Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

25 de janeiro de 2017

Construção de mentalidades, aqui e na China


Segundo uma notícia do The Guardian, o governo chinês decidiu reescrever a História, nos livros escolares, aumentando a guerra sino-japonesa em seis anos. Receia-se que a alteração possa irritar o Japão e piorar a relação entre os dois países.

É comummente aceite pelos historiadores que a segunda guerra sino-japonesa se iniciou em 1937, com o designado incidente da Ponte Marco Polo, em que tropas japonesas e chinesas se combateram ao longo de uma linha férrea, a sudoeste de Pequim. O governo chinês quer agora impor a invasão japonesa da Manchúria, iniciada no Outono de 1931, como o ponto de partida desta guerra. No entanto, só a partir de 1937, os comunistas chineses se juntaram aos nacionalistas, a fim de combaterem o Japão. Até aí, os dois partidos estiveram envolvidos numa guerra civil. 

Este assunto que, em princípio, não nos diz respeito, fez-me lembrar que o influenciar das mentalidades nos bancos de escola funcionou muito bem entre nós, durante a ditadura do Estado Novo. Funcionou tão bem, que, segundo o Professor Moisés de Lemos Martins, da Universidade do Minho, o imaginário salazarista permanece no imaginário contemporâneo, através das ideias de portugalidade e lusofonia. 

De facto, desde que comecei a pesquisar sobre a nossa História Medieval, baseando-me nas fontes mais atuais possíveis, constatei que o nosso imaginário ainda está cheio de lendas e outras narrativas, cultivadas pelo Estado Novo e que enchiam os livros escolares da altura, dando-nos uma ideia errada de certos acontecimentos.

Mas o imaginário salazarista não se faz sentir apenas na História. Na tese de doutoramento defendida por Moisés de Lemos Martins na Universidade de Ciências Humanas de Estrasburgo, em 1984, o agora Professor Catedrático chama a atenção para o Portugal criado por Salazar: um país que vivia modestamente, gerindo bem os seus recursos, mas que simultaneamente era um império que ia “do Minho a Timor, e se mais mundos houvera”.

Os discursos salazaristas serviam-se de duas figuras: a da “boa dona de casa”, que vive modestamente, mas que sabe gerir bem os pequenos recursos e as suas poupanças, e a do “navegador-guerreiro das caravelas”, que exalta o império.

A mentalidade criada por estas duas figuras continua tão atual, que a editora Afrontamento resolveu publicar a 2.ª edição do livro O Olho de Deus no Discurso Salazarista, que reproduz a tese de doutoramento referida.


Sem comentários:

Enviar um comentário