«Durante o Verão de 2012, um psiquiatra e o seu paciente
conversam e trocam correspondência acerca do confronto entre a vida e a morte».
É este o mote desta obra (citado da sinopse da editora),
que, penso, terá aspetos biográficos, já que, tal como P., a personagem
principal, que aliás só conhecemos através do narrador, o seu psiquiatra, também
o escritor Paulo Varela Gomes sofria de doença incurável (viria a morrer em
2016).
Paulo Varela Gomes não só divaga sobre a vida e a morte, mas
também sobre a situação do país, nesse ano em que se iniciou a austeridade, com
algumas incursões ao tempo da Revolução de Abril, que o desiludiu, e igualmente
sobre autores setecentistas que escreveram sobre Portugal, com destaque para os
diários de William Beckford.
É sempre enriquecedor ver o nosso país sob o ponto de vista
de um estrangeiro, que, claro, nunca é objetivo, principalmente um inglês
setecentista com complexo de superioridade. Aguça, porém, o espírito crítico. Como
exemplo das reflexões de P., escolhi, no entanto, outros temas, os meus
preferidos, que têm a ver com a condição humana e a sua relação com os bichos e
as plantas. Recordo que o narrador é o psiquiatra, o que implica um
distanciamento do autor em relação à sua própria opinião, um exercício que
achei interessante, pois demonstra a sua consciência de não ser o dono da
verdade, sem deixar, no entanto, de exprimir o que lhe vai no pensamento:
“nessa época em que se iniciava a fase mais mortífera do
massacre das baleias pelos pescadores europeus e norte-americanos em todos os
oceanos da terra, cujos únicos resultados assinaláveis foram a quase extinção
das baleias e a obra-prima de Herman Melville, Moby Dick, um livro publicado em 1851 que, escreveu P., retomando
uma das suas boutades favoritas,
deixou completamente indiferente a grande maioria dos seres vivos, em
particular, as baleias, os outros bichos e as plantas, sempre alheios às
chamadas obras de arte com que os humanos acham sinceramente distinguir-se dos
outros habitantes do planeta” (p. 14).
“Mas, escreveu ele, este facto, o facto de os humanos só
terem progredido naquilo que é a manutenção e o prolongamento da sua vida, só
terem obedecido a um, e um único, dos mandamentos divinos ou dos comandos de
programação com que foram lançados na Terra, a injunção «Crescei e
multiplicai-vos!», esse facto mostra que os humanos cuidam de si com uma
indiferença perante o meio onde vivem que os torna semelhantes aos vírus,
organismos que, para se poderem multiplicar à vontade, liquidam o corpo do qual
se alimentam” (p. 36).
Sobre os portugueses, refere um aspeto que eu aliás abordei
no livro Tu És a Única Pessoa:
“a esmagadora maioria dos portugueses não se deu mal com o
salazarismo; eram como toda a gente, cujo lema de vida, em todas as épocas e em
toda a parte, foi aquele que os cobardes espalharam em Portugal: «A minha
política é o trabalho», quer dizer, é o silêncio, a aquiescência envergonhada,
o medo da própria sombra” (ps. 80/81).
Um livro a ler, portanto.
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