Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

26 de agosto de 2017

O Verão de 2012




«Durante o Verão de 2012, um psiquiatra e o seu paciente conversam e trocam correspondência acerca do confronto entre a vida e a morte».

É este o mote desta obra (citado da sinopse da editora), que, penso, terá aspetos biográficos, já que, tal como P., a personagem principal, que aliás só conhecemos através do narrador, o seu psiquiatra, também o escritor Paulo Varela Gomes sofria de doença incurável (viria a morrer em 2016).

Paulo Varela Gomes não só divaga sobre a vida e a morte, mas também sobre a situação do país, nesse ano em que se iniciou a austeridade, com algumas incursões ao tempo da Revolução de Abril, que o desiludiu, e igualmente sobre autores setecentistas que escreveram sobre Portugal, com destaque para os diários de William Beckford.

É sempre enriquecedor ver o nosso país sob o ponto de vista de um estrangeiro, que, claro, nunca é objetivo, principalmente um inglês setecentista com complexo de superioridade. Aguça, porém, o espírito crítico. Como exemplo das reflexões de P., escolhi, no entanto, outros temas, os meus preferidos, que têm a ver com a condição humana e a sua relação com os bichos e as plantas. Recordo que o narrador é o psiquiatra, o que implica um distanciamento do autor em relação à sua própria opinião, um exercício que achei interessante, pois demonstra a sua consciência de não ser o dono da verdade, sem deixar, no entanto, de exprimir o que lhe vai no pensamento:

“nessa época em que se iniciava a fase mais mortífera do massacre das baleias pelos pescadores europeus e norte-americanos em todos os oceanos da terra, cujos únicos resultados assinaláveis foram a quase extinção das baleias e a obra-prima de Herman Melville, Moby Dick, um livro publicado em 1851 que, escreveu P., retomando uma das suas boutades favoritas, deixou completamente indiferente a grande maioria dos seres vivos, em particular, as baleias, os outros bichos e as plantas, sempre alheios às chamadas obras de arte com que os humanos acham sinceramente distinguir-se dos outros habitantes do planeta” (p. 14).

“Mas, escreveu ele, este facto, o facto de os humanos só terem progredido naquilo que é a manutenção e o prolongamento da sua vida, só terem obedecido a um, e um único, dos mandamentos divinos ou dos comandos de programação com que foram lançados na Terra, a injunção «Crescei e multiplicai-vos!», esse facto mostra que os humanos cuidam de si com uma indiferença perante o meio onde vivem que os torna semelhantes aos vírus, organismos que, para se poderem multiplicar à vontade, liquidam o corpo do qual se alimentam” (p. 36).

Sobre os portugueses, refere um aspeto que eu aliás abordei no livro Tu És a Única Pessoa:

“a esmagadora maioria dos portugueses não se deu mal com o salazarismo; eram como toda a gente, cujo lema de vida, em todas as épocas e em toda a parte, foi aquele que os cobardes espalharam em Portugal: «A minha política é o trabalho», quer dizer, é o silêncio, a aquiescência envergonhada, o medo da própria sombra” (ps. 80/81).

Um livro a ler, portanto.


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