Livros como O Deus das Moscas, de William Golding, em que um grupo de crianças e jovens vai parar a uma ilha deserta e se cometem crueldades sem fim, ou como Os Cachorros / Os Chefes, de Mario Vargas Llosa, que nos dá a conhecer o mundo violento dos jovens dos anos 1950 e 60 na América do Sul, levam muita gente (a maioria) a concluir que nós humanos, somos, no fundo, maus, cruéis, egoístas, prepotentes, enfim, não passamos de um poço de violência que só à custa de muita educação se controla.
Eu discordo. Ou, pelo menos, tenho muitas dúvidas.
A crença de que nascemos violentos e egoístas e de que precisamos de mão
pesada a controlar-nos desde o início é a que tem vigorado através dos tempos. Convenhamos que os resultados não têm sido os melhores, o mundo está como está! Talvez por isso, há psicólogos e outros estudiosos da mente
humana que, nos últimos anos, começaram a duvidar desta versão, ou, pelo menos, a procurar alternativas, já que somos animais sociais, ou
seja, o ser humano nunca teria sobrevivido, se não soubesse viver em
comunidade.
Tem-se observado que nos tornamos mais felizes, quando as nossas relações
com os outros funcionam. Bem-estar e sucesso são importantes, mas o ser humano
só é verdadeiramente feliz se o casamento é harmonioso, se a relação com os
filhos corre bem, se os contactos com os parentes, vizinhos, amigos e colegas
se mantêm intactos. Todos nós, mesmo todos, temos um desejo enorme de sermos
aceites pelos outros. Há, por isso, quem diga que, já no infantário e na escola,
o transmitir de conhecimentos não devia estar em primeiro plano, mas sim o
aprender a criar e gerir as relações.
Parece óbvio que nascemos com aptidão para a harmonia. Será mesmo tão difícil
ensinar as crianças a serem boas e empáticas?
Os bebés procuram permanentemente o contacto com a mãe, ou com algum adulto que
sintam próximo deles. Subtrair-lhes a proximidade de que precisam (com o
absurdo medo de que fiquem mal habituados) é, na minha opinião, o primeiro
grande erro. A partir daí, a educação continua agressiva e proibitiva, a que se
acrescenta o carácter muitas vezes complicado dos pais, eles próprios egoístas,
ambiciosos, mentirosos, carentes. E o pior de tudo: conflitos são tratados com
agressividade, seja em discussões aos berros, seja passando mesmo à violência
física. As crianças aprendem a ser assim.
A proteção exagerada também é muito prejudicial, deixa as crianças, ou convencidas
de que são o centro do mundo, ou incapazes de lidar com problemas e desilusões,
o que, na pior das hipóteses, as torna adultos imprevisíveis. O ideal será o meio-termo,
em que a criança é acompanhada e apoiada, ao mesmo tempo que se lhe dá lugar à criatividade,
à própria iniciativa e ao seu desejo inato de estabelecer contacto e ser aceite
pelos outros. Além disso, é importante orientá-la para a reflexão
interior. Se, por exemplo, o filho chega a casa aborrecido e triste porque o
amigo não quis brincar com ele, em vez de lhe dizer: “deixa lá, não lhe tornes
a ligar”, ou mesmo incitá-lo a reagir com insultos: “da próxima vez, chama-lhe
estúpido”, a mãe ou o pai deviam dizer: “oh, que pena! Mas diz lá, porque achas
que ele não quer? Será que fizeste algo que ele não gostou? Passou-se alguma coisa?”
Encorajada a falar, a criança começa a analisar o seu próprio comportamento e o
do outro, o passo mais importante para a resolução de conflitos de uma forma
pacífica.
Em suma: em vez de se limitar a recalcar e a censurar as qualidades inatas negativas (pois atinge-se o efeito contrário), a educação
devia realçar as positivas. E é importante que a criança se sinta levada a
sério e aprenda a falar sobre aquilo que a aflige.
As crianças e os jovens que Golding e Llosa nos apresentam já não são naturais.
Já estão completamente contaminados por uma educação agressiva e
desrespeitadora das suas necessidades e dos seus problemas.
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