Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

11 de setembro de 2013

Talento inato

«Tenho uma aversão enorme àquela perspetiva de talentos inatos. Sinceramente não acredito que ninguém nasça com "isto do humor". Custa-me acreditar que um animal nasça com um talento inato para praticar um desporto que foi inventado no século XIX... Acho difícil que a natureza esteja atenta ao ténis».

Ricardo Araújo Pereira, em entrevista à Visão nº 1057 - 06-06-2013

Eu não seria tão radical como este conhecido humorista, penso que há certos talentos que nascem connosco. Mas é verdade que um talento inato permanece, muitas vezes, desconhecido, até ao próprio que o possui. O ambiente em que se vive, desde que se nasce, é determinante. Considero um engano aquela ideia de que, nascendo com determinado talento, ele acabará por se revelar, mais cedo ou mais tarde, qual toque de génio, independentemente das circunstâncias da vida de cada um, encontrando-se o mundo pronto para aplaudir.

Lembrei-me disto, ao ler um artigo sobre uma jovem escritora, na revista Ler Nº 125, de junho passado. Rebeca Amorim Csalog estreia-se, aos 17 anos, com Glyrmandia (Editora Planeta), um romance de fantasia com um herói português. Rebeca diz-nos que escreveu a história «que gostava de ter lido aos treze anos, quando era uma devoradora de fantasia». Foi precisamente com essa idade que começou a escrever o livro, que, entre pesquisas, escrita e revisões, demorou algum tempo a ficar concluído. Até porque Rebeca frequenta o 11º ano do curso de Artes Visuais na Escola Secundária de Camões, paralelamente ao curso de Música no antigo Conservatório.

E é aqui que o talento se liga ao ambiente em que se vive. A jovem escritora está, desde sempre, ligada às artes, toca harpa desde os seis anos. E diz-nos: «foi a minha mãe que sempre me leu histórias e me incentivou a imaginar e a inventar quem me transmitiu o gosto pela leitura, que mais tarde originou o gosto pela escrita».

Há exceções (raras, muito raras), mas, sem ajudas e incentivos, não se vai a lado nenhum, por muito talento que se possua. Aliás, na minha opinião, o talento conta apenas 30 a 40% para o sucesso de um escritor. O resto é disciplina, muito trabalho, sorte e, claro, os tais incentivo e ajuda.

Ainda bem que há famílias que proporcionam a libertação do talento aos seus rebentos, e o apoiam, como o fez a de Rebeca Amorim Csalog.





6 comentários:

NLivros disse...

Na minha opinião, há areas em que o talento é mais importante que outras, em todo o caso, o trabalho e a persistência ocupam um importante lugar na criação desse "talento".
Em relação à área da literatura, penso que o talento é o que menos importância tem. Pessoalmente acho que o trabalho, a disciplina e o "saber" pesquisar e colectar informação ocupam maior importância no acto de escrever um livro. Aliás, digo mais, penso que os escritores são aqueles que melhor conseguem criar uma disciplina própria.

Cristina Torrão disse...

Uma ideia muito lúcida do que é ser escritor, caro Iceman :)

Bartolomeu disse...

Na prática, cada um de nós tem certamente um talento, mesmo que seja o talento para não ter talentos. Mas tanto o talento, como a ausência dele, é sempre determinado e aferido por terceiros, os quais nem sempre são dotados de talento, para reconhecer nos outros, o talento.
Toda a minha vida me convenci de não possuir qualquer talento. Quando me revisito e relembro o meu percurso até à data, reconheço que fiz imensas coisas, desenvolvi várias atividades que requeriam possuir algum talento, mas nunca tive a consciência de possuir um único. Ou seja; chego a duvidar de ter tido talento para fazer certas coisas. No entanto, ficaram feitas, com ou sem talento, sempre alheado do reconhecimento desse talento. Sempre tentando o mais possível não me deixar subordinar a uma disciplina para além daquela que rege a ordem natural das coisas. No entanto, a minha vida nunca foi um caos. Olha! Acabei de descobrir que possuo talento para ordenar o caos!
;)))))

Cristina Torrão disse...

"cada um de nós tem certamente um talento" - uma grande verdade! O problema é que muitos de nós não o conseguem desenvolver, alguns, nem o descobrem.

"Toda a minha vida me convenci de não possuir qualquer talento" - acreditas que vivi cerca de trinta anos da minha vida convencida de que não tinha imaginação nenhuma?

E tu tens o talento de descobrir o essencial da vida, filosofando. Pelo menos ;)

Bartolomeu disse...

Cristina, não tenho o talento de prever se tens ainda 100 anos para viver - quando leio os teus livros, convenço-me que sempre exististe e que existirás para sempre - mas, 100 anos não seriam suficientes para esgotarmos este tema, conversando, teorizando e opinando acerca de talentos, do que são os talentos, de como e de quando se manifestam e sob que condições. Contudo não resisto confidenciar-te aquilo que até poderia considerar um talento, se não achasse que se trata de uma mera casualidade. Desde miudo que a montagem de puzzles se tornou um dos meus passatempo de estimação. Essa brincadeira de encontrar no meio de uma montanha de peças (5.000, 10.000 ou mais) creio que me fez desenvolver uma aptência que transbordou da prancha de montagem para o ambiente que me envolve e daí para a leitura dos diversos sinais, sociais e políticos, levando-me a prever alguns acontecimentos com relativa precisão. É exemplo esta crise que vivemos, a qual previ à vinte anos, em plena euforia da vinda de fundos comunitários e da extravagância dos sucessivos governos. Agora, prevejo algo terrível, o que não considero talento nenhum, dado o estado actual das coisas, só que, agravado pelo facto de termos passado um período largo de abundância e não o termos aproveitado para alicerçar uma sustentabilidade que já faliu e que em breve irá cavar fossos sociais muito fundos, com todas as consequências que daí previsívelmente advêm, mais aquelas, desencadeadas pelas anteriores, que somos incapazes de prever. Parece-me que perante o que está para vir, o inferno de Dante Alighieri, passará para a estante dos contos infantis.

Cristina Torrão disse...

Também houve uma fase da minha vida em que me dediquei à montagem de puzzles, mas foi curta e há muito tempo. Ainda assim, cheguei às mil peças ;) Acho um exercício muito interessante e que, sem dúvida, desenvolve algumas das nossas capacidades.

Os portugueses sempre sofreram desse "síndrome" de não saberem aproveitar períodos de abundância para precaverem o futuro. Pensas que vem aí desgraça ainda maior? É capaz...

Obrigada pelos elogios ;)