Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

8 de maio de 2011

Rio Merdário ou Merdeiro

Numa série de posts sobre a água e os seus usos, nas Memórias de Araduca, lê-se que, para o caso de Guimarães, surge, em documentos medievais, a expressão "rio merdário" ou "merdeiro": designação genérica dos cursos de água que funcionavam como colectores dos esgotos produzidos nas zonas urbanas medievais, de que não faltam exemplos em documentação medieval dos países do Sul da Europa. O autor do blogue, António Amaro das Neves, dá-nos, além de Guimarães, os exemplos de Milão, Piacenza, Novara e Como, na Itália; Cuixà, na Catalunha francesa e Lérida, na Catalunha espanhola.

Eu também encontrara expressão análoga, relativa à cidade de Lisboa, e afirmei-o num comentário, ao qual o autor deu relevo (o que, mais uma vez, agradeço). Aliás, os leitores do meu romance sobre D. Dinis encontram referido, por várias vezes, o "Rego Merdeiro" lisboeta.



No seu livro Lisboa Medieval (Edições Colibri 2008), cujo texto corresponde à sua tese de doutoramento, Carlos Guardado da Silva, além de nos informar sobre as origens da cidade, desde Olisipo a Lušbūna (a Lisboa árabe) dá-nos um retrato completo de Lisboa, desde a sua conquista por D. Afonso Henriques, em 1147, até aos finais da Idade Média.

Assim nos surge o curso de água que atravessava a actual Praça do Comércio e ia desaguar no Tejo e que, no século XIII, se denominava "Rego Merdeiro", precisamente por servir de escoamento aos dejectos urbanos. À altura da conquista da cidade por D. Afonso Henriques, tratava-se de um largo esteiro (referido, entre outros, por Saramago, no seu História do Cerco de Lisboa). No século XIII, porém, Lisboa já crescera para fora da Cerca Moura e o esteiro passara a córrego mal-cheiroso. Tanto, que D. Dinis o mandou encanar. O "Rego Merdeiro" acabou por desaparecer debaixo de construções e, mais tarde, do Terreiro do Paço.

Nota: A série de textos de António Amaro das Neves sobre a água e os seus usos, surge a propósito da exposição "Água é Património", que pode ser visitada no Arquivo Municipal Alfredo Pimenta (Guimarães), de 18 de Abril a 21 de Outubro de 2011.

Os textos do blogue são baseados no livro Mãe-d'água: centenário do abastecimento público de Guimarães, António Amaro das Neves (coordenação e textos), Francisco Costa e António Bento Gonçalves (textos), Eduardo Brito (fotografias) ed. Vimágua/Sociedade Martins Sarmento, 2007.

P.S. Para quando um retrato extensivo de Lušbūna? Aqui fica o meu apelo aos licenciados em História!

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