As outras crianças passavam por ela, de algodão doce na mão. A menina olhava fascinada para aquela nuvem segura por um pauzinho. Na inocência dos seus cinco anos, aquilo parecia-lhe ser feito de fumo, um fumo branco, ou cor-de-rosa. Ansiava tocar-lhe, experimentar-lhe a textura, o sabor...
- Ó mamã, eu também queria uma coisa daquelas.
- Aquilo não presta, filha, é só açúcar.
As outras crianças passavam por ela, comendo a nuvem, deliciadas. A menina insistiu:
- Mas eu queria...
- Já te disse que não presta. E agora está caladinha.
A menina era obediente e calou-se. Embora triste, estava numa idade em que as coisas se esqueciam depressa. Mas o algodão doce perseguia-a, em todas as feiras, arraiais e outras festas populares. Olhava fascinada para a maquineta, de onde saíam aqueles farrapos, que se iam colando ao pauzinho, até se formar a nuvem. O vendedor passava-a para a mão de alguma criança, que a recebia satisfeita. Mas a menina não estava autorizada a comprar.
Passados uns dois anos, a menina já tinha consciência dos preços.
- Ó mamã, não é caro, não posso comer um algodão doce?
A mãe olhava-a incrédula, até um pouco enojada:
- Tu queres comer uma coisa daquelas? Já te disse que não presta. E acabou!
Porque é que as pessoas grandes não entendiam que lhe era indiferente se prestava, ou não prestava? Se sabia bem, ou mal? Ela queria finalmente experimentar a sensação de comer uma nuvem.
A história repetia-se, ao longo dos anos. A mãe nunca, mas nunca lhe comprou um algodão doce! A partir de uma certa altura, a menina, que era obediente, deixou de insistir. E continuava a olhar invejosa para as outras crianças.
Um dia, a menina era grande, já tinha dinheiro no bolso, até tinha um namorado. E, nos festejos do São João, no Porto, resolveu-se a comprar um algodão doce.
- É que eu nunca comi nenhum!
O namorado mirou-a surpreendido e divertiu-se com a alegria infantil com que ela olhava para a maquineta, de onde saíam aqueles farrapos, que se agarravam ao pauzinho. No fim, a menina pegou orgulhosa no seu algodão doce e pagou a ninharia que ele custava.
Provou... Mas ficou um pouco desiludida. A mãe tivera razão, a nuvem nada tinha de especial. Era uma sensação interessante, arrancar-lhe um farrapo, mas este logo se transformava em açúcar normal.
Sim, ficou desiludida. Mas talvez não o tivesse ficado, se o provasse em criança. Porque, em criança, as coisas sabem de maneira diferente. Cada nova experiência é uma conquista, cada nova sensação, uma vivência inesquecível. Seja algo caro, ou barato, algo fino, ou grosseiro. Pena que as pessoas grandes esqueçam tão facilmente que também já foram crianças.
A mãe tivera razão, sim. Mas não era isso que estava em causa. A mãe não lhe recusara apenas o algodão doce. Roubara-lhe um momento mágico da infância.
(Um agradecimento à Há Dias Assim, que me inspirou para este post).
Ainda bem que a minha Mãe nunca me recusou o algodão doce. Ou as farturas. Ou a bolacha americana das férias na praia.
ResponderEliminarHoje nem lhe tocaria, mas há coisas das quais nenhuma infância deveria ser privada. Como os moinhos de papel, os iô-iôs ou as engenhocas de fazer bolinhas de sabão.
O algodão doce da minha infância era branco, só branco. O cor-de-rosa só viria depois. E acho que me teria encantado ainda mais.
Ser um bom pai ou mãe não é simplesmente saber usar a razão, mas acima de tudo saber entender as razões!
ResponderEliminarPois é, roubam e nem se apercebem; o que ainda é muito mais grave
ResponderEliminarSim, só com a razao nao se vai lá. Ainda hoje li um artigo sobre a preocupacao dos pais em manterem os filhos ocupados com coisas "úteis", esquecendo-se de que eles têm direito a tempos livres e a brincadeiras.
ResponderEliminarPois, se se apercebessem...