Toda a gente acha muito bem que os filhos de portugueses no
estrangeiro frequentem aulas de língua materna. Mas alguém se questiona como
funciona esse ensino, qual a sua eficiência e em que condições os professores
trabalham?
Dei aulas a crianças portuguesas em Hamburgo apenas durante
dois anos letivos e, apesar de ter sido uma experiência interessante, fiquei
revoltada com uma série de coisas. Como, porém, já se passaram quase vinte anos
(foi entre 1998 e 2000), pensei que a situação tivesse melhorado, até porque
participei em reuniões em que muito se discutia o assunto e me deixavam com a
impressão de que se estava perto da viragem. Li, agora, uma entrevista que a
Secretária-Geral do Sindicato dos Professores nas Comunidades Lusíadas, Teresa
Soares, deu ao jornal Portugal Post
e constatei que a situação, afinal, está pior do que nunca!
Os professores do Ensino de Português no Estrangeiro (EPE)
não têm os mesmos direitos dos seus colegas a exercer em Portugal no que, por
exemplo, diz respeito à progressão na carreira. Teresa Soares diz que o ME sacode a água do capote, alegando que, com a passagem do EPE para o
MNE/Instituto Camões em 2010, deixou de ter responsabilidades para com os
docentes no estrangeiro.
Teresa Soares não poupa, aliás, em críticas ao Instituto Camões,
que, segundo ela, recusa o cumprimento das leis de proteção à família e à
maternidade, não podendo as professoras no estrangeiro recuperar férias
suspensas por licença de maternidade nem usufruir das reduções de horários
previstas para cuidar de filhos pequenos. No caso de doença grave, os professores
do EPE, além de poderem ser despedidos se faltarem
mais de sessenta dias, não têm direito à Lei da Mobilidade Especial, que
permite ter um local de trabalho mais próximo da sua residência.
A diminuição constante do número de alunos obriga a turmas cada vez mais mistas,
com quatro e cinco níveis de escolaridade acumulados. Além disso, há
professores que se deslocam a uma localidade diferente em cada dia da semana e
têm a seu cargo alunos do 1º ao 12º ano de escolaridade e com conhecimentos de
Português de níveis diferentes.
Esta questão dos níveis é muito difícil de gerir. Eu, por
acaso, dava aulas sempre no mesmo local e só tinha alunos do 1º e 2º anos. Mas
o nível de conhecimentos de Português variava realmente muito. No 1º ano, eu
tentava ensinar a ler em Português a, pelo menos, três tipos de alunos: os que
tinham bons conhecimentos da nossa língua, porque os pais falavam Português em
casa; os que tinham conhecimentos sofríveis, porque os pais, apesar de serem
portugueses, tinham ido para a Alemanha em crianças, ou até nascido nesse país,
e falavam maioritariamente Alemão em casa; os que não entendiam patavina de
Português, porque eram filhos de casais mistos, ou seja, um dos pais era
português, enquanto o outro era alemão ou até nacional de outro país, como a
Polónia ou a Sérvia, casais que se entendiam em Alemão, pelo nunca se falava Português
em casa deles.
Teresa Soares alega que os professores com maiores
deslocações e que lecionam todos os níveis deviam ter horários reduzidos, pois
a preparação das aulas consome mais tempo e o desgaste, tanto físico como
psíquico, é maior. Nas palavras da Secretária-Geral do Sindicato dos
Professores nas Comunidades Lusíadas, a tutela, porém, «nem quer ouvir falar de
tais coisas» e não parece interessada na qualidade do ensino. Cada grupo de
alunos tem, semanalmente, sessenta ou noventa minutos de aula de Português, o
que Teresa Soares considera insuficiente.
Há também o problema da propina, instituída em 2012 pelo
governo de Passos Coelho, nessa altura, duramente criticada pelo PS, que se
recusa agora a aboli-la, apesar dos protestos dos partidos que sustentam o
governo de minoria. A propina levou à perda de mais de dez mil alunos a nível
mundial.
Uma outra questão, a dos manuais, era talvez o meu maior
problema, na altura em que dei aulas. Usavam-se os mesmos manuais que em
Portugal e não é difícil de calcular que eram perfeitamente desadequados, não
só por as crianças estarem inseridas em sociedades diferentes, como não
ajudavam a gerir os diferentes níveis de conhecimentos da língua na mesma
turma. Hoje em dia, há manuais feitos para o EPE, mas que Teresa Soares
considera igualmente inadequados, já que se baseiam no princípio do ensino de
Português como língua estrangeira, por decisão do Instituto Camões.
Como se vê, é um assunto longe de estar resolvido, o que
surpreende, se pensarmos que o ensino de Português no estrangeiro foi instituído
há várias décadas. Pelos vistos, a tutela não tem aprendido nada com a
experiência.
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