Sou hoje surpreendida, ao ligar-me à internet, com a notícia da morte de Gabriel García Márquez, Nobel da Literatura em 1982. Sabia-se que a sua saúde estava muito debilitada, mas a morte surpreende-nos sempre.
Muita gente escreve em homenagem, pelos blogues, recorda as suas obras literárias. Mas eu não posso deixar de referir algo muito significativo, agora que se aproxima o 40º aniversário da Revolução: Gabriel García Márquez andou por Portugal em 1975 e escreveu três crónicas sobre esses tempos, no calor dos acontecimentos. A revista Visão republicou-as em 2004. Recorde-se que Gabo era um entusiasta da revolução cubana (pelo menos, naquela altura). A transcrição dos seguintes excertos (segundo os textos publicados pela Visão) não pretendem ser uma crítica, ou uma apologia, mas tão-só testemunhar uma época.
Em Portugal, muitos acreditam que o primeiro grande erro que a revolução
cometeu foram as eleições de 25 de Abril [de 1975]. Foram realizadas contra a
vontade do partido comunista (PCP), que só obteve 12% dos votos (…) As análises
mais sérias concordam, sem dúvida, que estes resultados não correspondem à
realidade, porque numa situação como a actual em Portugal não é possível aferir
a realidade política pela quantidade de votos. «O PS obteve mais votos, mas o
PCP tem uma maior força política devido à sua real implantação nas bases»,
disse-me um professor universitário. «Além disso, a direita destronada, mais
hábil e inteligente, orientou os seus votos para o socialismo, ou seja,
escondeu-se dentro da legalidade eleitoral para pôr um travão na revolução».
«Caímos numa armadilha
tola», disse-me um membro do Conselho da Revolução. «As eleições foram
prometidas na euforia do primeiro momento, sem um conhecimento real das condições
do país, e não as realizar poderia ter comprometido a credibilidade do MFA».
Respondi-lhe que a revolução cubana, apesar das pressões vindas de todos os
lados, não se deixou cair nessa armadilha.
Os camponeses terão as armas quando souberem contra quem têm de as usar.
É uma promessa formal do MFA, e com essa finalidade foi criada a instituição
mais original, interessante e eficaz da revolução portuguesa: as campanhas de
dinamização cultural. São simplesmente brigadas de politização do MFA, que se
misturam de igual para igual com os camponeses para os ajudar a superar os
velhos preconceitos e explicar-lhes o sentido da revolução e a necessidade do
socialismo (…) O homem que concebeu a ideia, a sistematizou e está a levá-la
por diante com base numa experiência semelhante em Cuba é o comandante da
Marinha Ramiro Correia, um médico de 32 anos, inteligente e culto, membro do
Conselho da Revolução e um dos cérebros políticos do MFA.
[Vasco Gonçalves] «É o
único puritano em quem se pode confiar», disse-me um velho amigo seu, quando
lhe manifestei a minha inquietação pelo facto de o primeiro-ministro só beber
água mineral, mesmo nas festas mais íntimas.
No aeroporto, senti uma
espécie de exaltação irreprimível que não experimentava desde os primeiros anos
da revolução cubana. Aos amigos que foram despedir-se de mim, disse estar
convencido de que – na minha opinião – a revolução portuguesa não precisará
tanto de heroísmo como de prudência e imaginação. «Então estamos salvos»,
disse-me a escritora Maria Velho da Costa. «Porque o povo português, tal como o
diabo, sabe mais por ser velho do que por ser povo».
Lembro-me de um colega do meu pai, comunista dos sete costados, responder à pergunta sobre o porquê de na antiga URSS não haver eleições: "para quê, está lá quem o povo quer!".
ResponderEliminarSintomático...
Utopias que caíram com o Muro de Berlim (pelo menos, na maior parte dos casos).
ResponderEliminar