem na sua sombra, não há lugar para mais ninguém brilhar, a não ser esse pai, egocêntrico e narcisista, que tudo sacrifica em nome do seu sucesso. Atingida a idade adulta, os filhos têm uma grande dificuldade em encontrar o seu próprio caminho e, mesmo quando se julgam libertados, construindo a sua própria carreira, fica sempre a suspeita de que o conseguiram apenas por serem filhos de.
Muitas vezes me pergunto se este tipo de narcisismo é essencial para se atingir a fama. Não há dúvida de que o talento é igualmente necessário, mas, na vida dos famosos, há quase sempre algo que é sacrificado. E, quando se tem filhos, a coisa pode tornar-se problemática (ver também o conflito de Jane Austen).
Qualquer famoso constrói a sua carreira à custa de muito esforço. Mas esse esforço implica a total concentração na sua pessoa, o que pode gerar egoísmo e incapacidade para superar contrariedades e desilusões, ou seja, baixa tolerância às frustrações. Pergunto-me se o caso do atleta sul-africano Oscar Pistorius não terá a ver com isto. E que dizer de Lance Armstrong, que, ao superar uma doença grave, entendeu não haver limites para que atingisse os seus fins?
Claro que também há muitas pessoas de sucesso que são altruistas e carinhosas com os seus. Mas o sucesso implica sempre um grande investimento em si próprio. Aí, não há volta a dar! Resta saber a que preço.
Muitas vezes me pergunto se este tipo de narcisismo é essencial para se atingir a fama. Não há dúvida de que o talento é igualmente necessário, mas, na vida dos famosos, há quase sempre algo que é sacrificado. E, quando se tem filhos, a coisa pode tornar-se problemática (ver também o conflito de Jane Austen).
Qualquer famoso constrói a sua carreira à custa de muito esforço. Mas esse esforço implica a total concentração na sua pessoa, o que pode gerar egoísmo e incapacidade para superar contrariedades e desilusões, ou seja, baixa tolerância às frustrações. Pergunto-me se o caso do atleta sul-africano Oscar Pistorius não terá a ver com isto. E que dizer de Lance Armstrong, que, ao superar uma doença grave, entendeu não haver limites para que atingisse os seus fins?
Claro que também há muitas pessoas de sucesso que são altruistas e carinhosas com os seus. Mas o sucesso implica sempre um grande investimento em si próprio. Aí, não há volta a dar! Resta saber a que preço.
22 de fevereiro de 2013
Dilemas
Quando se tem uma boa ideia para um livro e talento para escrever, é legítimo que se usem todas as possibilidades à disposição?
Explico-me melhor: é legítimo usar informações e vivências que possam prejudicar terceiros, a fim de escrever um bom livro?
O telefilme que o canal alemão ARD transmitiu na semana passada, com o título Stille (sossego; silêncio) tratava desta temática. Um jovem escritor causa furor com o seu livro de estreia e é nomeado para um importante prémio literário. Mas há vários problemas, no meio disto tudo. O primeiro é que ele se baseou nas suas vivências com um pai egocêntrico e narcisista, que nunca ligou à família. Esse pai ainda é vivo. E o próximo problema é que esse pai é um conhecido jornalista, com um talk show televisivo campeão de audiências.
O jornalista famoso fica tão afetado pela estreia literária do filho, que abandona toda a sua vida, a fim de se isolar nas montanhas tirolesas. E também o filho, que julgara ter-se finalmente libertado do círculo familiar, onde só ao progenitor era permitido brilhar, se dececiona ao constatar que muita gente acha que ele, no fundo, deve o sucesso ao pai, pois só o facto de este ser famoso terá contribuído para a atenção dada ao livro.
Apesar de tão boa temática, o telefilme também dececionou, pois deixa muitas pontas soltas. Além disso, prende-se com enredos secundários, na minha opinião, desnecessários. Por exemplo: o facto de a esposa do filho, apesar de muito jovem, padecer de uma doença grave (não se chega a saber se é incurável). Ao dividir com a sogra os cuidados a prestar à enferma, o rapaz acaba por se envolver com aquela, ainda nova e bem-parecida.
O telefilme foi baseado no livro Cleaver, de Tim Parks e, mais uma vez, seria interessante saber se o escritor resolve melhor todos estes conflitos. Não há tradução portuguesa, mas pode ser adquirido em inglês, na Wook (seguir o link).
Explico-me melhor: é legítimo usar informações e vivências que possam prejudicar terceiros, a fim de escrever um bom livro?
O telefilme que o canal alemão ARD transmitiu na semana passada, com o título Stille (sossego; silêncio) tratava desta temática. Um jovem escritor causa furor com o seu livro de estreia e é nomeado para um importante prémio literário. Mas há vários problemas, no meio disto tudo. O primeiro é que ele se baseou nas suas vivências com um pai egocêntrico e narcisista, que nunca ligou à família. Esse pai ainda é vivo. E o próximo problema é que esse pai é um conhecido jornalista, com um talk show televisivo campeão de audiências.
O jornalista famoso fica tão afetado pela estreia literária do filho, que abandona toda a sua vida, a fim de se isolar nas montanhas tirolesas. E também o filho, que julgara ter-se finalmente libertado do círculo familiar, onde só ao progenitor era permitido brilhar, se dececiona ao constatar que muita gente acha que ele, no fundo, deve o sucesso ao pai, pois só o facto de este ser famoso terá contribuído para a atenção dada ao livro.
Apesar de tão boa temática, o telefilme também dececionou, pois deixa muitas pontas soltas. Além disso, prende-se com enredos secundários, na minha opinião, desnecessários. Por exemplo: o facto de a esposa do filho, apesar de muito jovem, padecer de uma doença grave (não se chega a saber se é incurável). Ao dividir com a sogra os cuidados a prestar à enferma, o rapaz acaba por se envolver com aquela, ainda nova e bem-parecida.
O telefilme foi baseado no livro Cleaver, de Tim Parks e, mais uma vez, seria interessante saber se o escritor resolve melhor todos estes conflitos. Não há tradução portuguesa, mas pode ser adquirido em inglês, na Wook (seguir o link).
20 de fevereiro de 2013
Miss Austen Regrets
O talento da escrita: bênção ou maldição?
«Tantas personagens na minha cabeça, tantas histórias às quais gostaria de dar vida», diz Jane Austen neste filme, uma produção da BBC, ao constatar que padece de uma doença grave e que não viverá muito tempo.
Não chegou a completar 42 anos. E não foi só a angústia do muito que deixava por escrever que a atormentou. Sacrificou a sua vida por amor da escrita, pois sabia que, casando e tendo filhos, não arranjaria tempo para cumprir aquilo que entendia ser a sua maior paixão.
Arrependeu-se? É disto que trata este filme. Jane Austen recusou várias propostas de casamento, uma delas, de um vizinho rico. Começou por aceitar, mas mudou de ideias durante a noite e, no dia seguinte, foi-lhe dizer isso mesmo. Uma mulher inteligente, espirituosa e irónica, que sabia aconselhar as suas familiares e amigas, que as queria ver todas casadas com o homem certo, esquecendo-se dela própria, exatamente como a sua heroína Emma.
Mas, para Emma, a escritora arranjou aquilo a que se chama um final feliz, ao contrário dela própria, vivendo nesse dilema de dar voz aos seus sonhos, sem se livrar da sensação de ter desperdiçado a sua vida.
«A vida não é como os romances», diz a personagem que interpreta a mãe de Jane Austen, neste filme. «Os romances acabam com o casamento. Na vida real, é aí que tudo começa, que tudo passa a ser interessante». Jane Austen sabia. Mas não deixou de escrever livros em que o casamento com o homem certo era o objetivo primordial. Livros de encontros e desencontros, de paixões arrebatadas, de cálculos e oportunismos, de sentimentos contidos. Livros que nos continuam a encantar e a inspirar, passados duzentos anos. E, no entanto, parecem tão simples...
É essa a magia dos grandes escritores.
18 de fevereiro de 2013
Escravatura moderna
Periodicamente se constata que a escravatura existe nos nossos dias. E não só nos países do chamado Terceiro Mundo, nem em civilizações mais exóticas (sob o nosso ponto de vista) como as orientais. Em plena União Europeia, num dos seus países mais ricos e envolvendo uma empresa norte-americana, encontram-se indícios de exploração de trabalhadores.
Uma reportagem do canal alemão ARD, da autoria de Diana Löbl e Peter Onneken, sobre as condições de trabalho nos centros de logística alemães da Amazon, tem causado furor e já moveu a Ministra do Trabalho a iniciar uma investigação.
Os problemas são mais graves em alturas de mais movimento, como é a época natalícia. São contratados trabalhadores a prazo e a crise europeia leva a que muita gente se deixe levar por promessas que não são cumpridas. Vêm da Polónia, Hungria, Roménia e Espanha e, só quando chegam à Alemanha, constatam que o seu empregador não será a Amazon (apesar de trabalharem para essa empresa), mas uma firma de contratos de trabalho temporário, a Trenkwalde, por salários abaixo dos nove euros por hora (nos seus países de origem, tinha-lhes sido prometido mais dinheiro).
A reportagem segue o percurso de Silvina, uma espanhola desempregada, mãe de três filhos. Os trabalhadores são aquartelados em moteis ou centros de férias alugados para o efeito, completamente superlotados, ou seja, são obrigados a viver em espaços exíguos com pessoas que lhes são estranhas. Os autocarros que os transportam para o emprego e de regresso a casa estão longe de serem suficientes, pelo que originam longas esperas e circulam igualmente superlotados. Além disso, os ordenados são, muitas vezes, pagos com atraso e, não raro, é-lhes exigido que trabalhem duas semanas seguidas, sem direito a fim-de-semana.
Um outro problema são as regras de comportamento impostas aos trabalhadores, vigiados por uma empresa de segurança, a H.E.S.S. (Hensel European Security Services), que se desconfia ter ligações à cena neonazi. Estes seguranças são omnipresentes, revistam as malas, as bolsas e as casas dos trabalhadores. Os próprios jornalistas tiveram problemas com eles, ao ponto de, certa vez, só conseguirem deixar o recinto de logística que investigavam sob proteção policial.
Coincidência, ou não, Silvina, a espanhola sobre quem se fez a reportagem, foi enviada para casa três dias antes de concluído o seu contrato. No fim de um dia de trabalho, foi-lhe simplesmente comunicado que já não era necessária e que deveria fazer as malas.
Instada pelos jornalistas, a Amazon escusou-se a prestar esclarecimentos.
Uma reportagem do canal alemão ARD, da autoria de Diana Löbl e Peter Onneken, sobre as condições de trabalho nos centros de logística alemães da Amazon, tem causado furor e já moveu a Ministra do Trabalho a iniciar uma investigação.
Os problemas são mais graves em alturas de mais movimento, como é a época natalícia. São contratados trabalhadores a prazo e a crise europeia leva a que muita gente se deixe levar por promessas que não são cumpridas. Vêm da Polónia, Hungria, Roménia e Espanha e, só quando chegam à Alemanha, constatam que o seu empregador não será a Amazon (apesar de trabalharem para essa empresa), mas uma firma de contratos de trabalho temporário, a Trenkwalde, por salários abaixo dos nove euros por hora (nos seus países de origem, tinha-lhes sido prometido mais dinheiro).
A reportagem segue o percurso de Silvina, uma espanhola desempregada, mãe de três filhos. Os trabalhadores são aquartelados em moteis ou centros de férias alugados para o efeito, completamente superlotados, ou seja, são obrigados a viver em espaços exíguos com pessoas que lhes são estranhas. Os autocarros que os transportam para o emprego e de regresso a casa estão longe de serem suficientes, pelo que originam longas esperas e circulam igualmente superlotados. Além disso, os ordenados são, muitas vezes, pagos com atraso e, não raro, é-lhes exigido que trabalhem duas semanas seguidas, sem direito a fim-de-semana.
Um outro problema são as regras de comportamento impostas aos trabalhadores, vigiados por uma empresa de segurança, a H.E.S.S. (Hensel European Security Services), que se desconfia ter ligações à cena neonazi. Estes seguranças são omnipresentes, revistam as malas, as bolsas e as casas dos trabalhadores. Os próprios jornalistas tiveram problemas com eles, ao ponto de, certa vez, só conseguirem deixar o recinto de logística que investigavam sob proteção policial.
Coincidência, ou não, Silvina, a espanhola sobre quem se fez a reportagem, foi enviada para casa três dias antes de concluído o seu contrato. No fim de um dia de trabalho, foi-lhe simplesmente comunicado que já não era necessária e que deveria fazer as malas.
Instada pelos jornalistas, a Amazon escusou-se a prestar esclarecimentos.
16 de fevereiro de 2013
Afonso Henriques em 3D
Depois de terem sido achados os restos mortais de Ricardo III, em Inglaterra, eu exprimi o desejo de ver uma representação em 3D de D. Afonso Henriques, ou de D. Dinis. Na caixa de comentários, desenvolveu-se uma conversa interessante sobre se realmente compensa fazer esse tipo de retratos, ou se cada um deve guardar para si a imagem que tem dessas personalidades, que não foram fotografadas, nem, sequer, pintadas.
A conversa acabou por puxar o assunto da abertura do túmulo de D. Afonso Henriques, algo que, aliás, já aconteceu por três vezes. A primeira foi no reinado de D. Manuel. Ao visitar as sepulturas originais de D. Afonso Henriques e de seu filho D. Sancho I, D. Manuel não as achou dignas e mandou fazer novas. Estando estas concluídas, o monarca quis assistir à trasladação dos restos mortais. E há um relato da época que diz o seguinte:
No Anno seguinte d'esta eleição, 1520 em os 16 dias do mês de Julho, estando o sereníssimo Rey Dom Manuel nesta cidade de Coimbra, veio a este seu real mosteiro à tarde e mandou abrir as sepulturas antigas dos primeiros dois Reys deste Reyno seus predecessores: Achou o corpo do devoto Rey Dom Affonso Henriques inteiro, incorrupto, a carne seca, e a cor pálida, e macilenta, mas de aspecto severo que parecia estar vivo, do qual sentia cheiro suavíssimo (...) Era el-rei de gigantesca estatura, de des palmos (2,20m) em comprido e de quatro de largo pellos peitos, e a perna que quebrou nas portas de Badajos era mais curta que a outra três dedos.
... Esta memoria deixou escrita João Homem, cavaleiro fidalgo da casa del Rey Dom Manuel que com elle se achou presente, e vio tudo com seus olhos.
Depois desta trasladação, abriu-se a sepultura mais duas vezes: em Setembro de 1732 e em 23 de Outubro de 1832. A primeira terá a ver com a tentativa de canonizar D. Afonso Henriques, tentando verificar a incorruptibilidade do corpo. Desta abertura, porém, pouco ou nada se sabe.
A 23 de Outubro de 1832, o túmulo terá sido aberto na presença de D. Miguel que, passando por Coimbra, quis ver os restos venerados do nosso primeiro rei. O ato foi noticiado na «Gazeta de Lisboa» nº 268 e passo a transcrever um extrato:
A sua caveira estava inteira, e mostrava ainda todos os dentes no seu logar menos um; as dimensões do craneo, e mais partes da cabeça eram grandes, e proporcionados os ossos dos braços e pernas, os quaes comparando-se com os da figura superior do tumulo se achou perfeitamente coincidirem com as dimensões respectivas, tendo 10 palmos (2,20m) de comprimento, como refere a História haver tido de altura o herói.
Enfim, é difícil de dizer se devemos acreditar nestas descrições. Não estou a acusar os seus autores de má fé, mas é verdade que, antigamente, havia muita relutância em quebrar com tradições e mitos, pelo que não se hesitava em "modelar" a realidade, como nos diz o Prof. Mattoso: «Não me admira que, depois da morte, o considerassem um grande homem, no sentido moral, e que essa qualificação tivesse passado para uma ideia física. O fundador da nacionalidade tinha de ser um homem grande. Devia ser um homem de grande vitalidade, pelas crónicas. Dirigia os combates em pessoa».
O historiador chama-nos, ainda, a atenção para que, da primeira vez, se falava de um corpo inteiro, incorrupto (...) do qual sentia cheiro suavíssimo, tratando-se de um testemunho que considera mais resultante da veneração tributada ao rei do que de uma observação objectiva. Ao tempo de D. Miguel, já não se fala do corpo, mas apenas de ossadas, que, aliás, «continuam a ser as de um gigante». 2,20m de altura parece-me, porém, demais, penso que um homem dessa estatura, apesar de forte, teria muita dificuldade em ser ágil, no campo de batalha.
Em Julho de 2006, esteve marcada mais uma abertura do túmulo, a fim de se analisarem os restos mortais com os métodos modernos. O próprio Prof. Mattoso afirmou: «Vai ser interessante comparar essa ideia com os resultados dos exames antropológicos sobre toda a compleição física». O ato estava a cargo de Eugénia Cunha, investigadora da Universidade de Coimbra, mas foi cancelado, à última da hora, pelo IPPAR.
Foi pena, na minha opinião. Claro que devemos respeitar os mortos e talvez seja melhor ficarmos com a nossa imagem de D. Afonso Henriques. Mas eu sou curiosa e gostaria de saber que "segredos" uma investigação desse tipo nos poderia revelar.
Nota: as descrições dos restos mortais aqui transcritas encontram-se no 1º Volume de Grandes Enigmas da História de Portugal (págs. 164 a 168), Ésquilo 2008
manuelmorgado.com |
A conversa acabou por puxar o assunto da abertura do túmulo de D. Afonso Henriques, algo que, aliás, já aconteceu por três vezes. A primeira foi no reinado de D. Manuel. Ao visitar as sepulturas originais de D. Afonso Henriques e de seu filho D. Sancho I, D. Manuel não as achou dignas e mandou fazer novas. Estando estas concluídas, o monarca quis assistir à trasladação dos restos mortais. E há um relato da época que diz o seguinte:
No Anno seguinte d'esta eleição, 1520 em os 16 dias do mês de Julho, estando o sereníssimo Rey Dom Manuel nesta cidade de Coimbra, veio a este seu real mosteiro à tarde e mandou abrir as sepulturas antigas dos primeiros dois Reys deste Reyno seus predecessores: Achou o corpo do devoto Rey Dom Affonso Henriques inteiro, incorrupto, a carne seca, e a cor pálida, e macilenta, mas de aspecto severo que parecia estar vivo, do qual sentia cheiro suavíssimo (...) Era el-rei de gigantesca estatura, de des palmos (2,20m) em comprido e de quatro de largo pellos peitos, e a perna que quebrou nas portas de Badajos era mais curta que a outra três dedos.
... Esta memoria deixou escrita João Homem, cavaleiro fidalgo da casa del Rey Dom Manuel que com elle se achou presente, e vio tudo com seus olhos.
Depois desta trasladação, abriu-se a sepultura mais duas vezes: em Setembro de 1732 e em 23 de Outubro de 1832. A primeira terá a ver com a tentativa de canonizar D. Afonso Henriques, tentando verificar a incorruptibilidade do corpo. Desta abertura, porém, pouco ou nada se sabe.
A 23 de Outubro de 1832, o túmulo terá sido aberto na presença de D. Miguel que, passando por Coimbra, quis ver os restos venerados do nosso primeiro rei. O ato foi noticiado na «Gazeta de Lisboa» nº 268 e passo a transcrever um extrato:
A sua caveira estava inteira, e mostrava ainda todos os dentes no seu logar menos um; as dimensões do craneo, e mais partes da cabeça eram grandes, e proporcionados os ossos dos braços e pernas, os quaes comparando-se com os da figura superior do tumulo se achou perfeitamente coincidirem com as dimensões respectivas, tendo 10 palmos (2,20m) de comprimento, como refere a História haver tido de altura o herói.
Enfim, é difícil de dizer se devemos acreditar nestas descrições. Não estou a acusar os seus autores de má fé, mas é verdade que, antigamente, havia muita relutância em quebrar com tradições e mitos, pelo que não se hesitava em "modelar" a realidade, como nos diz o Prof. Mattoso: «Não me admira que, depois da morte, o considerassem um grande homem, no sentido moral, e que essa qualificação tivesse passado para uma ideia física. O fundador da nacionalidade tinha de ser um homem grande. Devia ser um homem de grande vitalidade, pelas crónicas. Dirigia os combates em pessoa».
O historiador chama-nos, ainda, a atenção para que, da primeira vez, se falava de um corpo inteiro, incorrupto (...) do qual sentia cheiro suavíssimo, tratando-se de um testemunho que considera mais resultante da veneração tributada ao rei do que de uma observação objectiva. Ao tempo de D. Miguel, já não se fala do corpo, mas apenas de ossadas, que, aliás, «continuam a ser as de um gigante». 2,20m de altura parece-me, porém, demais, penso que um homem dessa estatura, apesar de forte, teria muita dificuldade em ser ágil, no campo de batalha.
Túmulo de D. Afonso Henriques, na Igreja de Santa Cruz, em Coimbra |
Foi pena, na minha opinião. Claro que devemos respeitar os mortos e talvez seja melhor ficarmos com a nossa imagem de D. Afonso Henriques. Mas eu sou curiosa e gostaria de saber que "segredos" uma investigação desse tipo nos poderia revelar.
Nota: as descrições dos restos mortais aqui transcritas encontram-se no 1º Volume de Grandes Enigmas da História de Portugal (págs. 164 a 168), Ésquilo 2008
15 de fevereiro de 2013
Carne para canhão
Este escândalo da carne de cavalo em substituição da de vaca não me afeta porque não compro refeições prontas. Mas entristece-me, pois junta duas coisas que abomino: a utilização abusiva de animais e a ganância (para já não falar da burla aos consumidores).
Não sou vegetariana, mas apelo a que se coma menos carne. Nunca, na História da Humanidade, se consumiu tanta carne como nos últimos 50/60 anos. Nem os nobres da Idade Média se empaturravam desta maneira, todos os dias. E, quando o faziam, era depois de uma sessão de caça, que também não aprecio, mas que, pelo menos, os punha frente a frente com os animais a consumir. Os camponeses só matavam uma galinha em dias de festa, de resto, alimentavam-se de cereais, vegetais, leguminosas e fruta. E um peixito, de vez em quando. O porco só se matava uma vez por ano. Acabados os enchidos, o que acontecia ainda antes do Verão, tinha de se esperar até ao próximo Outono para tornar a comer porco. As vacas e os bois eram preciosos demais para serem comidos.
Somos carnívoros, não ponho em dúvida. Nem defendo que voltemos aos tempos medievais, só dei o exemplo para acabar com a crença de que os humanos sempre se alimentaram de muita carne. É mentira, minha gente! E este consumo desenfreado, além de reduzir os animais a objetos sem rosto, apertados em transportes que, sofrendo um acidente, dá a confusão que se sabe, para serem mortos em série em fábricas como se enchem garrafas de refrigerante, dá-nos cabo da saúde e do nosso planeta. Juntando isto à ganância, temos destes lindos serviços.
A vida humana é muito curta e não é quem pratica estes excessos que sofrerá as verdadeiras consequências. Parece-me, porém, que a temporada da Quaresma será uma boa ocasião para se meditar sobre estes assuntos...
Não sou vegetariana, mas apelo a que se coma menos carne. Nunca, na História da Humanidade, se consumiu tanta carne como nos últimos 50/60 anos. Nem os nobres da Idade Média se empaturravam desta maneira, todos os dias. E, quando o faziam, era depois de uma sessão de caça, que também não aprecio, mas que, pelo menos, os punha frente a frente com os animais a consumir. Os camponeses só matavam uma galinha em dias de festa, de resto, alimentavam-se de cereais, vegetais, leguminosas e fruta. E um peixito, de vez em quando. O porco só se matava uma vez por ano. Acabados os enchidos, o que acontecia ainda antes do Verão, tinha de se esperar até ao próximo Outono para tornar a comer porco. As vacas e os bois eram preciosos demais para serem comidos.
Somos carnívoros, não ponho em dúvida. Nem defendo que voltemos aos tempos medievais, só dei o exemplo para acabar com a crença de que os humanos sempre se alimentaram de muita carne. É mentira, minha gente! E este consumo desenfreado, além de reduzir os animais a objetos sem rosto, apertados em transportes que, sofrendo um acidente, dá a confusão que se sabe, para serem mortos em série em fábricas como se enchem garrafas de refrigerante, dá-nos cabo da saúde e do nosso planeta. Juntando isto à ganância, temos destes lindos serviços.
A vida humana é muito curta e não é quem pratica estes excessos que sofrerá as verdadeiras consequências. Parece-me, porém, que a temporada da Quaresma será uma boa ocasião para se meditar sobre estes assuntos...
14 de fevereiro de 2013
Responsabilidade
«Vós sois responsáveis por tudo aquilo que fazeis. De alguém que é diretor, empresário, ministro ou Chefe de Estado, diz-se que tem grandes responsabilidades. Sim, mas, na realidade, todos os humanos são também responsáveis em relação uns aos outros. Infelizmente, a maior parte não sabe isso e essa ignorância é a causa de muitos sofrimentos».
Costumo receber por email os pensamentos de Omraam Mikhaël Aïvanhov, um filósofo nascido na Bulgária, mas que viveu em França. A sua filosofia é divulgada pelas Edições Prosveta.
Hoje resolvi transcrever aqui este pequeno excerto. Porque o considero muito importante.
Costumo receber por email os pensamentos de Omraam Mikhaël Aïvanhov, um filósofo nascido na Bulgária, mas que viveu em França. A sua filosofia é divulgada pelas Edições Prosveta.
Hoje resolvi transcrever aqui este pequeno excerto. Porque o considero muito importante.
12 de fevereiro de 2013
Bebés e cães
Também pode ser assim
Pequenas indicações que podem evitar tragédias:
Nunca deixe bebés e/ou crianças pequenas com animais sem vigilância (mesmo que também esteja em casa, noutra divisão). Considere que um cão só sabe verdadeiramente lidar com crianças se conviver com elas no dia-a-dia, de preferência, desde pequeno. Para isso, é essencial integrar o cão na família. É igualmente essencial que os pais/donos conheçam bem as crianças e os cães em questão, de maneira a poderem prever as suas reações (acontece frequentemente não se conhecer bem o cão que se tem, o que denota falta de tempo e dedicação; infelizmente, também há pais que parecem não fazerem ideia de como são os seus filhos).
A convivência é possível. E faz tããããão bem! Mas não é um dado adquirido. Os cães (tais como os humanos) não se ligam ou desligam com o acionar de um botão.
Nota: Recebi as fotografias por email, sem indicação do autor.
10 de fevereiro de 2013
Quando (quase) ninguém nos entende
"Olha prò filho da puta! Viste as mamas da gaja? Dás um empurrão ao velhote e ele espalha-se. Tanto pretinho, pá! Eu a julgar que estava na Holanda."
Não somos todos assim. Mas há portugueses que, vendo-se no estrangeiro, desatam a dizer disparates, fiados que ninguém os entende. Nunca se fiem! É que há mesmo portugueses em todo o lado (neste caso, o escritor José Rentes de Carvalho).
Também me aconteceu uma vez, no S-Bahn de Hamburgo (uma espécie de Metro de superfície), ouvir um casalinho português. Diziam tanto disparate, que eu fingi... ser alemã. E nem me descosi quando eles se meteram com um ursinho que eu, naqueles tempos, trazia pendurado na carteira a tiracolo. Acho que o confundiram com um cãozinho, pois começaram a ladrar em português.
Não somos todos assim. Mas há portugueses que, vendo-se no estrangeiro, desatam a dizer disparates, fiados que ninguém os entende. Nunca se fiem! É que há mesmo portugueses em todo o lado (neste caso, o escritor José Rentes de Carvalho).
Também me aconteceu uma vez, no S-Bahn de Hamburgo (uma espécie de Metro de superfície), ouvir um casalinho português. Diziam tanto disparate, que eu fingi... ser alemã. E nem me descosi quando eles se meteram com um ursinho que eu, naqueles tempos, trazia pendurado na carteira a tiracolo. Acho que o confundiram com um cãozinho, pois começaram a ladrar em português.
6 de fevereiro de 2013
O Rei no parque de estacionamento
Tenho seguido com muito interesse esta história das ossadas descobertas num parque de estacionamento de Leicester, em Inglaterra. Parece que pertencem mesmo a Ricardo III, o que é uma sensação.
Apesar de ter reinado apenas durante dois anos (de 1483 a 1485), Ricardo III é um dos monarcas mais conhecidos da História de Inglaterra. Muito por causa do incontornável Shakespeare, que, na sua peça sobre o último dos Plantegenetas, cria uma personagem fascinante pela sua crueldade. O corcunda Ricardo III manda, primeiro, encerrar os dois sobrinhos, de dez e doze anos, na Torre de Londres, para, pouco depois, ordenar o seu assassínio, apoderando-se, assim, do trono deixado vago pelo irmão, Eduardo IV, morto prematuramente.
Hoje em dia, duvida-se desta versão. Shakespeare era um génio da literatura, mas não era historiador. E "limitou-se" a adaptar a lenda criada pela corte dos Tudor, decidida a denegrir a imagem da dinastia anterior. Afinal, Ricardo III pereceu na Batalha de Bosworth Field, lutando contra Henrique Tudor, que haveria de se tornar no rei Henrique VII, pai do famoso Henrique VIII e avô da não menos famosa Isabel I.
Por acaso, já há bastantes anos que eu criara um certo "carinho" por Ricardo III, à custa do romance The Sunne in Splendour, da historiadora e escritora americana Sharon Kay Penman. Também ela é de opinião que a História não fez justiça ao último dos Plantagenetas e nesse seu romance reabilita a sua imagem, apresentando-o como vítima das circunstâncias.
Está-se longe de saber como morreram os dois Príncipes na Torre, acima de tudo, há muitos suspeitos, todos eles cobiçando o trono. Estava-se na época das Guerras das Rosas, entre as Casas de York e Lancaster, a corte inglesa era um vespeiro de intrigas e maquinações. Seria Ricardo III o cérebro da perfídia? Ou acabou por ser ultrapassado pelos acontecimentos?
Ricardo III foi o último rei inglês a morrer numa batalha, marcando o fim da Idade Média naquele país. Os Tudor são já monarcas do Renascimento. Ricardo contava apenas 32 anos, naquele fatídico 22 de Agosto de 1485. A partir do esqueleto encontrado, já foi criada uma imagem computorizada em 3D.
Gente! Muito gostava eu de ver uma imagem destas de D. Afonso Henriques, ou mesmo de D. Dinis!
Apesar de ter reinado apenas durante dois anos (de 1483 a 1485), Ricardo III é um dos monarcas mais conhecidos da História de Inglaterra. Muito por causa do incontornável Shakespeare, que, na sua peça sobre o último dos Plantegenetas, cria uma personagem fascinante pela sua crueldade. O corcunda Ricardo III manda, primeiro, encerrar os dois sobrinhos, de dez e doze anos, na Torre de Londres, para, pouco depois, ordenar o seu assassínio, apoderando-se, assim, do trono deixado vago pelo irmão, Eduardo IV, morto prematuramente.
Hoje em dia, duvida-se desta versão. Shakespeare era um génio da literatura, mas não era historiador. E "limitou-se" a adaptar a lenda criada pela corte dos Tudor, decidida a denegrir a imagem da dinastia anterior. Afinal, Ricardo III pereceu na Batalha de Bosworth Field, lutando contra Henrique Tudor, que haveria de se tornar no rei Henrique VII, pai do famoso Henrique VIII e avô da não menos famosa Isabel I.
Por acaso, já há bastantes anos que eu criara um certo "carinho" por Ricardo III, à custa do romance The Sunne in Splendour, da historiadora e escritora americana Sharon Kay Penman. Também ela é de opinião que a História não fez justiça ao último dos Plantagenetas e nesse seu romance reabilita a sua imagem, apresentando-o como vítima das circunstâncias.
Está-se longe de saber como morreram os dois Príncipes na Torre, acima de tudo, há muitos suspeitos, todos eles cobiçando o trono. Estava-se na época das Guerras das Rosas, entre as Casas de York e Lancaster, a corte inglesa era um vespeiro de intrigas e maquinações. Seria Ricardo III o cérebro da perfídia? Ou acabou por ser ultrapassado pelos acontecimentos?
Ricardo III foi o último rei inglês a morrer numa batalha, marcando o fim da Idade Média naquele país. Os Tudor são já monarcas do Renascimento. Ricardo contava apenas 32 anos, naquele fatídico 22 de Agosto de 1485. A partir do esqueleto encontrado, já foi criada uma imagem computorizada em 3D.
Gente! Muito gostava eu de ver uma imagem destas de D. Afonso Henriques, ou mesmo de D. Dinis!
3 de fevereiro de 2013
Naquele Tempo (14)
É de supor que quem queria subir de nível procurasse noiva acima do seu. As hipóteses de o conseguir, porém, não garantiam automaticamente a ascenção social: pelo menos, quando a diferença era grande, um casamento deste género podia ser considerado, como acontecia regularmente noutras regiões feudais, nomeadamente na Catalunha, como uma forma de sancionar a vassalagem do respectivo noivo. É provável que, pelo menos em caso em que se podem presumir relações de vassalagem, mais ou menos clara, isto acontecesse também em Portugal. Os estudos destes casos não são fáceis porque as relações de dependência feudal são, em Portugal, pouco explícitas.
(...)
Mais claros são certos casos de matrimónios de nobres de categoria média ou inferior desposarem herdeiras (não filhas segundas) de linhagens prestigiadas e por esse meio garantirem a sua passagem a níveis superiores de aristocracia. Leontina Ventura (1992) deu alguns exemplos típicos situados na época de transformações que foi o reinado de Afonso III e a este propósito estudou particularmente o caso típico dos Briteiros (com A. Resende de Oliveira, 1995). Este último foi pouco depois objecto de outra análise por J. C. Miranda (1996), dado o seu especial interesse por incluir a história de um rapto de mulher de condição superior.
A maior parte das vezes, porém, os casamentos verificam-se entre membros da mesma categoria social e servem justamente para garantirem a sua perpetuação.
(...)
Como se poderia esperar, o casamento com noivas de condição inferior patenteia, só por si, a decadência da linhagem (...) mesmo quando constituem um recurso para resolver endividamentos.
A mulher é, portanto, o principal elemento dinamizador das relações sociais, como observou Lévi-Strauss.
Páginas 342/343, Perspectivas actuais sobre a nobreza medieval portuguesa
1 de fevereiro de 2013
O Espião de D. João II
Do texto da contracapa:
Em 1487, Pêro da Covilhã foi enviado de Portugal, ao mesmo tempo que Bartolomeu Dias, a descobrir por terra, aquilo que o navegador ia demanadar por mar: uma rota para as especiarias da Índia e notícias do encoberto Preste João.
O livro ideal para quem gosta de aventuras, sem se preocupar com a profundidade psicológica das personagens. Lê-se como se vê um filme de Indiana Jones, só que aqui o herói é um espião português, Pêro da Covilhã, que, disfarçado de mercador mouro originário do Al-Andalus, com o nome de Ali Moumen, reune informações para D. João II sobre a Índia e a África, ao mesmo tempo que busca o lendário império de Preste João*.
A autora utiliza bastante linguagem da época, nomeadamente, expressões antigas típicas da zona da Serra da Estrela, de onde é originária a personagem principal. Algumas palavras são-nos desconhecidas, mas vêm explicadas em notas de rodapé. Por outro lado, Pêro da Covilhã passa grande parte do romance a falar árabe, pelo que não se justificaria o uso desses termos nessas situações.
As aventuras incluem lutas, muitas lutas, bem descritas pela autora. E também há lugar para paixões e, até, mortes de amor. Mas, como disse, as personagens não têm profundidade, agem como delas se espera, pelo que não são necessárias grandes explicações para os seus atos. Não sendo grande apreciadora de livros de aventuras, gostei, acima de tudo, do que aprendi sobre as civilizações visitadas por Pêro da Covilhã, nomeadamente, as africanas.
O livro está bem pesquisado e escrito, pelo que é uma leitura que, além de entreter, instrui. E o fim inesperado e aberto presta-se a uma continuação, apesar das mais de 500 páginas deste volume.
* O Mito do Preste João das Índias tem raízes na expansão do cristianismo nos primeiros séculos, nas longínquas terras do Sul e do Oriente e nas comunidades cristãs posteriores, nestorianos e jacobitas.
Do século XII até meados do século XIV, o Preste João foi situado na Ásia, nos confins da Pérsia e da Tartária ou na parte menos conhecida da Índia, até ao momento em que estas regiões se tornaram conhecidas de muitos viajantes, que provaram a inexistência desse vastíssimo império cristão. A partir do século XIV, deu-se a transferência do mito do Preste João da Ásia para a África, mais precisamente, da Índia para a Etiópia, em cuja descoberta e divulgação Pêro da Covilhã e os reis de Portugal tiveram uma grande intervenção (explicações da autora, nas págs. 517 e 518).
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