Daniel Nobre |
Geraldo Sem Pavor, um cavaleiro vilão originário de
Santarém, era o homem do momento. Como guerreiro de fronteira, habituara-se a
fossados anuais em terras de mouros. Depois de participar, na
expedição comandada pelo filho do alcaide de Coimbra, em que Beja tinha sido
ocupada e, depois, abandonada, Geraldo formara o seu próprio bando. Atacavam as
fortalezas de noite, penetrando nelas por meio de escadas encostadas às
muralhas. Estas ofensivas não se limitavam à Primavera e ao Verão, Geraldo não
hesitava em dirigi-las nas estações frias, altura, normalmente, reservada a
tréguas. E ia espalhando o terror pelas localidades mouras, somando êxitos
nunca vistos, o que, por seu lado, lhe dava o estatuto de herói, junto das
comunidades cristãs, que lhe deram a alcunha de Sem
Pavor.
Juntavam-se-lhe
cada vez mais homens e Geraldo, não se contentando com as fortalezas mais
pequenas, começou a atacar cidades. Em Outubro de 1165, espantou o reino ao
conquistar Évora. Muitos dos barões do norte começaram mesmo a agourar que o
prestígio daquele homem ensombraria o do próprio rei. Mas Geraldo Sem Pavor
provou ser fiel ao monarca, ao entregar-lhe a sua conquista. Afonso viajou
àquela cidade, satisfeito com as dimensões que o reino tomava. Recompensou
Geraldo generosamente e outorgou foral a Évora, criando uma diocese, para a
qual nomeou o respectivo bispo.
Encorajado
pelo apoio d’el-rei, tanto moral como materialmente, Geraldo começou a
apossar-se de cidades que, segundo o tratado de Celanova, se considerava
pertencerem à zona de influência de Leão. Embora a delimitação dos territórios
a norte do Guadiana não fosse muito clara, muita da nobreza portuguesa receava
a reacção do monarca leonês, perante a conquista de Trujillo, Cáceres e
Montanchéz.
Não se conhece a verdadeira origem de Geraldo Sem Pavor e eu segui a hipótese dada pelo Prof. Mattoso, na sua biografia de D. Afonso Henriques (Temas e Debates 2007, porquanto o historiador sublinha tratar-se de uma mera hipótese: Pode-se imaginar, por exemplo, que Geraldo fosse um dos cavaleiros vilãos de Santarém - pág. 298).
As façanhas de Geraldo não eram vistas com bons olhos pelos barões do reino, que achavam que D. Afonso Henriques lhe devia travar as ambições. Aqui, mais um excerto do meu romance, em que D. Lourenço Viegas (filho do falecido D. Egas Moniz) e o alferes-mor D. Pêro Pais conversam com a jovem infanta D. Teresa:
Pêro Pais da Maia pertencia ao grupo dos descontentes e,
já que o Espadeiro iniciara o assunto, o alferes-mor não se segurou e
acabou por resmungar:
- É uma
insensatez, el-rei não pôr fim aos ímpetos de um bando de foras-de-lei!
- Bem -
atreveu-se Teresa a considerar, - Geraldo e o seu bando acabam por favorecer a
coroa portuguesa. Só a conquista de Évora...
- Não
justifica tudo - interrompeu-a o alferes-mor. E, depois de uma hesitação,
acrescentou: - Geraldo conquistou agora Juromenha e serve-se desse castelo como
base para atacar Badajoz.
-
Badajoz? - admirou-se a infanta. - Uma cidade maior do que Coimbra?
- E que
fica a leste do Guadiana - lembrou Pêro Pais. - O assunto foi tratado com
especial destaque em Celanova e D. Afonso prontificou-se a prescindir da
cidade. Além disso, el-rei de Leão conquistou Alcântara, que fica lá bem perto.
É certo que não reagiu às outras conquistas da zona, nem tão-pouco tenta
recuperar os condados galegos de Toroño e Límia, que D. Afonso mantém em seu
poder. Mas estou convencido de que a coisa mudará de figura, caso o leonês vir
Badajoz em perigo.
- É
verdade - concordou Lourenço Viegas. - Há quem receie que D. Fernando assine um
acordo com os próprios almóadas, a fim de melhor assegurar que Badajoz não caia
nas mãos d’el-rei de Portugal.
- Iria
ele tão longe? - espantou-se a infanta.
-
Acordos entre reis cristãos e mouros não são nenhuma novidade - replicou Pêro
Pais, irritado. - Havendo confluência de interesses, nada impede que se
estabeleçam.
- Se D.
Fernando e os almóadas realmente se aliarem nesta causa - atalhou o Espadeiro,
- sou da opinião dos meus pares do norte: ou D. Afonso põe fim às façanhas de
Geraldo Sem Pavor a leste do Guadiana, ou, pelo menos, desliga-se dele.
D. Fernando II de Leão, genro de D. Afonso Henriques, estabeleceu, de facto, um pacto de defesa mútua com o califa de Sevilha, pelo que o rei mouro de Badajoz gozava da sua protecção. Quando o nosso primeiro monarca decidiu ir apoiar Geraldo Sem Pavor em Badajoz, na esperança de conquistar essa cidade, cometeu talvez o maior erro da sua vida, como veremos nos posts referentes ao Desastre de Badajoz.
eu gostei.
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