A comitiva continuou a sua digressão e, chegados a um outro edifício, el-rei desmontou, pelo que todos o imitaram. Entraram no edifício e Dinis quedou-se mais uma vez boquiaberto. Apesar de não se tratar de um mosteiro, inúmeros escribas e copistas, debruçados sobre escrivaninhas, dedicavam-se aos seus pergaminhos, só parando à passagem d’el-rei, a fim de o cumprimentarem. Havia ainda senhores que conversavam em línguas que o pequeno não entendia. Eram judeus e muçulmanos, à conversa com monges e outros cristãos! Consultavam documentos e comparavam-nos. Talvez por se aperceber da sua confusão, o avô chamou o neto e disse-lhe:
- Encontras-te na Escola de Tradutores de Toledo.
- Escola de Tradutores?
- Sim. Traduzir significa passar escritos de uma língua para outra. Por isso, mandei aqui reunir estudiosos das mais diversas proveniências.
- E o que é que eles traduzem?
- Textos antigos. - El-rei pegou num livro velho e mostrou-lhe: - Estás a ver estes sinais esquisitos? Isto é grego, uma língua que andava esquecida, mas que os muçulmanos preservaram e traduziram para árabe. Com a sua ajuda, estudiosos cristãos traduzem-na para latim e castelhano.
- Mas porque fazem isso?
- Porque há aqui muita sabedoria. São textos escritos por sábios que viveram há muitos séculos. Há tratados de filosofia, astronomia, medicina, matemática, geometria e de outros ramos do saber. E é todo esse saber que eu quero reunir e copiar em livros que a Cristandade entenda.
A sabedoria da língua, domínio do tradutor, ou a sabedoria do conteúdo escrito?
ResponderEliminarSabedoria do conteúdo escrito, é o conteúdo que deve ser divulgado (e foi). Claro que a arte do tradutor também é de louvar :)
ResponderEliminarAchas que não está claro no texto, António?
E por que é a sabedoria da língua domínio do tradutor? E em quê a sabedoria da língua é oposta ao conteúdo?
ResponderEliminarClaro que um mau tradutor adultera o sentido da obra traduzida, mas não é isso que impede a qualidade do original. Também o bom tradutor não faz de uma má obra uma obra boa.
Essa questão da "intromissão" do tradutor na obra tem muito que se lhe diga. Também acho que deve haver um certo distanciamento, mas depende um pouco da obra em causa. Por exemplo, em A Condição Humana, de A. Malraux, Jorge de Sena quase reescreveu a obra e saiu dali uma coisa formidável; já, por exemplo, a excelente tradução de Guerra e Paz da Presença, por Nuno Guerra e Isabel Guerra prima pela fidelidade.
ResponderEliminarMas voltado à questão da Escola de tradutores de Toledo: as condições sociais e políticas da época praticamente impediam qualquer investimento naquilo a que se pudesse chamar investigação científica; por outro lado era indiscutível o avanço das civilizações não europeias em termos científicos. Portanto, na minha opinião, neste caso, o trabalho de tradução e de conservação do saber foi tão importante como qualquer trabalho de criação.
Obrigada pelos interessantes comentários :)
ResponderEliminarSubscrevo o que foi dito, traduções nem sempre são fáceis, principalmente, quando as línguas são muito diferentes. Eu própria, quando tento traduzir alguma coisa que escrevi para alemão (tenho feito uns ensaios, sim), acabo sempre por acrescentar algo que não existe no original (ou o contrário, apagar algo), ou modifico ligeiramente o sentido de algumas frases.
Traduzir poesia é ainda mais difícil.
De resto, esta referência que faço no meu romance à Escola de Tradutores de Toledo é só para mostrar o esforço de Afonso X de dar a conhecer esses "avanços científicos" à Europa da época. E, também, mostrar o ambiente em que D. Dinis cresceu e foi educado.
Não querendo, obviamente, contradizer os comentadores anteriores, chamo no entanto a atenção para o facto de na época, o trabalho de cópia e traducção se concentrar (quase) exclusivamente nos monges, portanto era um trabalho exclusivo daquela classe, por conseguinte, incomparável com os tempos actuais, em que as traducções podem ser "encomendadas" a qualquer um que tenha um bom conhecimento da lingua. No entanto, uma boa traducção, requer conhecimentos profundos da época histórica, dos usos e costumes da época e do local ou região, requer ainda pesquisa e investigação.
ResponderEliminarParece-me impossível colocar os métudos empregues em Toledo e noutros importantes centros da cultura na época de D. Dinis, em confronto ou em paralelo com os actuais...
Completamente de acordo, Bartolomeu. às vezes entramos em comparações fáceis que se tornam abusiva. O acto de traduzir, naquele tempo, é um acto de fazer ciência, ao contrário do que se passa hoje!
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